segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

A verdade, ainda que tardia


Claudio Guedes

Entrevista na Folha de S. Paulo, de hoje, 09/12, com Marcelo Odebrecht, ex-CEO da empresa que esteve no centro da Lava-Jato, desmente com fatos e argumentos objetivos a farsa montada pela direita sobre a atuação dos governos petistas e o BNDES nas obras internacionais das empresas de engenharia brasileiras.

Nada que um observador atento e honesto não sabia desde sempre. A própria manchete da Folha sobre a entrevista é manipulada, revelando o vício de uma imprensa que busca o estardalhaço e tenta jogar sombras sobre a verdade dos fatos.

Mas fatos são fatos e contra eles não há argumentos. A seguir os principais momentos da entrevista, perguntas da Folha e respostas de Marcelo Odebrecht:

O sr. se dedicou à expansão internacional da Odebrecht, com empréstimos do BNDES, em países como Cuba, Venezuela e Angola, alinhados politicamente com o governo brasileiro da época. Existia uma orientação? (Folha)

Ajudou o fato de o governo brasileiro ter uma boa relação. Grandes projetos de infraestrutura são estratégicos para o país.

Veja o caso da discussão do 5G. É óbvio que na contratação do 5G, o Brasil tem que levar em consideração a relação com a China e com os EUA.

É óbvio que, na contratação dos grandes projetos de infraestrutura, governos levam em consideração a relação política que têm com o país de origem daquelas empresas. Em vários países a gente competia com chineses, com empresas europeias, espanholas principalmente, e tinha um peso o fato de o país querer manter uma relação geopolítica fluída com o Brasil.

Eu diria que, nesses 20 anos, só uma exportação teve uma iniciativa por parte do governo brasileiro e que, apesar da lógica econômica por trás, teve uma motivação ideológica e geopolítica, que foi Cuba.

Em todos os países, nós íamos por iniciativa própria, conquistávamos o projeto e buscávamos uma exportação de bens e serviços. Em Cuba houve um interesse do Brasil de ajudar a desenvolver alguns projetos. E aí Lula pediu para que a Odebrecht fizesse um projeto em Cuba.

Como foi esse pedido? (Folha)

Isso começou porque Lula estava visitando o país, passou por uma estrada deteriorada e disse que tinha condições de ajudar. Era para fazer a estrada exportando serviços do Brasil, para gerar emprego, renda e arrecadação, e ajudar Cuba a desenvolver o projeto.

Fomos lá ver a estrada, mas um tufão havia passado e destruído Cuba. O governo cubano desprezou a estrada, queria casas. Mas a gente avaliou as oportunidades e identificou que o melhor para o Brasil, economicamente e do ponto de vista de exportação de bens e serviços, era fazer um porto em Cuba.

A obra de um porto tem muito mais conteúdo que demanda exportação a partir do Brasil. Para fazer uma estrada ou uma casa, em geral, é mais difícil fazer exportação. No caso de um porto, tem estrutura metálica, maquinário, produtos com conteúdo nacional para exportar do Brasil.

O porto também seria um gerador de divisas internacionais, o que ajudaria a pagar o financiamento. Vimos o porto como um local que ajudaria a economia de Cuba. E a nossa expectativa, que infelizmente acabou não se confirmando, até pelo esgarçamento da relação com o Brasil, era que mais empresas brasileiras poderiam se beneficiar do porto em si. Mas infelizmente essa parte ficou pelo caminho.

Mas existia uma orientação do governo sobre outros países? (Folha)

Não tinha. Normalmente, era a gente que conquistava os projetos e tentava reforçar a importância política desse projeto. O único país que a gente percebeu que houve uma boa vontade maior, uma atuação, um esforço maior do governo para ajudar a aprovar o crédito [do BNDES] foi na questão de Cuba.

Em todo esse período foi o único que eu percebi. E, a meu modo de ver, considerando aquela época, não foi uma aposta errada.

No início, eu pessoalmente tinha um receio desse financiamento. Achava complicado. Existiu uma reação muito grande dos nossos clientes na Flórida, que era a nossa maior operação americana, tinha mais de 20 anos.

A gente tentou, inclusive, sair fora no início, mas era complicado. Como a gente ia usar o argumento de que uma empresa brasileira não pode atender a geopolítica brasileira porque atua nos Estados Unidos? De fato Cuba não foi uma opção fácil para a gente, mas acabamos indo.

Lula interferia internacionalmente? (Folha)

A gente vivia um dilema com as viagens de Lula, porque ele vendia bem o Brasil. E na maior parte dos países, a gente já estava havia mais de dez anos, 20 anos. Muito antes do Lula. E éramos a única empresa brasileira.

