Negar o apocalipse iminente, hoje, é uma forma de terraplanismoGregorio Duvivier
Toda a nossa sociedade se baseia na ideia de que a gente herdou o mundo dos nossos antepassados, e tudo se organiza pra honrar o seu legado. Nosso nome carrega o nome deles, as ruas carregam o nome deles, os estádios, as cidades, as doenças, as ideias. “I see dead people”, dizia o garoto de “O Sexto Sentido” —e ele não estava maluco.
As leis que nos governam foram escritas, em maioria, por gente que já morreu. Os discursos que nos moldaram? Não tá mais aqui quem falou. O brexit foi votado por gente que não estará mais viva quando ele ocorrer. “Os vivos são e serão cada vez mais governados pelos mortos”, dizia Auguste Comte, um morto que nunca imaginou que governaria o Brasil.
Wendell Berry, poeta e ambientalista, foi quem primeiro propôs a inversão: “Nós não herdamos o mundo dos nossos antepassados, nós pegamos emprestado dos nossos filhos”. O mundo é uma casa alugada e o proprietário acabou de nascer. Normal que esteja revoltado com o estado em que ela se encontra. A geração anterior pensa que é dona do mundo, mas é o cupim.
“Todo millennial é um mimado! O jovem tem tudo de mão beijada e nunca tá feliz.”
Por “tudo” eles querem dizer: um smartphone, um wifi e uma patinete elétrica. Obrigado por tudo, foi muito legal da parte de vocês, mas acho que o jovem trocaria o iPhone X por alguma perspectiva de futuro.
A Greta Thunberg não deveria ter substituído a “paixão” pela “raiva”, reclamou o Eduardo Jorge, que continuou: “Mais compaixão e menos ressentimento vai nos ajudar mais”. Admiro a autoestima desse político que teve menos de 1% de intenção de voto à vice-presidência e continua ensinando estratégias de comunicação. Tivesse mais humildade, estaria se perguntando por que o discurso de Greta comove tanta gente e o dele não.
É fácil manter a placidez quando você vai morrer antes do mundo. A raiva é um direito inalienável de uma menina que vai ver o mundo acabar antes dela.
Sempre anunciaram o fim do mundo, é claro, mas agora não é a Bíblia nem Nostradamus, é a comunidade científica —as mesmas pessoas excêntricas que dizem que a Terra é redonda. Negar o apocalipse iminente, hoje, é uma forma de terraplanismo.
Trump, Bolsonaro, Putin todos devem morrer antes do mundo. O fim do mundo, pra eles, é indiferente. Não vão estar aqui mesmo. Abaixo os mortos e todos os que querem que o mundo morra junto com eles.
Todo poder às pirralhas, aos secundaristas, aos recém-nascidos, a todos os que não têm planos de morrer tão cedo.
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