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sexta-feira, 16 de abril de 2021

Análise de Conjuntura com Miguel Nicolelis


Ouça a fala do médico e cientista Miguel Nicolelis, trazendo uma análise da pandemia e a situação do Brasil frente a aos números crescentes de infectados e mortos pelo coronavirus. Chegando ao marco nunca visto antes no país, onde algumas cidades contam com mais mortos pelo vírus do que nascimentos ao mês. Ele ainda reforça as medidas de prevenção e cuidados coletivos para barrar o vírus e evitar assim mais contaminações no campo e nas cidades.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Chega, basta, fora!

#Basta!


Como um gigantesco navio sem capitão, singrando desgovernado por um oceano viral que rotineira e impiedosamente ceifa, num intervalo de 24 horas, perto de 4 mil vidas brasileiras — número equivalente ao total acumulado de mortes reportadas pela China em toda a pandemia —, a combalida nau chamada Brasil sofreu nos últimos dias mais uma série de golpes devastadores. Como se não bastasse ter de combater uma pandemia fora de controle, em meio a um colapso sem precedentes de todo seu sistema hospitalar e, no processo, ter se tornado um verdadeiro pária internacional, o Brasil assistiu atônito à escalada vertiginosa do pandemônio político que o assola. Rotulado de forma quase unânime pela imprensa internacional como inimigo público número 1 do combate à pandemia de Covid-19 em todo o mundo, o atual ocupante do Palácio do Planalto deu claras demonstrações públicas e notórias de estar perdendo qualquer tipo de controle — se algum dia o teve — do caos semeado por ele mesmo desde a ascensão ao maior cargo da República.


Acuado pela decisão do STF de obrigar o presidente do Senado Federal a instalar uma CPI para investigar a conduta do governo federal no combate ao coronavírus, isolado e demonizado pela comunidade internacional, e tendo sua tentativa de interferência nas Forças Armadas repudiada simultaneamente pelos comandantes das três Armas, o presidente da República parece ter achado um novo moinho de vento para chamar de seu inimigo preferido: os cientistas. Numa declaração proferida aos berros numa de suas aparições públicas em Brasília, o gestor e principal responsável pela maior catástrofe humanitária da história da República brasileira vociferou contra toda a comunidade científica brasileira (e mundial, presume-se) nos seguintes termos: “Cientistas canalhas, se não têm nenhum remédio para indicar, cale a boca e deixe (sic) o médico trabalhar”.

Ao indivíduo que transformou imagens de infindáveis fileiras de covas rasas, sendo abertas às pressas por todo o país, no mais visualizado “cartão-postal” do Brasil atual em todo o mundo, ao mandatário que selou o destino de centenas de milhares de brasileiros cujas mortes poderiam ter sido evitadas, levando o Brasil ao ponto em que as mortes em um mês podem superar os nascimentos pela primeira vez, ao gestor que impediu a compra de dezenas de milhões de vacinas quando elas ainda estavam disponíveis no mercado internacional, ao propagandista que estimulou a população a usar medicamentos sem nenhuma eficácia comprovada contra o coronavírus, ao presidente que nunca ofereceu uma palavra de consolo ou solidariedade a uma nação ferida e golpeada mortalmente como nunca antes na sua história, e que negou qualquer ajuda digna a milhões de brasileiros que diariamente convivem com a perda irreparável de seus entes amados, enquanto tendo de tomar a monstruosa decisão entre morrer de fome ou de Covid-19, a Ciência e os cientistas brasileiros só têm uma reposta a oferecer: Basta!

No momento em que todos nós, brasileiros, testemunhamos a manifestação de uma bifurcação trágica e decisiva, é preciso dar um “Basta!” definitivo, decisivo e inequívoco aos inúmeros crimes perpetrados contra os brasileiros de hoje e os que ainda hão de nascer, antes que seja tarde demais. Tarde demais para salvar centenas de milhares de vidas que ainda podem ser salvas; tarde demais para salvar o que resta das instituições e da democracia brasileira; tarde demais para evitar que o país cruze o limiar de um ponto de onde serão precisos anos ou décadas para que dele se possa retornar.

