terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Pandemia e barbárie

Solidariedade. É disso que mais precisamos.
A tragédia humanitária e sanitária em que estamos mergulhados nos confronta com uma crise ética e civilizacional de igual gravidade. Estamos todos perdendo com a negligência criminosa do governo. Mas quem tem dinheiro acha que pode contornar a demora na imunização passando à frente dos que deveriam estar em primeiro lugar: profissionais de saúde, idosos e quem tem comorbidades.

No começo deste mês, soube-se que clínicas privadas negociavam diretamente com uma farmacêutica na Índia a compra de vacinas, alegando tratar-se de ação complementar ao SUS. Agora, a coluna Painel informa que grandes corporações negociam com o Ministério da Saúde a compra de doses no exterior.

Metade seria entregue ao SUS, metade ficaria para funcionários das empresas e seus parentes.

Cientistas renomados tem insistido que vacinação é estratégia coletiva, que só dá resultados quando aplicada em larga escala. Ninguém está a salvo do vírus individualmente ou em pequenos nichos. No Império, o voto era "censitário", de acordo com a renda do cidadão. Agora, estaríamos diante da vacina "censitária". Uma ilusão que só agravaria a desigualdade realçada pela pandemia.

Do ponto de vista ético, a generosidade de Albert Sabin deveria ser o nosso norte neste momento. O cientista renunciou aos direitos de patente da gotinha contra a poliomielite, o que permitiu proteger milhões de crianças no mundo inteiro. Solidariedade. É disso que mais precisamos.

Não se trata de demonizar o setor privado, que pode ajudar de muitas outras formas, como em logística, armazenamento e transporte. Desde que suas ações reforcem a política pública e não concorram com ela. As empresas não confiam na capacidade do governo federal? Procurem os governos estaduais, que podem e devem mobilizar suas estruturas e capilaridade.

Contra o coronavírus, já temos vacinas. Precisamos, desesperadamente, de um antídoto contra a barbárie.


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