quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Negacionismo que mata

Tratamento precoce não tem eficácia contra a Covid e viabiliza mais mortes 
Alguns dizem que tratamento precoce “não tem eficácia comprovada”. Mas essas terapias foram testadas e os estudos demonstraram que não funcionam. Tratamento precoce é comprovadamente ineficaz e viabiliza mais mortes dando a impressão de que algo é feito. Mesmo assim, seguimos recomendando como política oficial de saúde no Brasil, em um negacionismo científico.

Quando muitos estudos com poucos pacientes são feitos em muitos centros, por simples acaso alguns deles podem apontar uma relação que não existe. Falsos experts promovendo tratamento escolhem a dedo estes poucos estudos que mostram benefícios. O mais adequado é se guiar pelos maiores estudos, com mais pacientes e maior poder estatístico, que são inequívocos: tratamento precoce não funciona. Tanto que a União Europeia e a OMS deixaram de testar a cloroquina ainda no primeiro semestre de 2020 e a OMS não recomenda e nem comenta sobre o uso de vermífugos e antiparasitários.

Alemanha e Reino Unido escolhem as medidas de fechamento que adotam de acordo com as dezenas de estudos que quantificaram quanto cada restrição de lockdown reduz a transmissão do vírus e acompanham os resultados com testes. Israel adotou o terceiro lockdown severo e uma vacinação em massa, sabendo que fechar é só parte da estratégia, e já vê uma redução enorme de hospitalizações.

No Brasil, o tratamento precoce dá para as pessoas a falsa segurança de que podem se expor à Covid, como se o kit Covid reduzisse os riscos da doença —comprovadamente não reduz. Dá para aqueles que sofrem a impressão de que algo foi feito, quando o que precisaria ser feito é saneamento básico, rastreio de contatos e testes.

Uma olhada rápida no monitoramento do Duke Global Health Innovation Center mostra que o mundo inteiro sai no tapa por vacinas. Na Europa, ninguém discute tratamento precoce. Seus líderes estão de olho nas farmacêuticas, a ponto de proporem bloqueio de exportação de doses para impedir a venda de vacinas “por fora”, como as que empresários brasileiros tentam comprar.

Nos EUA, o ex-presidente que nos forneceu cloroquina também assinou uma ordem executiva “para garantir que os cidadãos americanos tenham a primeira prioridade para receber vacinas americanas”. A prioridade por vacinas é outra. Como na Índia, que nos forneceu insumos para fazer cloroquina, mas precisou de tempo e diplomacia para fornecer vacinas.

Aqui, o tratamento precoce encobre o prejuízo e a incompetência do Brasil em assegurar e distribuir vacinas. “Não queremos vacina, temos cloroquina”, dizia o cartaz. E dá a impressão de que a catástrofe de Manaus poderia ser evitada com um kit Covid que tem os poderes de cura de um pacote de jujubas, quando seria evitada com distanciamento, fechamento estratégico e gestão pública.

Manaus não é exceção, é o destino da falta de controle. Lá temos variantes do coronavírus com características que foram associadas com maior transmissão e com a possibilidade “realista de [...] um aumento do risco de morte”, segundo o órgão consultivo que aconselha o conselheiro-médico-chefe do governo do Reino Unido. Variantes que já circulam no país. O jogo ficou mais difícil em 2021. E esse curandeirismo que sustenta negligência fica ainda mais perigoso. Não precisamos de tratamento precoce, precisamos de vacinas e distanciamento.

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