Em nome dos 362.180 brasileiros que pagaram com a própria vida pelo maior ato de incompetência e inépcia da nossa história, em nome de todas as famílias das vítimas desta que já é a maior tragédia nacional, em nome da preservação do Brasil como nação e, finalmente, em nome da garantia de um futuro digno para futuras gerações de brasileiros, chegou a hora de remover do posto o carcereiro inominável que nos transformou a todos em prisioneiros, potencialmente condenados à morte, seja de fome ou de asfixia; isolados de todo o mundo e vivendo diariamente à merce dos delírios e desmandos de alguém que, por atos e palavras, renunciou voluntariamente a suas responsabilidades constitucionais de proteger, a qualquer custo, o povo brasileiro de uma guerra de extermínio contra um inimigo letal.

*Médico, neurocientista e professor catedrático da Universidade Duke

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Diário do Front, com Miguel Nicolelis

Miguel Nicolelis

DIÁRIO DO FRONT 

Um resumo da situação crítica do Brasil e como ela pode evoluir nas próximas semanas.

Episódio 1 - Este é o primeiro episódio do meu mais novo Podcast. Semanalmente eu farei um resumo das notícias da pandemia de COVID19 no Brasil e no mundo, transmitindo diretamente do front brasileiro. 

Direção e produção de Cacau Guarnieri.

domingo, 21 de março de 2021

“Pandemia ainda vai piorar no Brasil”, diz Nicolelis

 DW Brasil

Na análise do médico e neurocientista Miguel Nicolelis, o Brasil pode cruzar a qualquer momento a marca de 3 mil mortes diárias por covid-19 porque houve “uma cascata de erros” no país. Mas ele acredita que, mesmo com a pandemia fora de controle e o risco de um colapso funerário, ainda é possível reverter a situação por meio de um lockdown nacional.

sábado, 20 de março de 2021

Podemos chegar a 500 mil mortos na metade do ano

"Podemos chegar a 500 mil mortos na metade do ano", diz Miguel Nicolelis

Professor da Universidade Duke (EUA) faz previsões catastróficas e afirma que, sem implantações de medidas restritivas imediatamente, uma ‘tsunami irá varrer o Brasil’

Constanca Tatsch

RIO — Hecatombe significa uma “destruição ou desgraça em grande escala”. E é o termo usado pelo médico, neurocientista e professor catedrático da Universidade Duke (EUA) Miguel Nicolelis para descrever a situação do Brasil em meio à pandemia da Covid-19. Segundo ele, se não forem implementadas medidas restritivas imediatamente, o Brasil deve alcançar a marca de 500 mil mortes em julho. Segundo o ex-coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste para a Covid-19, além do colapso sanitário, já ocorre um colapso funerário.

Já estamos com quase 3 mil óbitos por dia. Por que março vive uma explosão de mortes?

A explosão de forma sincronizada em todo o Brasil é decorrente das eleições (municipais, em novembro) e das aberturas indiscriminadas. Com as festas natalinas e o carnaval, explodiu de vez. Como medidas mais rígidas não aconteceram, infelizmente as previsões se concretizaram, e chegamos a um colapso. Hoje é difícil prever qual vai ser a taxa de óbitos daqui a duas, três semanas. A gente não consegue ver limite ou pico.

Há pacientes em São Paulo morrendo na fila de espera por vagas nos hospitais. O que se pode fazer a esse respeito?

O prefeito e o governador têm que criar coragem e fechar a capital e a Grande SP, impedindo o fluxo nas rodovias. Não dá para continuar empurrando com a barriga. Ou faz agora, ou as pessoas vão morrer na rua. São Paulo já colapsou há dias. Quando cruza 90% de ocupação, já foi. Só na logística para achar o leito e transferir, as pessoas vão morrer. O Brasil inteiro colapsou.

O que precisa ser feito para evitar o desabastecimento dos insumos hospitalares?

