Vivemos tempos ruins. Tão ruins que a expressão cavalheiro conservador virou um oxímoro. Quando eu era jovem (ainda sou, mas passei à clandestinidade. Agora só eu sei disso), essa mesma expressão era quase uma redundância. Naquela época, pessoas de esquerda colecionavam palavrões, alguns deles, entretanto, extintos (juntamente com os cavalheiros conservadores), talvez na ilusão de que dessa forma seriam mais facilmente aceitas pelas chamadas massas populares. E também, é claro, para horrorizar a burguesia — pour épater la bourgeoisie, dizíamos, outra expressão que caiu em desuso. Entretanto, a burguesia transformou o espanto em adereço.
Eu próprio só comecei a dizer palavrões depois que, no furor da adolescência e da revolução, me juntei à extrema esquerda da extrema esquerda. Costumava praticar sozinho, no banheiro, diante do espelho, receoso de que os meus palavrões soassem artificiais. Soavam sempre. Nas assembleias de estudantes esperava ansiosamente o momento certo para soltar um novo impropério, afirmando assim a minha opção de classe e o meu desprezo pela burguesia. Invariavelmente, seguia-se um silêncio constrangido. Até hoje não sei se eu errava na pronúncia, na escolha dos palavrões ou na convicção. O fato é que não tinha talento para arruaceiro.
Fui educado por um genuíno cavalheiro conservador, que até hoje me corrige quando uso a palavra “chato” — “Chato não”, repete: “aborrecido.” Quando alguém lhe provoca desmedido horror e se enfurece, é capaz de soltar um áspero: “Esse indivíduo é um canalha!”. É verdade que aquele “canalha”, dito por ele, tem o peso de um soco de Muhammad Ali.
Eu tinha quase 40 anos e uma namorada carioca quando, visitando o pai dela, antigo campeão de Fórmula 1, vi numa das paredes do apartamento a enorme fotografia de um sujeito que não reconheci. Quis saber quem era. “É o Fangio” — foi a resposta. Era Juan Manuel Fangio, o famoso piloto argentino. Até esse instante eu julgava que Fangio fosse um palavrão, o único que meu pai utilizava sempre que, no trânsito, algum motorista fazia uma ultrapassagem perigosa. Passei a infância insultando os colegas, na escolinha, de “seu grande Fangio!”, para descobrir, tantos anos depois, que aquilo não era um palavrão. Estava mais para elogio.
Tudo isto vem a propósito da última torrente de obscenidades despejada por Jair Messias Bolsonaro — presidente do Brasil. Não conversei com o meu pai sobre o assunto e espero sinceramente que ele não tenha escutado aquela inacreditável demonstração de grosseria. Receio que sofresse um infarto. No mínimo vociferaria: “Esse indivíduo é um canalha!”.
Bolsonaro não é um presidente — é um atentado ao pudor. Que o próprio se proclame cristão e conservador, e seja levado a sério por tanta gente, é algo que nunca deixará de me surpreender.
O jovem *** ******** é hoje, no Brasil, aquilo que mais se parece com um velho conservador — embora sem a a cultura e o brilho dos velhos conservadores. Ouvi-lo exigir a destituição de Bolsonaro me dá, devo confessar, certa esperança e alento. Sou um sujeito de esquerda que acredita na importância de ter, em democracia, uma direita tradicional, séria, honesta e que se saiba se comportar à mesa. Tudo o que Bolsonaro não é.
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