domingo, 31 de janeiro de 2021

Corrupção contra impeachment

Na véspera da eleição mais corrompida da Câmara desde o golpe de 2016, a análise indispensável de Janio de Freitas. 

Janio de Freitas 

A visão de que o impeachment não tem base pública peca por superficialidade

A numerosa compra de parlamentares com verbas e cargos públicos, praticada por Jair Bolsonaro e sua tropa para conduzir as eleições internas de Câmara e Senado, viola a Constituição no princípio básico da independência entre os Poderes. Mas o objetivo maior desse ataque ao regime, definindo amanhã quem serão os novos presidentes da Câmara e do Senado, não é a propalada aprovação de reformas. É o bloqueio dos requerimentos de impeachment, os cerca de 65 relegados (até a sexta-feira em que escrevo) e os vindouros.

Bolsonaro, ao fim de reunião com deputados a meio da semana, ofereceu a confissão que, no entanto, não suscitou a defesa da Constituição pelos Poderes disso incumbidos. “Vamos, se Deus quiser, participar, influir na [eleição da] presidência da Câmara.” O que já ocorria e, no Senado, começava a acelerar-se. Nos dois plenários, a venalidade do atual MDB consagrou-o como “partido da bocona”. E o DEM de ACM Neto voltou por uma rachadura ao comércio de tóxicos sob a forma de votos. O DEM de Rodrigo Maia ainda respira, mas enfraquecido por várias facas nas costas.

A escolha de Bolsonaro para chefiar a sua guarda pessoal na Câmara foi por ele explicada com grande antecedência, quando se referiu ao que forma o centrão: “é a nata do que há de pior no Brasil”. Material que ele conhece. Arthur Lira (PP-AL) vem de lá, e com posição de liderança. Um trunfo para escapulir da Lei Maria da Penha e, se não de outras marias, por certo de outras leis.

Bolsonaro supõe comprar uma fortaleza inexpugnável anti-impeachment. É, de fato, um esquema bem nutrido a cifrões e carniça. Seu histórico pessoal no governo, porém, não é menos forte para servir aos críticos. E ainda haverá sua nova produção a cada dia, com os adendos dos pazuellos e demais sequazes.

Nenhum obstáculo deterá o embate entre o jogo pesado de Bolsonaro e a necessidade do impeachment. Só duas eventualidades poderiam impedi-lo: o golpe militar, difícil sem a improvável adesão de Marinha e Força Aérea, ou a retração dos conscientes da terrível situação nacional.

A visão de que o impeachment não tem base pública peca por superficialidade excessiva. As as evidências disponíveis já são bem nítidas. Não é à toa que 380 líderes religiosos —bispos, padres, pastores, bispos, frades de diferentes segmentos cristãos— juntam-se em eloquente pedido de impeachment. Hoje são ex-procuradores do alto escalão da Procuradoria-Geral da República que o fazem. Juristas já o fizeram. A Comissão Arns. Uma quantidade inumerável de artigos, comentários em TV, entrevistas qualificadas, pronunciamentos, diários todos e crescentes na presença e na ênfase.

As limitações pela Covid impedem passeatas eloquentes, mas grupos menores não se privam de sair com os seus “Fora, Bolsonaro”. E, para encurtar, há, sim, valiosa demonstração do eleitorado, por meio de índices colhidos pelo Datafolha. Há uma semana, 53% não aprovavam o impeachment, ao menos agora, e 42% o desejavam. Quase meio a meio. E, observação essencial, a opinião favorável a Bolsonaro é proveniente, em parte volumosa, do recebimento de auxílio pandemia e da expectativa de tê-lo outras vezes. É comum, entre os recebedores, atribuir a Bolsonaro o auxílio dado, na verdade, pelo Congresso.

Como complemento ainda mais revelador do ambiente, apenas nos 30 dias entre 20 de dezembro e 20 de janeiro a avaliação ótimo/bom de Bolsonaro caiu de 37% para 31%; a regular caiu de 29% para 26%; e a de ruim/péssimo subiu de 32% para 40%. Se isso nada demonstra, voltemos a dormir o sono do nosso pesadelo, e pronto.

O argumento de que a eventual substituição de Bolsonaro por Mourão nada mudaria até parece um desatino bolsonarista. Ser mais inteligente e preparado do que Bolsonaro não é vantagem, Mourão já exibiu os componentes goriliformes da sua formação no Exército, mas não é procedente, nem justo, descê-lo ao nível de Bolsonaro. Ao contrário, tudo indica ser o mais inteligente e preparado dos generais instalados na cúpula do governo. Não justifica esperança, mas não é provável que fizesse coisas como matar incautos com a recomendação de cloroquina.

Este país já de 220 mil mortes figura como o de pior desempenho antipandemia no mundo. Prova-se que o projeto autêntico de Bolsonaro é vitorioso. E por isso mesmo deve ser eliminado, para sobrevivência menos indigna do país e mais digna dos brasileiros.

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