A campanha de inverno de Jair Bolsonaro
O plano de Bolsonaro e Guedes para a resposta ao coronavírus dependia da velocidade. Mas não da velocidade de ação do governo, e sim da velocidade com que o vírus aconteceria, mataria “todos os que tivessem que morrer” e “retomaríamos a normalidade”.Fernando Horta
“Operação Barba-Ruiva” (Unternehmen Barbarossa) foi o nome escolhido por Adolf Hitler para a campanha de invasão da URSS, cujo início foi em junho de 1941. O exército alemão sabia-se melhor equipado, melhor treinado e com uma imensa capacidade industrial por trás. Além disso, as táticas de conquista rápida inauguradas com nome de “blitzkrieg” e acompanhadas com a superioridade aérea da Luftwaffe (força aérea alemã) davam aos nazistas a quase certeza de que a conquista da URSS seria rápida.
A velocidade era essencial ao plano. Tanto porque a Alemanha tinha a experiência de ter lutado em dois fronts (leste e oeste) durante a primeira guerra – e isso seria um pesadelo para o exército alemão – quanto pela experiência histórica da derrota de Napoleão. O inverno russo cobraria um preço impagável caso a guerra se estendesse demais.
O plano do general Wilhelm von Leeb era atacar por três eixos: Leningrado (atual São Petesburgo), Moscou e Stalingrado (atual Volgogrado). Com isso o exército alemão se apossaria da maior parte das indústrias soviéticas deixando a capacidade de reação dos invadidos tremendamente diminuída. Tudo seria rápido.
Sem reação, e com o leste dominado, a máquina de guerra nazista rumaria para o oeste tendo encampado toda a capacidade de produção dos soviéticos.
A vitória era certa. A velocidade era essencial.
Jair Bolsonaro pensa da mesma maneira. Assim como para Hitler, para Bolsonaro os fatos e o mundo real têm pouca importância. Tudo o que interessa é como ele e seus alucinados ministros definem o mundo. O covid é uma “gripezinha”, a crise econômica por ele provocada é “vontade de não trabalhar” da população, e os problemas sociais daí decorrentes são “um plano da oposição para derrubar” o fascista. Claro, que no meio deste surto psicótico de dois anos, ele e Guedes achavam que faziam um bom governo, que estaria “decolando” antes do “comunavírus”, nas criminosas palavras do chanceler bolsonarista.
O plano de Bolsonaro e Guedes para a resposta ao coronavírus dependia da velocidade. Mas não da velocidade de ação do governo, e sim da velocidade com que o vírus aconteceria, mataria “todos os que tivessem que morrer” e “retomaríamos a normalidade”. Todo o planejamento – tal qual o de Hitler – era para que tudo acontecesse rápido. E por isso Bolsonaro incitou o contágio aberto e irrestrito, tanto com ações diretas (seus minicomícios e passeadinhas), como com ações indiretas (“lives”, declarações de minimização dos perigos do covid e etc.). Tudo o que parecia uma “loucura” era, em realidade, pensado para matar o maior número de brasileiros possível, o mais rápido possível.
Acontece que – assim como no caso do líder nazista – o tempo da vitória de Bolsonaro não era nem perto do que ele previa. Quando Hitler se deu conta de que os soviéticos se recusavam a morrer, a se render ou a serem dominados, os líderes alemães com algum discernimento previram a derrota. Os brasileiros, “abandonaram o barco”.
Assim como os povos violentados pelos nazistas (judeus, eslavos, ciganos e etc.) os brasileiros também se recusam a morrer de covid para que Bolsonaro “retorne a sua normalidade”. Lá, como aqui, o plano que se baseava na velocidade começa a fazer água. Guedes atrasou burocraticamente o pagamento do auxílio às pessoas e os repasses a estados porque esperava que em 30 dias não fosse mais necessário pagar. A economia neoliberal se baseia sempre na morte das pessoas (depois de exploradas). O covid apenas desnudou isso. O recuo da economia seria “breve”, de acordo com Guedes, e ele se colocou contra planos de o Estado ajudar na retomada econômica.
É do sangue e das mortes dos trabalhadores e dos pobres que se forma a riqueza que os liberais defendem. O que o vírus fez foi apenas acelerar o processo de forma a que o futebol ou as novelas não pudessem evitar que as pessoas o compreendessem.
“Pegue seus seiscentos reais, pague em juros bancários, fique quinze dias em casa e volte para morrer trabalhando”. Era esta TODA a proposta do governo para a pandemia.
O que destrói Bolsonaro e Guedes foi o que destruiu Hitler. Devaneios e alucinações sobre a realidade. No fundo, o problema é que – parafraseando Garrincha – faltou “combinar” com o vírus.
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