Governo nem tem a decência de deixar claro para os mais pobres que o Bolsa Família mínguaRodrigo Zeidan
Os economistas do governo já enfiaram a faca na barriga dos mais pobres. Agora, ao que parece, vão começar a torcer.
No passado, quando escrevi que os economistas do governo não gostavam de pobre, recebi, por meio de terceiros, mensagens dizendo que os tais economistas tinham ficado chateados, que não era bem assim.
Eles teriam garantido que sabiam da importância do Bolsa Família e concordavam com toda a literatura científica que mostra os benefícios para todos na sociedade desse programa de transferência de renda, que é um dos melhores do mundo.
Pois bem. Aqui estamos, no segundo ano deste governo mequetrefe, e o que fazem os tais economistas? Na encolha, começam a desidratar o programa, retirando recursos do orçamento e deixando milhões de pessoas no limbo. Já somam 3,5 milhões as pessoas esperando o mínimo para sobreviver.
Eu vou citar muitos trabalhos científicos que demonstram os imensos benefícios do programa a baixíssimo custo orçamentário. Mas essa não é uma discussão que só se vence nas trincheiras dos bons periódicos econômicos.
Temos que reforçar sempre que o Bolsa Família não é bom. É espetacular. E uma das raras unanimidades entre profissionais de economia de todo o mundo, de direita ou de esquerda. Mas não de extrema direita, parece.
Segundo Palmeira e outros (2019), de todas as famílias com insegurança alimentar, um quarto conseguiu sair da penúria com o Bolsa Família. O programa não só melhorou o nível educacional das famílias que o recebem mas também de outras famílias nas comunidades, num processo multiplicador, segundo Ferrara e outros (2017).
Para garotas, a participação subiu em 8%, e a progressão escolar, em 10%, com efeitos ainda maiores em meninas de 15 a 17 anos em áreas urbanas, segundo Braw e coautores (2015). Por causa disso, o Bolsa Família contribui para diminuir a gravidez entre adolescentes, em grandes cidades.
E, para quem acha que o Bolsa Família causa desemprego, é o contrário! Consonni (2018) encontra que nas cidades grandes aumenta-se o emprego formal e que, em cidades pobres, esse efeito é ainda maior --um incremento de 10% no número de beneficiários acrescenta 1% ao conjunto de empregos formais.
Há algum desincentivo ao trabalho formal para pouquíssimas famílias, como mostram Gerard e colegas (2018), mas os efeitos gerais sobre o mercado de trabalho são claros: o Bolsa Família gera empregos.
Shei e outros (2014), assim como Ford e coautores (2020), estimam o impacto do programa na melhora da saúde das famílias que o recebem. Crianças crescem mais, são mais vacinadas e mais saudáveis, e há inclusive melhora indireta no resto da família.
A cereja no bolo é o trabalho de Frey (2018) que mostra que o programa, por retirar a incerteza das famílias mais pobres, reduz o clientelismo. As famílias mais vulneráveis não precisam mais de promessas de prefeitos para sair da extrema pobreza. O programa reduz a política do voto de cabresto.
Há centenas de outros artigos que reforçam esses. Mas eu avisei que esse governo ia acabar com o Bolsa Família, da forma que conhecíamos. Não queria estar certo.
Para piorar, o governo nem tem a decência de deixar claro para as famílias mais pobres que o programa está minguando. Deixam-nas em desespero, com a vã esperança de que é só esperar seu lugar na fila. É sordidez do tipo que se vê em vilão de filme do James Bond.
Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.
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