No pior cenário, a recuperação seria retardada por anos, com efeitos cumulativos perversos
Valor Econômico
Um ano após a disseminação da covid-19 pelo mundo, os prognósticos para os principais indicadores econômicos e sociais variam ao ritmo das incertezas que cercam a humanidade.
Em quanto crescerá a economia global em 2021? 5,5% diz o FMI. 4% atesta o Banco Mundial. 4,2% estima a OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico.
Entre os prognósticos mais recentes dos diversos organismos internacionais, talvez o da ONU seja o mais transparente, tendo em vista as dificuldades de se enxergar o futuro, mesmo o mais próximo. Em seu mais recente relatório World Economic Situation and Prospects 2021, as estimativas para o comportamento do PIB mundial contemplam três diferentes cenários: o mais otimista aponta para expansão de 5,8%; o básico prevê aumento de 4,7% enquanto que o cenário pessimista supõe crescimento de apenas 2,8% neste ano, mantendo-se em nível positivo médio de cerca de 2,6% ao ano até 2025.
O Banco Mundial, por sua vez, não descarta a hipótese de o PIB mundial voltar a cair em 2021, a depender da evolução dos contágios que, ao fim e ao cabo, tem a ver com o ritmo do processo de vacinação e o comprometimento da economia.
A discrepância das projeções é reveladora do desconhecimento que ainda se tem hoje sobre a forma como a pandemia evoluirá nos próximos meses. Como sugere o FMI, a disputa latente entre a eficácia das vacinas e as mutações do vírus não deixa muita margem para prognósticos. As pessoas se agarram às vacinas na busca por sobrevivência em meio a um pântano infestado de minúsculos inimigos em constante transformação.
No entanto, o passado recente da catástrofe é conhecido. Ele nos dá a dimensão do retrocesso causado pela pandemia não apenas através da drástica queda de 4,3% do PIB mundial de 2020 - muito superior à contração de 1,7% observada na Grande Depressão -, mas pelos indicadores do desemprego, do investimento e da desigualdade, entre outros.
Os estímulos fiscais e monetários largamente oferecidos a indivíduos, famílias e empresas pelos diversos governos desde março envolveram nada menos do que US$ 12,7 trilhões, dos quais US$ 5,9 trilhões na forma de gastos fiscais além do originalmente previsto nos orçamentos públicos, combinado com a redução de impostos e US$ 5,8 trilhões como suporte monetário distribuído pelos bancos centrais, segundo informações do FMI.
A ONU estima que o montante de cerca de US$ 6 trilhões na forma de gastos fiscais e corte de impostos implicou injeção adicional de US$ 3,6 trilhões na economia global, considerando o efeito do multiplicador fiscal médio da ordem de 1,6 (segundo trabalho de Blanchard e Leigh, de 2013), ou seja, o equivalente a 4,5% do PIB mundial. Se isso for verdadeiro, significa que a retração de 4,3% observada no ano passado poderia ter sido muito maior, mais do que o dobro.
O mundo nada em liquidez, mas isso não tem sido suficiente para garantir a recuperação dos investimentos e dos empregos. Ao contrário.
A Unctad - uma instituição ligada à ONU, responsável pelo acompanhamento do comércio global e as informações relacionadas ao desenvolvimento - mostra que o investimento estrangeiro direto (FDI) colapsou 42% no mundo em 2020. Caiu do nível de US$ 1,5 trilhão em 2019 para algo em torno de US$ 859 bilhões, conforme o relatório Investment Trends Monitor, publicado em 24 de janeiro. Boa parte da queda do FDI concentrou-se nos países desenvolvidos. Só os Estados Unidos sofreram redução de 49% em comparação com o valor recebido no ano anterior. Isso é um dado apenas entre tantos que refletem o quadro da recessão econômica.
O comportamento da economia tem despertado novo tipo de preocupação nos últimos meses e cresce na medida em que aumenta a dificuldade dos laboratórios em atender com maior velocidade a demanda por vacinas, além das dúvidas quanto à eficácia dos antídotos. Uma voz de alerta ao que pode vir pela frente é a da vice-presidente e economista chefe do Banco Mundial, Carmen Reinhart, conhecida por seus estudos sobre crises econômicas.
Ela teme que o mundo esteja a caminho de uma profunda crise de crédito causada pela insolvência dos indivíduos, das famílias e das empresas, especialmente as médias e pequenas, e mesmo de governos, que não terão condições de honrar suas dívidas tão cedo, face ao prolongamento da pandemia e dos seus efeitos para além do que era esperado.
As próprias instituições financeiras foram beneficiadas com regras mais relaxadas para o provisionamento de empréstimos de difícil retorno ou de créditos não performados, mas podem ficar expostas a grande risco se as dívidas não forem quitadas nos prazos renegociados.
“Uma crise silenciosa tem se imposto no sistema financeiro que pode comprometer os prospectos da recuperação econômica nos próximos anos”, ela tem repetido em seus escritos e nas entrevistas recentes, com ênfase em uma declaração que tem ares de slogan: “Não confunda reação com recuperação”.
No caso do pior cenário, com repercussão negativa no balanço dos bancos, das famílias, das empresas e dos governos, a crise deixaria de ser de falta de liquidez para tornar-se uma crise de insolvência, algo muito mais grave e estrutural. A recuperação seria retardada por anos, com efeitos cumulativos perversos. O receio de Reinhart vem reforçar o rol de perspectivas desfavoráveis neste quadro de pandemia: um mundo mais desigual, mais fechado e mais pobre.
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