sábado, 15 de agosto de 2020

A Geni de Miami

 
Leandro Fortes

Fui instado, por muita gente, a me manifestar sobre o episódio que envolveu Romero Britto, esse grande artista brasileiro, e uma mulher que comprou uma obra dele para, em seguida, arrebentá-la no chão.

Sou, sempre fui, um admirador da obra de Romero Britto.

O ato, filmado e divulgado, mundo afora, foi comemorado no Brasil, basicamente, como uma ação civilizatória contra um artista brega e bolsonarista - dois valores subjetivos aplicados a Romero, pela direita e pela esquerda, por ódio de classe e por preconceito puro e simples.

A estética da obra de Romero Britto é, a meu ver, simples, bela e colorida. Sempre a admirei e gostaria muito de ter aquela maçã de porcelana que madame jogou no chão,  supostamente, em desagravo a funcionários de seu restaurante destratados pelo artista brasileiro.

Curiosamente, não vi uma única apuração jornalística a respeito. Apenas se aceitou a versão Tik Tok dos fatos e, daí, se partiu para o linchamento. 

Sobrevivente da periferia de Recife, Romero Britto tornou-se um artista central da cultura pop, nos EUA, desde Miami para o mundo. Além disso, deu à própria obra uma dimensão comercial ampla, absolutamente inserida na lógica capitalista do estilo de vida que adotou.

O problema é que muita gente que acha isso lindo e descolado, em Andy Warhol, vê um crime, em Romero Britto. Um, loiro, platinado, new yorker,  ícone do SoHo. O outro, latino, negro, favelado, um outsider que ousou fazer sucesso em Miami. Autoexplicativo. 

É verdade que Romero Britto é um oportunista político. Fez um quadro de Jair Bolsonaro, como fez também de João Doria e de Dilma Rousseff. Mas isso não o faz melhor ou pior, do ponto de vista artístico, nem confere subjetividade à sua obra.

Há artistas que apoiaram ditaduras genocidas, como os escritores Jorge Luiz Borges, na Argentina, e Rubens Fonseca, no Brasil, mas nem por isso é possível, baseado apenas nisso, negar-lhes o valor.

O ódio a Romero Britto é, na maioria das vezes, um sentimento de manada, portanto, irracional e deslocado de qualquer senso realmente estético. 

Permeia uma certa classe média brasileira, ela mesma estruturalmente brega, mas que precisa demonizar Britto para se autoafirmar como sofisticada.

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