quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A destruição da razão como projeto


Philipp Lichterbeck
Torna-se claro que o Brasil caiu nas mãos de ideólogos perigosos
O efeito do desprezo ao iluminismo, ao conhecimento e à razão é um discurso público cada vez mais baixo e ridículo. Além disso, tem consequências fatais, não só na Amazônia. Um exemplo simples: por antipatia pessoal o presidente mandou desativar quase todos os radares fixos no país. O efeito: os acidentes graves cresceram no país, e as rodovias têm alta de acidentes com vítimas pela primeira vez desde 2011. Qualquer pessoa mais ou menos inteligente poderia ter previsto isso.

A política agrícola é igualmente brutal e antimoderna. Não se concentra num cultivo sustentável de alimentos com cada vez menos pesticidas, mas sim em cada vez mais agrotóxicos. Só neste ano 467 pesticidas foram aprovados, um novo recorde. Segundo o Greenpeace, desses produtos, 22 contêm ingredientes ativos que têm seu uso proibido na União Europeia; 25 constam na lista dos produtos extremamente ou altamente tóxicos à saúde humana. Ironicamente, uma das últimas levas de novos registros colocou mais 57 produtos no mercado no dia 3 de outubro, quando se comemora o Dia Nacional da Abelha. Somente entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, foram registradas as mortes de 500 milhões desses polinizadores por conta do uso de agrotóxicos.

Os agrotóxicos contaminam os rios do Brasil, como o São Francisco. E, claro, envenenam também a população. Entre 2007 e 2014, foram registradas quase 2 mil mortes por intoxicação agrícola. É cientificamente comprovado que, mesmo em pequenas doses, os inseticidas causam sérios problemas, principalmente em crianças, como alteração no QI, déficit de atenção, hiperatividade, autismo e transtornos psiquiátricos. Uma política sensata orientada para o bem-estar da população faria, portanto, tudo para limitar a utilização de pesticidas. Em vez disso, o governo expande seu uso para satisfazer os interesses lucrativos das indústrias agrícolas e químicas.

Outro exemplo dessa política fanaticamente cega: o Excludente de Ilicitude em Operações de Garantia da Lei e da Ordem que o presidente tanto deseja. Ele corresponde na prática a uma licença para matar, como qualquer estudioso da área de segurança iria confirmar. Parece que no Rio o excludente já está em vigor. Em 2019, a polícia do estado matou tantas pessoas como não matava desde quando começaram as estatísticas, em 1998. Muitas vezes os mortos não são criminosos, mas crianças como a menina Ágatha, de oito anos.

De certa forma, é então consequente que o novo partido do presidente, Aliança pelo Brasil, se apresente com um logo feito de pistolas e balas. Não livros que ensinam, mas balas que matam. Por exemplo, os primeiros e sábios habitantes do Brasil.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.


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