Laura Carvalho
Em meio à recusa dos congressistas democratas em aprovar os US$ 5,7 bilhões demandados por Donald Trump para a construção de seu famigerado muro na fronteira mexicana, o mais longo “government shutdown” da história americana levou à suspensão de cerca de 25% dos serviços federais por 35 dias, inflamando o debate sobre as contas públicas do país.
O custo estimado da paralisação, que foi interrompida na segunda-feira (28) pela aprovação de uma nova janela para acordo até 15 de fevereiro, já é de US$ 3 bilhões.
Enquanto isso, a recém-eleita congressista por Nova York Alexandria Ocasio-Cortez vem causando furor por sua proposta de elevar de cerca de 37% para 70% a alíquota marginal de imposto sobre rendas que ultrapassam US$ 10 milhões anuais para financiar um plano de redução de emissões de carbono no país —o chamado “Green New Deal”.
Embora pareça radical nos dias atuais, a alíquota máxima de imposto de renda foi, pasmem, de 70% nos EUA até 1981.
Esse percentual era aplicado somente à parcela dos rendimentos que superasse o limite máximo, como na proposta de Ocasio-Cortez.
A partir de 1981, o governo de Ronald Reagan deu início a uma redução drástica de impostos com base no chamado “trickle down economics”, que projetava um estímulo ao crescimento econômico e à criação de empregos mais do que suficiente para cobrir as perdas iniciais de receitas do governo.
Em 1989, a alíquota máxima era de 28%, gerando uma queda na arrecadação e um aumento da desigualdade.
Trinta anos depois, a decepção se repete.
Segundo uma pesquisa realizada pela National Association of Business Economics (NABE), o corte de impostos de US$ 1,5 trilhão aprovado por Trump em 2016 não alterou significativamente os investimentos privados: 84% das empresas entrevistadas declararam não ter mudado seus planos por causa da redução da alíquota de imposto de renda para a pessoa jurídica de 35% para 21% implementada em janeiro de 2018.
O fato é que o determinante principal dos investimentos das empresas segue sendo a expectativa de crescimento das vendas: empresários compram novas máquinas e equipamentos e/ou constroem novas plantas para serem capazes de produzir mais e, assim, atender a demanda futura.
As reduções de imposto poderiam até funcionar para roubar mercados alheios se não fossem concedidas em meio a uma guerra fiscal em que todos os países seguem a mesma estratégia.
O fracasso do plano de Trump, que contribuiu para deteriorar a situação das contas públicas americanas, não deveria ser surpresa para quem observou os resultados das desonerações concedidas no Brasil na última década.
Ainda assim, o presidente Jair Bolsonaro já afirmou em diversas ocasiões que a redução da carga tributária é uma das metas de seu governo.
No Fórum Econômico Mundial de Davos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a discutir com investidores a possibilidade de reduzir de 34% para 15% os impostos para empresas no Brasil.
Dadas as nossas dificuldades de estabilizar a dívida pública, uma redução desta magnitude parece demasiado drástica, mesmo se vier acompanhada da muito bem-vinda taxação dos dividendos —os lucros distribuídos pelas empresas a seus sócios e acionistas.
Aqui, como nos EUA, os defensores do Estado mínimo não necessariamente são mais refratários ao aumento da dívida pública.
É sempre bom lembrar o óbvio: gastar menos com serviços públicos e/ou benefícios sociais e arrecadar menos ainda com impostos também gera desequilíbrio fiscal.
Laura Carvalho
Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".
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