Os militares brasileiros desceram tão baixo a ponto de aderirem com entusiasmo e de maneira publicamente unânime a uma candidatura de um líder de gangue, o presidente Jair Bolsonaro, apesar de ele envergonhar o país dentro e fora das fronteiras.
Por Mario Vitor Santos, para o Jornalistas pela Democracia - Por ser o único país da América do Sul que não puniu os militares e civis envolvidos com graves violações de direitos humanos cometidas pelo Estado no período ditatorial (1964-85), o Brasil assiste agora a um novo assalto à democracia e suas conquistas sociais, realizado sob novas formas mas pelos mesmos poderes. Um segundo período autoritário se inicia. O horror de agora vai se juntar ao horror não punido e aumentar o tamanho da conta a ser paga.
Os militares deixaram os quartéis mais uma vez. Não são apenas os fiadores da "nova ordem". São os que exercem diretamente o poder. Os comandantes que deveriam zelar pelo exercício estrito das funções legais dos militares reincidem em destruir a imagem da caserna junto à sociedade. Acrescentam novos episódios torpes à história da instituição. Agravam assim ainda mais as condições de sua continuidade. Fragilizam a posição das Forças Armadas, cuja atuação é mais eficaz quanto mais simbólica for. Os militares estão agora colocados entre opções nocivas e não excludentes entre si: massacrar o país, sua economia, os direitos sociais, especialmente os dos mais pobres e as liberdades democráticas, ou serem mais uma vez, e de forma ainda mais definitiva do que a anterior, desmoralizados.
Os militares colocam-se mais uma vez contra o Brasil. De novo assumem posição de confronto e oposição ao regime democrático. Patrocinam a extinção metódica de cada um dos direitos típicos do regime democrático. Ameaçam e tutelam a Justiça. Restringem o acesso e a circulação das informações. Garroteiam a livre manifestação. Para isso aliam-se ao ideário mais repressivo, dentro e fora das fileiras militares.
Depois do desastre que foi o golpe militar instaurado pela força em 1º de abril de 1964, e só superado com muito sacrifício em 1985, as forças armadas assumem na prática mais uma vez o poder em consequência de um golpe jurídico e parlamentar contra a presidente eleita Dilma Rousseff, seguido do encarceramento casuístico de Lula, o principal candidato às eleições de 2018. Ambos os eventos baseados em meias verdades ou completas mentiras.
Envolvidas em atribuições inteiramente alheias à sua destinação legal e por expedientes maculosos, as forças serão mais uma vez responsabilizadas pelas opções erradas e avidez de poder dos seus comandantes e pela omissão dos comandados.
A lição dessa vez terá que ser aprendida. Suas consequências terão que ser apuradas. Não por mera vingança, mas por dever de sobrevivência e estabilidade da democracia e do respeito à soberania da vontade popular. Há dois caminhos claramente colocados diante dos cidadãos. O deles, a serviço de interesses poderosos, com sua ação imperial, marcial, autoritária e regressiva. Ou o outro, o dos cidadãos(!) livres, amantes da liberdade, humanistas, membros da união horizontal de convicções autônomas, desarmadas, democráticas, pensantes, civis, individuais e variadas.
Servidores públicos que também são, ou deveriam ser, os militares em postos executivos, sob o comando um Hamilton Mourão, um Augusto Heleno Pereira, um Fernando Azevedo e Silva e dezenas de outros oficiais generais, usam os recursos que amealham dos brasileiros, contribuintes pobres e miseráveis na imensa maioria, para desviar contra a autonomia do país os recursos que dele recebem. Mostram-se exibicionistas fascinados pelo poder, donos de uma verdade autoconcedida. Políticos de farda, autoritários de fala mansa, conspiradores ocultos sob a face da legalidade. Posam de civilizados, "good cops", contra Bolsonaro e sua equipe de de alucinados. Raposas.
A Constituição de 1988, redigida após o fim da ditadura, surgiu justamente com a finalidade de impedir a repetição de seus atos infames. Na letra da lei e no seu espírito, a Constituição ordena aos militares que permaneçam alheios e afastados da política. O intuito da lei maior de era ser uma resposta e funcionar como prevenção dos crimes que cometidos pelos militares quando exerceram o poder pelo força das armas, à revelia da vontade da sociedade.
Eles retornam, sorrateira e sorridentemente no início, agora de forma cada vez mais aberta e arrogante. Outorgam-se poderes sem para isso receber delegação, autocraticamente. Valem-se de muito encenação e pose, pois é muitas vezes apenas de mau teatro de que se valem as imposturas e os blefes da estratégia militar para proceder a uma inversão das hierarquias de qualquer nação civilizada.
