Tentando se equilibrar na posição de "liberal esclarecido", Joel Pinheiro da Fonseca tem que se colocar contra o famigerado Escola Sem Partido (sic). Mas não consegue abrir mão do discurso de que existe "um viés ideológico na educação brasileira". E continua: "Quem nunca teve um professor de esquerda?"
Essa abertura já denuncia a falácia que funda seu pensamento. Por que ele não pergunta quem teve um professor de direita? Porque o que conta como "viés ideológico" é só a reflexão crítica sobre a realidade. A naturalização do mundo social tal como ele é e a aceitação da ideologia dominante como não-ideológica aparecem, então, como a própria "neutralidade". Fonseca e o Escola Sem Partido (sic) partem da mesma posição.
O jornalista responde em seguida à própria pergunta: "Eu tive vários [professores de esquerda], e dos que traziam suas convicções políticas para a sala de aula". Fica claro que, no mundo ideal, se você carrega esse defeito, ter convicção política (de esquerda), cabe disfarçá-lo antes de entrar em sala de aula. Como se convicção política representasse um tipo de desonestidade intelectual. Ele continua sintonizado com o Escola Sem Partido (sic).
Em seguida, a pílula é um dourada um pouco, mas, um pouquinho depois, a má fé se escancara: "Há todo um espectro de práticas que podem entrar na conta [da doutrinação]: desde um caso de abuso claro como o professor obrigar os alunos a fazer manifestação partidária para passar de ano, até práticas mais corriqueiras como usar um livro de autor 'de esquerda'".
Eu queria um exemplo deste mítico doutrinador que obriga os alunos a fazer manifestação partidária, a bête noire do Escola Sem Partido (sic). Confesso que nunca vi um. O mais perto disso são escolas que obrigam os estudantes a frequentar cultos religiosos, mas aí a doutrinação certamente não está à esquerda.
E chega a ser bizarro que o ingresso de autores de esquerda no ambiente escolar cause frisson. A maior parte do conhecimento nas ciências humanas foi produzida por autores à esquerda. Ou a quase totalidade, eu diria, se adotarmos a categorização de "esquerda" do Escola Sem Partido (sic) - também de Fonseca? - para quem Weber, Keynes ou Rawls são perigosos comunistas.
Ao fim do texto, o autor manifesta seu desagrado com "um projeto mal formulado, ineficaz, paranoico e obscurantista como o Escola Sem Partido [sic]". Mas é pouco. Ao manter a ficção do "viés esquerdista" e projetar o ideal do professor "neutro" diante do mundo e suas injustiças, liberais como Fonseca traem seu próprio liberalismo e são cúmplices da criminalização da educação.
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