segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Orgulhosamente sós

Ruy Castro
É como acabam os governantes que traem, humilham e se desfazem de seus aliados
A primeira vez que ouvi a expressão foi em meados de 1973, em Portugal, ainda sob uma ditadura de mais de 40 anos. O primeiro-ministro Marcello Caetano, sucessor do odiado Oliveira Salazar, foi à televisão e anunciou que, mesmo tendo contra si a opinião mundial, não negociaria com os movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, suas colônias na África. A guerra colonial, já perdida para o país, sangrava não apenas a economia, mas a juventude portuguesa —os poucos jovens que se viam nas ruas de Lisboa usavam farda e tinham um braço ou perna a menos. E, então, Marcello Caetano disse que os portugueses não se importavam de ficar “orgulhosamente sós” diante do mundo.

Seria uma frase bonita se Caetano tivesse consultado os portugueses —o que ele não fez. Sua fala refletia somente a intransigência de meia dúzia de generais e banqueiros, habituados a mandar sem dar satisfações. Só que, em 1973, as antigas alianças estavam dando lugar a algo chamado pragmatismo. Pouco depois, quando a Guiné-Bissau declarou unilateralmente sua independência, Caetano deve ter caído da cadeira ao ver que, entre os países que reconheciam essa independência, estava o Brasil, velho capacho do salazarismo.

“Orgulhosamente sós” será o mote que restará a Jair Bolsonaro e seus filhos quando completarem o trabalho de trair, ofender, humilhar, demitir e se desfazer dos que, um dia, acreditaram neles. Não sobrará ninguém à sua volta —assim como, por causa deles, já rareiam os países ao lado do Brasil.

O pragmatismo de 1973 nunca foi abolido. Em breve, quando a Europa, a Ásia e a América do Sul nos derem uma definitiva banana, vamos ver para onde Bolsonaro irá se virar.

Em abril de 1974, a Revolução dos Cravos ensinou a Caetano que, ao atribuir aos portugueses a condição de “orgulhosamente sós”, ele estava falando apenas por conta própria.

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