Resultados da etapa final dos ensaios clínicos foram publicados na Lancet; artigo revisado por pares traz credibilidade ao imunizante após controvérsias
Polina Ivanova, da Reuters
A vacina contra a Covid-19 Sputnik V, desenvolvida pelo laboratório russo Nikolay Gamaleya, atingiu uma eficácia de 91,6% na prevenção da Covid-19 nos testes de fase 3, indica um artigo revisado por pares publicado na prestigiada revista científica Lancet nesta terça-feira. O resultado confirma os resultados preliminares divulgados no fim do ano passado e representam mais uma esperança na superação da pandemia do novo coronavírus.
A vacina é produzida desde o fim de janeiro no Brasil pela farmacêutica União Química, representante do Gamaleya e do Fundo de Investimentos Direto Russo (RDIF) no país, em escala inicial. Um pedido de uso emergencial protocolado pela companhia no dia 16 de janeiro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi negado pela reguladora por não atender pré-requisitos.
Os resultados são baseados em dados de 19.866 voluntários, dos quais 25% pertencentes ao grupo placebo, segundo o artigo da Lancet. Nos testes conduzidos em Moscou, 16 casos sintomáticos foram registrados entre os que receberam a vacina e 62% entre os que receberam doses de placebo.
O estudo incluiu 2.144 voluntários acima de 60 anos. Nessa faixa etária, a eficácia observada foi de 91,8%, sem efeitos adversos expressivos. A Lancet pontua ainda que a Sputnik V foi 100% eficaz na prevenção de casos moderados e graves da Covid-19.
Quatro voluntários faleceram durante os testes clínicos, mas nenhuma das mortes está associada à vacinação, segundo a Lancet.
— A eficácia parece boa, incluindo para aqueles com mais de 60 anos. É ótimo ter outra adição ao arsenal global (de vacinas) — avaliou Danny Altmann, professor de imunologia no Imperial College de Londres.
Segundo Kirill Dmitriev, chefe do RDIF, fundo soberano russo que financiou o desenvolvimento da vacina, o Gamaleya já começou a testar a vacina contra as novas variantes do coronavírus. Os resultados, ainda preliminares, são "positivos", segundo ele.
A Sputnik V foi projetada para ser administrada por meio de duas inoculações com um intervalo de três semanas. Na primeira dose, é aplicado o composto com o adenovírus de tipo 26, também chamado de Ad26. Na segunda, é a vez do adenovírus de tipo 5.
O Gamaleya sustenta que a combinação dos dois vetores garante uma resposta imunológica mais robusta do que a de outras vacinas baseadas na mesma tecnologia, como a da AstraZeneca, que utiliza um adenovírus de chimpanzé e atingiu uma taxa de eficácia de 70%.
O laboratório russo e a farmacêutica anglo-sueca anunciaram em dezembro que farão testes para combinar as duas fórmulas. A Rússia testa, ainda, uma versão "light" da Sputnik V, que dependeria de apenas uma dose e ofereceria uma eficácia de 73% a 85%. O objetivo é ampliar o contigente de pessoas vacinadas nos países que firmarem acordos com o RDIF. Por enquanto, apenas a vacina da americana Johnson & Johnson foi desenvolvida com base em um regime de dosagem única.
Os autores do estudo reforçaram que, como os casos de Covid-19 só foram detectados entre os voluntários quando sintomas foram reportados, é preciso ampliar os estudos para compreender a eficácia da Sputnik V na prevenção de casos assintomáticos e da própria transmissão da doença.
Em coletiva de imprensa nesta terça-feira, o diretor do Instituto Gamaleya, Alexander Ginsburg, afirmou que a proteção oferecida pela Sputnik V deve durar "não por meses ou um ano, mas por dois anos ou mais". A duração da imunidade estimulada pelas vacinas é um dos principais pontos de interrogação na campanha global contra a Covid-19, uma vez que o prazo será estipulado pelo aprofundamento dos estudos de imunizantes nos próximos anos.
Na mesma coletiva, Inna Dolzhikova, responsável pela divisão do Gamaleya que projetou a Sputnik V, reforçou que a vacina pode ser mantida em refrigeradores comuns entre 2 e 8ºC. O detalhe favorece a logística de distribuição do fármaco, uma vez que o armazenamento de imunizantes se revelou um desafio logístico no caso de fórmulas como a da Pfizer/BioNTech, que precisa permanecer a -75ºC em freezers especiais.
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