Tem que comprar esses medicamentos no mercado internacional, mas não estão entregando. O Brasil tinha que ter feito um estoque enorme, mas é desespero. É uma hecatombe. Como se a gente estivesse numa guerra, o inimigo tivesse tomado o Brasil, e a gente tivesse optado por não se defender porque quem deveria criar nossa estratégia de defesa renunciou ao papel de defender a sociedade da maior tragédia humanitária da nossa história.

O senhor acha que o lockdown deve ser nacional ou bastam medidas regionalizadas?

No Reino Unido, em dezembro, o comitê científico disse que em 12 dias o sistema hospitalar ia colapsar. O primeiro-ministro fechou o país. Hoje, a Inglaterra anunciou que teve a menor taxa de transmissão, óbitos e internações desde setembro. Porque fez o que tinha que fazer. Não teve lero-lero. Não tem saída. Nós sempre seguimos as ondas europeias. Avisamos em outubro que a segunda onda ia chegar aqui, agora certos lugares da Europa estão na terceira onda e vai chegar também. É duro dizer isso, mas vai piorar muito se não fizermos nada. E tem que ser a nível nacional, com medidas sincronizadas. Não adianta fechar um estado e deixar o resto aberto porque o vírus está em todo lugar, se espalha pelas rodovias, pelos aeroportos. Vamos chegar a 300 mil óbitos com uma rapidez impressionante. Podemos chegar a 500 mil na metade do ano, no meio do inverno.

Mesmo com a vacinação?

Mesmo com a vacinação, sem lockdown, dificilmente será possível reverter essa situação. Teríamos que vacinar 3 milhões de pessoas por dia por 60 dias, começando imediatamente. É altamente improvável. Enquanto isso, se tivermos 2 mil mortes por dia por 120 dias, teremos mais 240 mil mortes. É uma estimativa grosseira, só para ilustrar que chegaríamos a 500 mil mortes em meados de julho.

Como o senhor avalia esse pedido do presidente Jair Bolsonaro ao STF, de que só ele pode definir lockdown?

Esse documento vai rodar o mundo e vai servir como prova definitiva de que as intenções da Presidência não são voltadas ao bem maior da sociedade. E, quando um mandatário renuncia à sua obrigação máxima de proteger e salvar seus cidadãos, outros poderes da República têm que intervir. O presidente botou no papel o que o mundo inteiro já sabia, que ele quer fazer o oposto do necessário para evitar um genocídio no Brasil.

O senhor falou no Twitter que o colapso funerário começa em pequenas cidades.

Já começou. Vi um município de Pernambuco onde corpos estavam se acumulando num terreno baldio. Já temos registros de filas enormes em cartórios para registrar os óbitos, dificuldades de manejo de corpos nos hospitais, a Associação Brasileira de Funerárias recomendando que não deem férias aos funcionários, faltam urnas. Os sinais são claros. Não sei como alguém ainda não vê o tsunami que vai varrer o Brasil. Não vai mais ser só crise sanitária, começam a ter distúrbios sociais.

É o caso de uma mobilização internacional para ajudar o país?

O Brasil precisa de ajuda. Pedimos aos países amigos com excedente de vacinas, mas o que os governos desses países falam publicamente e reservadamente é que não tem um interlocutor. Não somos um país pária, somos um país radioativo. O Brasil não é um problema só dos brasileiros, é um problema do mundo. Se não controlarmos a pandemia, nossas fronteiras são porosas, as variantes daqui vão escapar, e o mundo sabe disso.

sexta-feira, 19 de março de 2021

"Nunca imaginei o nome do Brasil tão destruído no mundo", afirma Nicolelis



Colaboração para o UOL em São Paulo

O impacto internacional pela falta de combate real ao novo coronavírus danificou a imagem do Brasil no mundo de forma assustadora, diz o médico Miguel Nicolelis. Ao Baixo Clero, diz ter dificuldades de explicar a situação do país para estrangeiros.

Junto da apresentadora Carla Bigatto e dos colunistas Diogo Schelp e Maria Carolina Trevisan, o neurocientista ainda lamentou o impacto na política externa causado pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

"Nunca pensei que o nome do Brasil ia ser tão achincalhado, tão desmerecido, tão destruído, vaporizado internacionalmente quanto o que estamos vivendo", diz ele, que morou por anos nos Estados Unidos (veja a partir de 43:40 no vídeo acima).

O cientista define sentir uma "dor profunda" ao ter que falar com médicos ou jornalistas de outros países. Questionamentos o deixam com problemas nas respostas para não jogar a reputação do país fora.

"Do governo, tudo bem [jogar fora]. Os brasileiros que não têm essa convivência no exterior não têm a menor ideia do que estamos passando enquanto imagem de país", diz (ver a partir de 44:20 no vídeo acima).

Nicolelis vai além. "Certos países nem querem nos ajudar por não se sentirem à vontade de ajudar o governo brasileiro", afirma (ver a partir de 44:30 do vídeo acima).

Sem a ajuda internacional nesse momento, com compra de vacinas e cessão ou importação de de medicamentos, avalia como complexo de solucionar a pandemia.

Os podcasts do UOL estão disponíveis em uol.com.br/podcasts e em todas as plataformas de distribuição de áudio. Você pode ouvir Baixo Clero, por exemplo, no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts, Amazon Music e Youtube —neste último, também em vídeo.

sexta-feira, 12 de março de 2021

Nicolelis alerta para colapso funerário que contaminaria lençois freáticos e alimentos


Médico e neurocientista, Miguel Nicolelis diz que colapso funerário contaminaria lençois freáticos e alimentos. "Quando você tem um colapso desse nível não tem volta (...) Perdas econômicas pela falta do controle da pandemia vão ser muito maiores do que qualquer perda que o lockdown poderia criar", alerta.

#UOLDebate

domingo, 7 de março de 2021

Ruanda e Brasil: casos para o Tribunal Internacional


Em 1994, 500-600 mil pessoas foram mortas em Ruanda, na África.

Em 1 ano de pandemia,  266 mil brasileiros morreram de COVID19


Com uma média de 2000 mortos/ dia até julho de 2021

O BRASIL terá 500 MIL MORTOS 


Em ambos casos o único nome apropriado é o mesmo:

GENOCÍDIO!


No caso de Ruanda, 61 indivíduos,

Incluindo o Primeiro Ministro, Jean Kambanda,

Foram CONDENADOS por GENOCÍDIO

no Tribunal Internacional do Conselho de Segurança da ONU


O que a ONU fará com alguém que permitir qua uma variante 

mais letal do coronavírus se espalhe por todo mundo?


Miguel Nicolelis

quinta-feira, 4 de março de 2021

Brasil pode cruzar a marca de 3 mil mortes diárias por covid-19


Nicolelis: Brasil pode cruzar a marca de 3 mil mortes diárias por covid-19
 'Podemos ter a maior catástrofe humanitária do século 21 em nossas mãos'
Do UOL, em São Paulo

O médico e neurocientista Miguel Nicolelis disse que a possibilidade de o Brasil ultrapassar a marca de 3 mil mortes diárias por covid-19 nas próximas semanas passou a ser real. Ontem, o país teve o dia mais letal de toda a pandemia pelo segundo dia consecutivo e estabeleceu também a maior média móvel de mortes. Foram registrados 1.840 novos óbitos causados pela doença em 24 horas.

Em entrevista ao El País, questionado sobre o que esperar nas próximas semanas, Nicolelis disse que "vamos entrar numa situação de guerra explícita".
Nós podemos ter a maior catástrofe humanitária do século 21 em nossas mãos. A possibilidade de cruzar 2 mil óbitos diários nos próximos dias é absolutamente real. A possibilidade de cruzarmos 3 mil mortes diárias nas próximas semanas passou a ser real. Se você tiver 2 mil óbitos por dia em 90 dias, ou 3 mil óbitos por 90 dias, estamos falando de 180 mil a 270 mil pessoas mortas em três meses. Nós dobraríamos o número de óbitos. Isso já é um genocídio, só que ninguém ainda usou a palavra. O que são 250 mil mortes sendo que a vasta maioria poderia ter sido evitada? Miguel Nicolelis
O neurocientista disse ainda acreditar que São Paulo irá colapsar. Ontem, o governo anunciou que todo o estado vai entrar na fase vermelha, o mais restritivo do Plano São Paulo, por duas semanas a partir de sábado (6). Nesta fase, apenas serviços essenciais — como mercados e farmácias — ficam abertos, mas com capacidade reduzida.

"Acho que São Paulo vai colapsar. Campinas já colapsou. Rio Preto colapsou. Ribeirão Preto está no mesmo caminho. A cidade de São Paulo não vai aguentar. O Hospital Emilio Ribas já está 100% e com fila de espera. O Hospital das Clínicas, que tem um dos maiores números de leitos de UTI do Brasil, está com 80% de ocupação e vai colapsar", estimou.

Nicolelis defendeu um lockdown nacional de pelo menos 21 dias, com pagamento de auxílio para que as pessoas fiquem em casa. "Os governadores sabem que o Governo Federal não vai fazer nada, estão querendo empurrar a responsabilidade. Estou sugerindo desde de novembro de criar uma Comissão Nacional com a sociedade civil, governadores e Supremo, que precisa decretar uma tutela judicial no Ministério da Saúde. Uma intervenção. E essa Comissão Nacional ficaria responsável por tomar decisões e supervisionar toda a logística."

Questionado se a população acataria uma restrição tão dura, ele avaliou que os brasileiros nunca tiberam uma mensagem correta da gravidade da situação "porque não temos nenhum estadista no país".

"As pessoas estão falando de sucessão presidencial em 2022 quando o país está morrendo na pandemia. Faltou decisão política e visão estratégica. Faltou as pessoas eleitas pensarem não nos lobbys econômicos e políticos que as sustentam, mas nos cidadãos como prioridade. É preciso bancar uma decisão", argumenta.

O neurocientista ressaltou que as novas variantes do coronavírus são mais letais e perigosas, o que torna a situação mais crítica. "Temos no Brasil a reunião de todas as variantes, inclusive as nossas próprias. Essa é a bomba relógio."

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Não tem jeitinho numa guerra. Estamos diante de um desastre épico, incalculável, bíblico

'Há grande chance de um colapso nacional. A população precisa acordar para a dimensão da nossa tragédia', diz Miguel Nicolelis
Efeitos ‘sincronizadores’, como o carnaval, fizeram com que a alta de contágio abalasse todas as regiões, num efeito dominó, diz especialista

RIO — Desde dezembro, o médico, neurocientista e professor catedrático da Universidade de Duke (EUA) Miguel Nicolelis vê o colapso se aproximar no horizonte da pandemia. Alertou autoridades e orientou as medidas a serem tomadas, em especial um necessário lockdown. Na semana passada, deixou a coordenação do Comitê Científico do Consórcio Nordeste para a Covid-19.

O agravamento da pandemia da Covid-19 vem levando os sistemas hospitalares de diversos estados ao colapso, de Norte a Sul do país.

No dia em que o país registrou o pior número de mortos em 24 horas de toda a pandemia (foram 1.582 óbitos registrados em apenas um dia, com recorde também na média móvel de mortes, que ficou em 1.150), Nicolelis conversou com O GLOBO e defendeu a necessidade de um lockdown nacional por 21 dias.

Só isso, diz, pode evitar o colapso simultâneo da saúde (e depois funerário) em praticamente todo o país: “A população precisa acordar para a dimensão da nossa tragédia”.

O senhor deixou o Comitê Científico do Nordeste. A principal razão apontada pela imprensa foi a relutância dos governos em adotar o lockdown. É isso?

Saí porque fiz o que tinha que fazer, criei estrutura, implementei procedimentos, elaboramos todas as recomendações possíveis da ciência, e agora está tudo lá na mesa dos gestores. Avisamos em 18 de dezembro que a situação ia ficar crítica. Tudo o que foi pedido foi realizado, e o resultado foi melhor do que eu esperava, mas a gente quando é cientista sabe que chega a hora que fez o que podia fazer. Minha missão foi cumprida, deixei minha vida de lado para achar as melhores formas de combater a pandemia no Brasil.

