Pessoas sem qualquer formação e competência -- técnica ou ética -- conquistam multidões de fiéis leitores, espectadores e ouvintes por empatia, demagogia ou mistificação. Proliferam blogs e videos de mentiras e calúnias, tanto quanto igrejas de estelionatários e discursos de ódio.
Será o caso, então, de repensar o jornalismo, prática e ensino?
Certamente.
A burguesia renascentista, em sua disputa com a nobreza pós-feudal pelo controle do Estado, assegurava que um sistema de informações social constituído de veículos com pontos de vista divergentes sobre fatos reais permitiria o diálogo entre classes, nacionalidades e padrões de comportamento. Essa diretriz adaptou-se, na Europa do Século XIX, à industrialização dos impressos, custeio da mídia pela publicidade e sua dependência de financiamento bancário.
É um projeto que agora se desfaz quando a concentração e financeirização da sociedade global impõe discurso único ou quase isso: as divergências aparentes confirmam a unicidade da essência.
A pretensão dos Hearsts e Pulitzers norte-americanos de introjetar os interesses conflitantes da sociedade em grandes empresas, olímpicas e neutras, herdeiras no entanto do sensacionalismo de aedos e menestréis, tonou-se farsa: veículos editados por burocracias obedientes despejam montanhas de propaganda sobre o público, abrindo pequenas janelas para verdades e questionamentos: às vezes a charge, algum figurão ou gente de prestígio consolidado que escreve ou depõe, um ou outro editor ou repórter ousado e driblador, em risco de degola.
Tomando como exemplo a mídia do Rio de Janeiro e os anos anteriores ao golpe de Estado de 1964: onde o Diário de Notícias, nacionalista, que pregava a industrialização e a politica externa independente? O rico e ferozmente liberal Correio da Manhã? A Última Hora do ideal trabalhista? O Jornal do Brasil, órgão católico que se modernizou e encarnava os ideias da nova classe média? A TV Excelsior, líder de qualidade, asfixiada após a falência por decreto da Panair do Brasil, do mesmo grupo econômico?
As notícias mais confiáveis provêm de instituições e agências estatais como a BBC, a RFI, a Xinhua, a Deutche Welle ou a Russian TV: cada uma dessas tem seu viés próprio, zonas de sombra e focos de luz negra -- mas é possível, com algum estofo crítico, identificar, caso a caso, suas motivações; isso não acontece tão facilmente com um Guardian, uma Globo ou um New York Times.
O futuro da mídia depende, portanto, de como sustentá-la com o melhor padrão ético, capacidade de traduzir enunciados específicos para diferentes públicos e transparência em suas reais intenções, sem o biombo de inovações linguísticas como “modelo de negócios”. É preciso que o reflexo da sociedade se faça integral e sem tamanhas distorções.
Não é muito diferente do desafio que se apresenta às artes e à produção cultural. A guerra do jornalismo é contra o aparelhamento pelo marketing e propaganda. Em outros termos, contra a corrupção das palavras, instituições e pessoas.
Em post futuro -- amanhã, talvez, -- darei minha opinião sobre as faculdades que proliferam em um mercado de trabalho constrangido e, muitas vezes, frustrante para os melhores dentre os jovens idealistas que buscam essa formação profissional.
Não quero que concordem, não penso discutir esses assuntos: só que, se julgarem interessante, entendam o que pensa este velho jornalista e professor, já tantas vezes consultado a respeito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário