Em um ano, Jair Bolsonaro falou uma dezena de vezes na ameaça de caos social na pandemia. Para torpedear medidas de distanciamento, o presidente repetiu que o país pode ter uma onda de violência e saques a supermercados. Nesse período, ele escolheu o lado do "caos" e deixou o "social" em segundo plano.
As sirenes de Bolsonaro soam apenas quando ele quer fazer uso político do risco de desordem. No início da pandemia, o presidente fez corpo mole na compra de vacinas que poderiam garantir uma volta segura ao trabalho. Agora, na pior fase da crise, o governo levou três meses para pagar uma nova rodada do auxílio emergencial e proteger quem foi afetado pelo isolamento.
Bolsonaro se lembrou da miséria nesta quarta (31), ao atacar o lockdown. Ele afirmou que "a fome está batendo cada vez mais forte" e disse temer "problemas sociais gravíssimos". Em vez de apresentar soluções, ele agiu como espectador: "Se a pobreza continuar avançando, não sei onde poderemos parar".
O governo tem um problema de ordem prática, que é a falta de dinheiro para lançar um programa robusto de socorro a quem precisa ficar em casa. Mas Bolsonaro se recusa a enfrentar a emergência econômica porque está concentrado em transferir as responsabilidades da pandemia para seus adversários políticos.
A propaganda do caos faz parte dessa campanha. O Brasil tinha 59 mortos por Covid-19 quando Bolsonaro lançou o perigo de saques a supermercados, em março do ano passado. Dias depois, ele publicou um vídeo que mostrava um falso desabastecimento de comida numa central de Minas Gerais. Há três semanas, ele citou o risco de "fogo em ônibus, greves, piquetes, paralisações".
O caos é também o ambiente ideal para as aventuras autoritárias com que Bolsonaro sonha. Quando fala dos brasileiros que ficaram sem trabalhar e desenha o risco de desordem, ele costuma citar medidas duras que podem ser tomadas contra o isolamento. A principal oferta do presidente nessa hora é a repressão.
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