A gente queria se beneficiar da ida do Lula para reforçar os links com o país e, por tanto, melhorar a nossa capacidade de atuar lá. Mas, ao mesmo tempo, quando Lula chegava ele não defendia só a Odebrecht. A gente se esforçava, passava notas para o Lula. O pessoal [da Lava Jato] achou várias das minhas notas. Porque a gente fazia questão de deixar claro o que a Odebrecht já fez em outros países para Lula, Dilma [Rousseff] e Fernando Henrique [Cardoso].

Sempre fizemos isso com todos os presidentes. Se um presidente chegasse lá, no outro país, e colocasse todo mundo [empresas brasileiras] no mesmo nível, poderia soar para o governo local do outro país como um desprestígio do Brasil em relação à Odebrecht. Vivíamos esse dilema, porque Lula era bom no macro, mas no micro ele trazia a competição brasileira, que até então a gente não tinha.

Existe uma queixa de que os financiamentos feitos para infraestrutura de outros países eram em detrimento de investimentos na infraestrutura nacional. (Folha)

O que não tem nada a ver. O recurso usado não era para infraestrutura de outro país. Eram recursos para que empresas do Brasil levassem bens e serviços do Brasil para outro país, gerando renda e trabalho no Brasil. O Brasil não financiava projetos em outros países, financiava outros países para que importassem bens e serviços brasileiros que geravam renda e trabalho no Brasil.

Outra coisa: o dinheiro para financiar exportação de bens e serviços não era destinado a financiar infraestrutura. É outro recurso.

Como esse assunto não é muito claro, se jogou muita névoa sobre ele e se criou algo que vai demorar anos para se dissipar: uma suspeita sobre o Brasil. Vai ser difícil outra empresa dar ao Brasil a participação que a gente teve na África e na América Latina como exportadores de bens e serviços.

Afinal, existe uma caixa-preta no BNDES? (Folha)

Em relação a gente [Odebrecht] com certeza não tem caixa preta. O pessoal diz que o BNDES praticou políticas, principalmente de juros baixos e condições favoráveis de financiamento, que eram incompatíveis com o mercado. Questionam o jatinho e constroem a história de uma maneira espetaculosa.

É como se fosse assim: ‘Jatinho é de rico, e o BNDES está dando o financiamento a 5% só’. Mas o foco do governo foi dar financiamento para produção que gerava renda e trabalho para o Brasil.

De fato, as condições gerais do BNDES, tanto de juros, quanto de prazo, são muito melhores. Em relação ao mercado brasileiro, são distorcidas. Mas eram extremamente compatíveis com o que se praticava no resto do mundo.

Às vezes, num cenário de mercado distorcido como o do Brasil, com taxas de juros altíssimas, indecentes, o governo acabava tendo que praticar políticas de Estado distorcidas para ver se convergiam para o decente.

Se olharmos isoladamente como era no mercado brasileiro, sim, era distorcido. Mas sem elas não não tinha como o Brasil competir com a exportação de bens e serviços se todos os Exim do mundo praticavam outras taxas.

Não seria possível exportar bens e serviços praticando as taxas de juro e prazo que existiam no mercado brasileiro, a 20% ao ano. Não existe isso.

Qual a importância dessa linha de financiamento para as empresas? (Folha)

Uma coisa que o pessoal se engana é dizer que o banco financiava a Odebrecht. O banco financiava os clientes [países] que adquiriam bens e serviços exportados pela Odebrecht. A maior parte do dinheiro não ia diretamente para a Odebrecht —mas para os fornecedores. Se a Odebrecht recebia 100, provavelmente 90 ia para uma cadeia de fornecedores de bens e serviços. Nós já chegamos a ter mais de 5.000 exportadores de bens e serviços.

A Odebrecht conseguia abrir mercado para as outras empresas. Muitas vezes, as empresas começavam a atuar em outros países através dos nossos contratos e, só depois, por conta própria. Isso acabou.

Mas como esse financiamento gera o emprego no Brasil? (Folha)

O BNDES financiava exportação de conteúdo nacional para projetos no exterior. O BNDES nunca deu dinheiro para que se produzisse no exterior. A parcela de gastos no exterior tinha que ser bancada pelo cliente com outras fontes. Outros Exim no mundo até financiam fora do país de atuação. O BNDES não. Só financia o conteúdo brasileiro.

Se eu consigo um financiamento de 50, esses 50 bancam aquisições no Brasil. Então, eu vou pegar subcontratistas brasileiros, pagos no Brasil, vou contratar maquinários produzidos aqui no país.

Em nenhum momento, o dinheiro do BNDES vai para fora. Sempre fica no Brasil. Não é verdade dizer que o BNDES financiava projetos no exterior. O BNDES financiava conteúdo nacional, geração de trabalho no Brasil, que era exportado para o exterior.

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