Sergio Alarcon
O brasileiro bolsonarista é aquele que desde sempre tem um problema desgraçado com a realidade: essa dimensão espaço-temporal onde se dá a vida e a morte, onde os acontecimentos e sua raridade emergem como furacões em nossas existências; onde a mesmice nos consome em sua imperceptível repetição cotidiana.
Brasileiros bolsonaristas preferem a mágica, o irreal, o imagético, o delírio, a alucinação.
Constroem alegremente um mundo cheio de fendas por onde escapam correndo da realidade, refutando o q é manifestamente verdadeiro, enquanto toda verdade torna-se dependente da ficção mais louca e inverossímil conforme o gosto - o mau gosto.
Estão sempre prontos a dar ouvidos para quem lhes propõem espectros para seguir ou temer. Ao ponto de considerarem “mito” um capitão de pijama, militar fracassado, expulso da caserna por terrorismo, que enriqueceu na pilantragem do baixo clero da câmara, envolvido com toda sorte de ilegalidades, de crimes.
E rezam, oram, tagarelam, votam contra o demônio, o macumbeiro, a mulher culta e emancipada, o homem gay, o PT, o cinema, a Universidade, os professores, os estudantes, a corrupção, a Amazônia, o Nordeste... Afogam-se num mar de superstições que, como nos alertou outrora Spinoza, lhes fazem admitir com fervor ser o bem a causa da tristeza e o mal a causa da alegria...
Não à toa estão sempre prontos para inventarem o inimigo que dá sentido a sensação de medo bovino com a qual dão crédito às tolices, ao mesmo tempo em que as confundem (as tolices) com evidências...
E cada vez mais, em consequência, a realidade cobra seu preço pelo descaso: já não comem carne, já não compram tomates, já não têm emprego, nem gás de cozinha, nem remédios gratuitos, nem médicos públicos, nem cultura, nem lazer, nem aposentadoria...
O surpreendente: quanto mais a realidade cobra seu preço em infelicidade, em crueldade, em dor, mais o bolsonarista se revolta contra a alegria, contra a vida, contra a verdade... e clama pelo irreal: — Mito!
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