Liberalismo é uma loja de conveniência do governo, não um posto Ipiranga
A debandada no ministério da Economia vai dar a impressão de que Paulo Guedes está se desmilinguindo, pelo menos em um primeiro momento. Pode ser que, a seguir, o governo dê algum indício de que o ministro está firme, a fim de evitar salseiro imediato no mercado financeiro. Afinal, donos do dinheiro acreditam que, mal e mal, Guedes é por ora a garantia de que Jair Bolsonaro não vai rasgar o contrato do produto que compraram na eleição: o teto de gastos e algumas “reformas”.
Talvez até seja assim. Talvez o ministro venha a ser “prestigiado” nos próximos dias, mas o pessoal do dinheiro vai ter de fazer algumas provisões extras para perdas, para um calote, embora um estelionato eleitoral pareça ainda fora do radar, no caso do programa econômico. Mas Guedes se enfraquece.
No fundo, fundo raso, Bolsonaro é indiferente ou avesso à ideia de reformas liberais ou a qualquer ideia propriamente dita, por falar nisso. Guedes é uma conveniência. Se outro valor mais alto se alevantar, como um plano amalucado para dar sobrevida a Bolsonaro, o ministro pode até ser rifado, embora o mais provável é que seja levado na conversa, amaciado, podado; que continue largado à própria sorte.
Boa parte do ministério de Bolsonaro e vários de seus velhos e renovados amigos do centrão querem dar uma furada no teto de gastos, como tem ficado cada vez mais claro. Parte do centrão não gosta de privatizações em geral e menos ainda quando se pode cavar uma boquinha em estatais. Bolsonaro não quer bulir com servidores públicos. Desgosta de qualquer ideia de Guedes que possa lhe dar dor de cabeça política, tanto faz a relevância (ou não) do plano.
Ameaças ao teto, às privatizações e à reforma administrativa foram alguns dos motivos da debandada no ministério da Economia, embora não apenas. Alguns desses assessores de Guedes que vêm se demitindo desde julho dizem que o ministério é uma confusão, que é muito grande, que falta coordenação e que tem muita fofoca, “tem gente se matando lá dentro”.
O próprio ministro comentou a saída de alguns de seus principais auxiliares como se não soubesse o que se passa na sua cozinha. Algo na linha “ah, eles dizem que estão com dificuldades para privatizar”; “ah, tem de perguntar para eles o motivo da demissão”. Guedes parece de resto desorientado, perdido em negociações “ad hoc”, de varejo, meio maníacas (como a CPMF), sem um plano geral organizado. Começa a cair na boca do povo, como o ministro do “vem aí”, do ministro da “semana que vem”, da piada do “imposto Ipiranga”.
Mais importante, no entanto, é notar que o ministério da Economia sobrevive como um corpo algo estranho no governo, um protetorado provisório de Guedes, uma repartição que trata de assuntos de que Bolsonaro não entende e dos quais em geral não quer saber. Sustenta-se em parte devido ao interesse da atual liderança da Câmara de tocar as “reformas”, ao apoio de Rodrigo Maia. O programa do “parlamentarismo branco”, ora meio encardido e moribundo, é o das “reformas”. Quanto vai durar?
Sim, caso Guedes caísse ou se tornasse um dois de paus, o sururu econômico-financeiro poderia colocar em risco o mandato de Bolsonaro. Logo, o ministro não pode ser rifado sem mais. Pelo menos em tese, de uma perspectiva racional interesseira, não pode ser posto para fora enquanto o governo se reorganiza (isto é, faz a campanha da reeleição) e a economia está ainda entre o buraco e o pântano. Mas o bolsonarismo não frequenta o universo da razão, talvez nem mesmo a interesseira.
Quando Sérgio Moro foi expelido do ministério da Justiça, em abril, muita gente escreveu que o governo perdia um pilar e que estaria meio arruinado. Hum. Como ficou mais claro deste então, Moro era um outdoor da campanha eleitoral, agora apenas um cartaz desbotado e rasgado. No mais, o expurgo do lavajatismo foi uma decorrência de Jair Bolsonaro, de seu plano real de governo, de seu desejo de interferir em órgãos de controle, do Coaf à Procuradoria-Geral da República, passando pela Polícia Federal e pela reorganização de serviços de espionagem.
Guedes e “as reformas” são algo mais do que mera fantasia econômica liberal do governo, pois rebuliços nessa área podem ter consequências materiais muito imediatas. Mas são também uma conveniência, como Moro, na verdade uma loja de conveniência no posto Ipiranga. O combustível do governo Bolsonaro é outro, é a guerra cultural autoritária. O resto é acessório.
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