Os membros das Forças Armadas terão que aprender que sua função não está acima mas abaixo da vontade da sociedade, que eles antes servem não são servidos. Os militares vêm depois e abaixo dos civis na democracia. Além de manipular a Justiça e a eleição presidencial para se alçar ao poder, os militares operam contra a soberania. É evidente que eles trabalham associados e subordinados aos americanos em sua estratégia de inclinar a balança de poder a seu favor.
Os militares não foram escolhidos em eleições justas o que fere o princípio de que os mais capazes devem comandar. Em geral, a escolha dos mais capazes ocorre em eleições democráticas pela vontade da maioria.
Além disso, a capacidade militar para governar como grupo é falha, sua competência questionável, como já demonstraram anteriormente. A opção da carreira militar muitas vezes resulta de expedientes de recuo na competição escolar.
Militares com frequência seguem essa carreira por não demonstrar excelência em nada mais, sendo na maioria dos casos a caserna abrigo para frustrados ou ineptos nos estudos: tornam-se militares muitas vezes os maus alunos, preguiçosos, aqueles menos hábeis, disciplinados, inspirados e criativos, incapazes do sacrifício sempre necessário ao bom desempenho na escola.
Ser militar é com frequência sinônimo de atraso cognitivo. São militares muitas vezes os que têm pouca aptidão para o exercício do pensamento e muito apreço à mímica da violência, fardada ou não, nem sempre no campo de batalha, mas às vezes nos porões.
Vão ser militares com frequência os que menosprezam a cultura, tentam controlar a educação baseada da autonomia, desconfiam das novas ideias, desprezam a arte a literatura, mas se apegam às rotinas, se esmeram nos procedimentos repetitivos, vazios, nas cerimônias e rapapés, premiações e salamaleques entediantes dos quartéis.
Não é à toa que eles juntaram agora o seu "ideário" o descarte de tudo que seja pesquisa nacional, o desapego ao desenvolvimento da iniciativa econômica, tecnológica e científica brasileira. O ultimo bastião que poderia dar propósito à existência de uma força militar no Brasil (como em qualquer país) os militares brasileiros vêm de abandonar: a defesa do interesse nacional.
A união do péssimo histórico recente das instituições militares brasileiras com a situação atual é corrosiva. Jamais houve no comando e médio oficialato um contingente tão sem ideias e projetos próprios do Brasil, desligado do país, subserviente a slogans e formas de pensar e referências norte-americanas. Não surge uma voz, dissonante que seja, para questionar essa geração de oficiais fúteis, ambiciosos e deslumbrados alpinistas de classe média sem qualquer componente patriótico.
As instituições de formação de oficiais e generais, os estados maiores, os cursos de comando, faliram inteiramente na tarefa de conferir formação para o desempenho da função de direção militar própria ao Brasil.
Consideram entregar a base espacial de Alcântara aos americanos, concederam calados a estratégica Embraer para a Boeing, interromperam o desenvolvimento da pesquisa atômica ao aceitar sem protestar o encarceramento do pai do programa nuclear, não descartar autorizar a instalação de uma base militar americana no país e ponderam sobre a validade de participar de uma intervenção na vizinha Venezuela a serviço dos Estados Unidos.
Os militares brasileiros desceram tão baixo a ponto de aderirem com entusiasmo e de maneira publicamente unânime a uma candidatura de um líder de gangue, o presidente Jair Bolsonaro, apesar de ele envergonhar o país dentro e fora das fronteiras. Antes disso, a hierarquia militar pode disfarçar, mas mostra-se essencialmente bolsonarista de toda hora hora, aderida ao "mito" não apenas por conveniência e antes de tudo convicção. Bolsonaro é expressão do baixo nível dos militares brasileiros.
Amam-no apesar das evidentes ligações dele e de sua família com milicianos criminosos do Rio e com esquemas de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro. Amam-no como a um herói vingador. Vibram porque ele tem a coragem de defender de público os assassinatos, as torturas, as perseguições, os sequestros realizados soba a égide da ditadura militar. Orgulham-se com ele inclusive das sevícias realizadas em pais e mães diante dos próprios filhos nos quartéis. Bolsonaro assume tudo que os militares de fato fizeram em nome do Estado, mas que mantêm em segredo (daí seu ódio aos trabalhos republicanos da Comissão Nacional da Verdade). Ele fala o que os militares sempre quiseram dizer, mas não tiveram o descontrole e a coragem de confessar para não ter que prestar contas.
Como Bolsonaro, os militares consideram Carlos Brilhante Ustra um herói. Irmanados nesses crimes, preparam-se todos para celebrar com orgulho o aniversário do regime dessas práticas, o da "Revolução" de 64, em 31 de março, com a pompa de um dia muito especial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário