Eu tirei muito sarro daquela zona no Congresso do (ainda) Império mas fui ficando cada vez mais impressionada com as reações que vi por aqui, diante de mais uma das ameaças do Bolsonaro sobre a hipótese de se repetir no Brasil aquele tipo de coisa, com ainda mais violência, caso houvesse fraude em 2022 (ou seja, caso ele não seja reeleito).
Fiquei impressionada por dois motivos: primeiro, porque Bolsonaro é um moleque boquirroto que vive berrando ameaças mas não cumpre nenhuma. E não cumpre porque não tem condições políticas para realizar o seu desejo de autogolpe e também porque é um covardaço. Diz que seu ofício é matar gente, mas nunca ninguém lhe perguntou quantos já matou (diretamente, porque indiretamente estamos vendo, com sua irresponsabilidade criminosa nessa pandemia). Enfim, fala grosso, xinga, ofende, mas não realiza o que promete. Fica sempre a meio caminho, como as suas grotescas flexões. Então eu acho que já não dá pra levar muito a sério esse teatro.
Além do mais, estamos vivendo um inferno progressivo desde o golpe, com a enormíssima agravante da pandemia, que nos jogou no pior dos mundos: uma tragédia sanitária dessas dimensões no único governo que trabalha deliberadamente contra qualquer medida de proteção a seu povo. Ninguém sabe o que vai acontecer em 22, se Bolsonaro vai durar até lá, se não vai tentar dar um golpe depois de amanhã, se afinal as paquidérmicas "instituições" que o mantêm lá vão finalmente se mexer.
Em segundo lugar, mas talvez mais importante, fiquei impressionada porque, se essa ameaça fosse a sério, seria talvez a primeira vez na história da humanidade que uma derrota fragorosa serviria de inspiração a algum candidato a ditador.
Eu costumo ser pessimista e sou sempre francamente contra o triunfalismo, que é um dos piores males da esquerda, mas, caramba, como é que não comemoramos uma derrota tão vergonhosa e significativa como foi a de Trump nesse episódio? Como é que, diante disso, ainda damos crédito a uma ameaça imbecil, de um sujeito que ficou órfão e já não tem o apoio com o qual contava ao bater continência para a bandeira das listas e estrelas? Vamos mais uma vez servir de correia de transmissão para essas barbaridades estapafúrdias?
Estamos muito mal, sem dúvida, e completamente abalados com a tragédia da pandemia num governo assassino, mas, que diabo, já não nos descabelamos o suficiente? Por que fazemos questão de não enxergar o que nos pode dar algum alento?
Ora, Trump foi derrotado. DERROTADO. Duplamente: na eleição, ou melhor, nas eleições, porque perdeu onde não imaginava, perdeu as duas vagas do Senado na Georgia (na Georgia!), e com isso os democratas poderão governar em condições inesperadamente favoráveis. E aprofundou a derrota nessa aventura irresponsável de anteontem, quando incitou aquele bando de gatos fantasiados a invadir o Congresso. Só o narcisismo totalmente desprovido do princípio de realidade ousaria uma jogada daquelas, sem qualquer hipótese de sucesso. Foi uma lambança de gravíssimas consequências para a imagem dos EUA e que levou seus ainda apoiadores no Senado a abandoná-lo nessa fantasia ridícula de continuar a contestar o resultado eleitoral. Levou uma bela entubada, ainda que indireta, de seu vice e do líder dos republicanos. E teve de botar o galho dentro no dia seguinte: antes, insistia na denúncia de fraude e exaltava o "patriotismo" daquele bando de arruaceiros, agora já não fala em fraude e os acusa de "não representarem nosso país". Ou seja, "I love you, but... you'll pay for it". Nada como a ameaça de perder o cargo antes do fim do mandato, hein? Nada como fingir que não tem nada com isso, quando é o principal responsável por essa baderna e poderia (deveria) ser punido por isso, embora provavelmente não seja, considerando as conveniências políticas.
De todo modo, foi uma derrota monumental, espetacular. Algo que deveríamos comemorar. Nunca antes na história daquele país...
No entanto, preferimos ficar nos martirizando com ameaças estapafúrdias, sem base alguma.
Não faz sentido.
Nunca fui favorável a transformar derrotas em vitórias, como a esquerda cansa de fazer, irresponsavelmente, porque isso só nos ilude. Mas estamos num baixo astral tão grande que acabamos tomando uma vitória por derrota, e isso já é meio demais.
Não é possível.
Sabe aquele papo de "ousar lutar, ousar vencer"? Pois é, às vezes funciona.
Ânimo, pessoal!
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