sábado, 15 de agosto de 2020

O contexto e a chantagem

Fernando Horta

Vi muita gente tentando explicar o ganho de aprovação do governo fascista de Bolsonaro. Primeira capa da Folha estampa que a aprovação dele “é a maior em todo o período”. O pessimismo tomou conta de todos que tenham qualquer traço de humanidade. E junto com o pessimismo, vieram algumas análises totalmente equivocadas a respeito da pesquisa.

O que significa o “aumento de popularidade” de Bolsonaro? Nada. Absolutamente nada para nós. Está em curso a maior ferramenta de chantagem das elites brasileiras. É mais importante compreender o PORQUÊ de a Folha colocar tal informação na primeira página, do que a informação em si. Contexto e chantagem. É disso que se trata.

Em primeiro lugar há que se ressaltar a metodologia da tal pesquisa. Foi feita com pouco mais de duas mil pessoas, entrevistadas por telefone em dois dias. Há meios estatísticos de se validar amostras pequenas, mas há também meios estatísticos de se esconder eventual deformação da amostra. Pesquisa são produto comercial, que adquirem valor ainda maior se forem feitas para medir questões de enorme interesse político. Eis o caso.

Vamos admitir que está tudo bem com a metodologia. É preciso contextualizar a pesquisa. Juntamente com a pesquisa, oito notícias importantes apareceram nos jornais. Primeiro, Paulo Guedes anunciou que vai privatizar “cinco ou seis” grandes empresas públicas. Em seguida o MP do Rio de Janeiro passou a investigar Carlos Bolsonaro que, ao que parece, é um “vereador adido diplomático em Brasília”. Ainda, o cerco se fecha sobre o esquema de “rachadinha” que enriqueceu o clã por décadas. Os filhos e as ex-mulheres-laranjas de Bolsonaro entraram na mira da justiça. O STJ pede revogação da prisão domiciliar do Queiroz e Gilmar Mendes deixa o papagaio mais um tempo em casa. Tudo isso no campo jurídico. Jurídico-político, claro.

Ao mesmo tempo o Ministério da Economia se desfaz. O time dos ultra-liberais, que tinha em Mansueto (o homem que criou a mentira das “pedaladas fiscais” contra Dilma) o grande nome, abandonou o barco e eles saíram dizendo para todos que “a economia não vai entregar nada”. Ou seja, a gestão Paulo Guedes naufraga até na visão “dos de dentro”. Na tentativa de conter o tsunami que se avizinha pós-pandemia, os militares passaram a lutar por um plano populista de recuperação. Essencialmente baseado na intervenção maciça do Estado. Crédito, obras públicas, controle do mercado e etc. Para os liberais, tanto Bolsonaro, quanto o plano militar são o inferno na sua terra ideológica. Eles estão fora. 

Guedes segura a batuta ainda por puro interesse argentário. Aliás, também foi noticiado que os tribunais superiores travaram as investigações de seus crimes. Na mesma onda das decisões político-jurídicas.

Então recapitulemos. Os filhos de Bolsonaro são atacados pela Justiça e Guedes é mantido intocável. Isso no momento em que Bolsonaro ameaçava um golpe no STF, como publicou a Piauí. As mesmas instituições que por décadas esconderam os crimes de FHC, Serra, Aécio e Alckmin e que promoveram devassas ilegais contra todos os petistas, voltam a utilizar dois pesos e duas medidas e fazer a política das togas e dos martelos.

Por outro lado, a imprensa passou quase 60 dias batendo em Bolsonaro. De repente, parou. Nos quase 60 dias de marteladas (não muito incisivas) o fascista perdeu apoio incessantemente. Era preciso que a Globo e os outros veículos monopolistas mostrassem a sua força frente à internet. Junto com o avanço das agressões da mídia monopolista brasileira, vieram as decisões de controle, banimento, prisão e desmonetarização dos canais de redes sociais que o bolsonarismo usava. Olavo de Carvalho foi atingido em cheio e parece que o blogueiro do Terça Livre passou a quarta preso.

Tão logo Bolsonaro calou a boca, a imprensa parou o ataque. Agora, ela apresenta os termos da chantagem.

O fato de a tal pesquisa ter saído na capa da Folha é bastante elucidativo. A grande imprensa está dizendo a Bolsonaro: “nós ainda podemos te sustentar ou te fazer cair”. Ao mesmo tempo. O nosso judiciário-político passa a fazer aquilo que desde 1988 faz bem: proteger as elites, assegurar seus projetos de poder e afastar as “ameaças”. A velha e boa luta de classes que o velhinho barbudo lá no século XIX denunciava.

O que está em curso é a maior focinheira que já se tentou colocar no fascista. As elites apertam juridicamente onde mais lhe dói, oferecem trégua no campo da comunicação, retomam a hegemonia através do ataque e banimento das redes fascistas e apresentam em primeira página o resultado da trégua: “a popularidade de Bolsonaro é a maior desde o início do seu governo”.

Pouco importa o resto. Todas as análises que não levarem em conta isto estão totalmente erradas. Sou dos que defendem que a eleição de Bolsonaro se deu por vilania e ignorância. Ou o voto dos perversos que enxergam nele a si mesmos, ou os ignorantes que não enxergam nada. A pandemia, contudo, tem mostrado que os efeitos práticos da vilania ou da ignorância são os mesmos e por isso, coloco-os todos no mesmo balaio dos culpados.

Vi muita gente escrevendo como “merecemos” o fascista e toda sua imoralidade e desumanidade. Muita gente dizendo que “o povo não aprende” e, de fato, isso, agora, tem pouca importância. Se a pesquisa está certa ou errada também importa pouco. O que se deve ter em mente é o contexto e a chantagem. Para o capital não é interessante destruir Bolsonaro porque abre-se porta inconteste para Lula. Na visão deles – porca e macabra – Bolsonaro é melhor do que Lula. Melhor por ser ignorante e incapaz. A violência que o fascismo dirige contra o povo pouco lhes importa. Lula sim é o alvo.

O “alvo”, porém, não pode ser descartado. Afinal, é através do balanço das forças que a balança mostra a sua eficácia. Além de acenar com a prisão dos filhos de Bolsonaro, com a destruição possível de sua popularidade e com a possibilidade de ataques incessantes ao fascismo, o complexo oligárquico composto pela mídia monopolista e o judiciário-político guarda na manga a carta Lula. Os julgamentos da suspeição marcados para antes da aposentadoria de Celso de Melo são uma espada no pescoço do fascista. Se ele resistir o mundo lhe cairá sobre a cabeça, e Lula lhe cairá na eleição. A chantagem é construir o inferno para Bolsonaro.

Caso o fascista se cale, ouça Guedes em tudo e se submeta, seus filhos serão poupados, Lula será mantido inelegível e Bolsonaro poderá sonhar com a reeleição. 

E tudo isso foi dito na capa da Folha de São Paulo. Basta saber ler.

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