Corte tem no procurador-geral a omissão de que precisa
Jurista leão de chácara é aquele que empresta vocabulário, gravata e biografia à violência. Não lhe falta vontade de servir e sujar as mãos. Regimes autocráticos alugam esse bando para organizar, sob o verniz do direito, a repressão e a mútua proteção. O lugar da profissão jurídica na história universal da infâmia política varia entre servidão e complacência. Descontadas as exceções.
Augusto Aras integra o bando servil. Enquanto colegas de governo abrem inquéritos sigilosos e interpelam quem machuca imagem do chefe, Aras fica na retaguarda: omite-se no que importa; exibe-se nas causas minúsculas; autoriza o chefe a falar boçalidades mesmo que alimente espiral da morte sob o signo da liberdade.
Na sua teoria de Estado, presidente tem liberdade de infectar, incitar violência e praticar charlatanismo da cura. Quando subprocuradores, no início da crise, representaram para que o PGR recomendasse ao presidente se abster de propagar mentira e desinformação, arquivou. Alegou liberdade de expressão e citou precedente aleatório do STF.
Também entendeu que a conta de Bolsonaro no Twitter é privada, uma zona franca da delinquência presidencial onde pode agredir a China, celebrar cloroquina e bloquear usuário; que o presidente não pode ser investigado por ameaça a jornalistas; que tem direito de se opor a medidas da política sanitária.
Aras não economiza no engavetamento de investigações criminais: contra Damares por agressão a governadores; contra Heleno por ameaça ao STF; contra Zambelli por tráfico de influência; contra Eduardo Bolsonaro por subversão da ordem política ao sugerir golpe.
Aras não só se omite. Quando age, tem um norte: contra a lei, inviabilizou que procuradores enviassem recomendações de praxe ao Ministério da Saúde; contra a lei, recomendou a membros do MPF que não cobrassem gestores da saúde em caso de "incerteza científica". Nem vamos falar de como desmontou forças-tarefa de combate à corrupção para concentrar em si arsenal de informações privadas com infinito potencial de intimidação.
Também faz blindagem processual de Bolsonaro: requisitou inquérito do porteiro que suscitou eventual elo entre família Bolsonaro e assassinato de Marielle; deu parecer contra as provas colhidas no inquérito das fake news no STF; contra a apreensão do celular presidencial; a favor de Flávio Bolsonaro em contradição com precedente do STF sobre foro privilegiado.
Não parou: pediu rejeição da denúncia por corrupção que ele mesmo havia oferecido contra Arthur Lira, após este se aliar a Bolsonaro; viabilizou processo relâmpago contra o inimigo Wilson Witzel, governador afastado do Rio; deu parecer contra estabelecimento de prazo para presidente da Câmara posicionar-se sobre pedidos de impeachment.
Poderia continuar, mas encerro a lista com a obstrução que promove diante das representações por crime comum de Bolsonaro. Sob pressão, escreveu que estaríamos na "antessala do estado de defesa". Não explicou a ameaça.
Diante da reação de outros procuradores e à representação criminal encaminhada contra ele mesmo ao Conselho Superior do MPF, resolveu "agir". Abriu inquérito contra prefeito de Manaus e governador do Amazonas. Abriu outro contra Pazuello, que nunca escondeu sua vocação de obedecer. Não incluiu quem manda em Pazuello e assegurou que só se investigue crime de prevaricação, nenhum outro mais grave contra saúde pública.
Aras não se deixa constranger pela submediocridade verbal e teatral que floreia seu colaboracionismo. Aderiu à hermenêutica declaratória, fraude interpretativa que atribui validade do argumento jurídico à autoridade de quem fala, faceta autoritária comum à magistocracia.
Aras é a antessala do fim do Ministério Público tal como desenhado pela Constituição de 1988. "A Constituição é o meu guia, a PGR não se move por interesses partidários." A Constituição-guia de Aras é a ditatorial de 1967. Ali, o PGR era empregado do presidente.
Se contra Bolsonaro cabe um impeachment Pró-Vida, contra Aras cabe um impeachment Pró-MP.
Afinal, PGR também pode cometer crimes de responsabilidade. Seu repertório de omissões é tão holístico que prejudica Jair onde menos se espera: é a prova que o Tribunal Penal Internacional exige de que instituições domésticas se omitem e liberam o presidente para o crime.
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