O senhor disse que São Paulo é a próxima peça no dominó a cair. Como avalia as situações dos estados brasileiros?

Santa Catarina anunciou que colapsou, o Rio Grande do Sul está dramático, o triângulo mineiro colapsou. Belo Horizonte teve dois lockdowns que provocaram queda importante nas internações e mortes, mas o sul do estado, não. Sabe aquele jogo de dominó em quem uma peça cai depois da outra? Foi a metáfora que usei.

Existem preocupações na região Norte, Rondônia já foi, Mato Grosso, o próprio Distrito Federal, São Paulo tem menos de três semanas de reservas de leitos de UTI — o que, para a cidade que é a capital de medicina brasileira, é assustador. Ultrapassamos o recorde de internações. No Estado do Rio, a letalidade é recorde no Brasil. O Nordeste ficou com o menor índice de óbitos por 100 mil nos primeiros 11 meses, mesmo assim o crescimento ainda é o menor, numa região com menos médicos do que a média nacional, menos infraestrutura. Esperava-se que o colapso ficasse restrito à região Norte. É surpreendente que o Sudeste tenha se saído tão mal.

Ou seja, o colapso está ocorrendo de Norte a Sul. Como chegamos a essa situação?

Diferentemente da primeira onda, quando foi cada estado num tempo, surgiram efeitos sincronizadores como eleição, festas de fim de ano, carnaval. Agora, tudo está explodindo ao mesmo tempo. Isso significa que não não tem medicação, não tem como intubar, não vai dar para transferir de uma cidade para outra, não vai ter como transferir para lugar nenhum. A consequência do colapso de saúde é o colapso funerário. Cientistas não olham só o presente, mas olham o futuro, enquanto o político está pensando no hoje, em como resistir à pressão do setor X para não fechar, a despeito das mortes.

Como vê esse futuro?

Eu estou vendo a grande chance de um colapso nacional. Não é que todo canto vá colapsar, mas boa parte das capitais pode colapsar ao mesmo tempo, nunca estivemos perto disso. Se eliminar o genocídio indígena e a escravidão, é a maior tragédia do Brasil. A ausência de comando do governo federal é danosa. Isso é uma guerra. Em outros países essa é a mensagem que foi dada, veja a China. É curioso ver que no mundo ocidental exista dificuldade de transmitir essa mensagem da gravidade. Em Israel, metade da população foi vacinada no meio de um lockdown, e Israel é um país que entende o que é uma guerra. Adotaram discurso de salvação nacional, a mobilização foi total.

Além da falta de gestão, a população também deixou de se mobilizar?

Eu tenho me perguntado muito: qual é o valor da vida no Brasil? Que valor os políticos dão para a vida do cidadão se não fecham as atividades num lugar com 100% de ocupação dos leitos? Ter que preservar a economia é não só uma falsidade econômica como demonstra completa falta de empatia com a vida das pessoas. O que mais me assusta é o pouco valor à vida. Os políticos são o primeiro componente, mas a sociedade também. Porque, quando alguém vai a uma festa clandestina de fim de ano, de carnaval, se aglomera numa balada ou à beira do campo de futebol, não compromete só sua saúde, mas a vida dos seus familiares, seus vizinhos e das pessoas que nem conhece. Nossa sociedade em algum momento perdeu a conexão com o quão irreparável é a vida.

O pessoal fala que daqui a um ano vai estar tudo certo, em 2022 vai ter carnaval. Do jeito que a carruagem está andando, a perda de vidas pode chegar ao dobro daqui a um ano. E tudo isso num país que tem um sistema de saúde conhecido no mundo, capilarizado, que tem tradição de campanhas de vacinação. Ninguém esperava que o Brasil fosse ter uma performance tão baixa. Poderíamos estar vacinando 10 milhões, mais do que qualquer país. É como uma tragédia grega, mas é brasileira, que alguém vai contar um dia. Porque ela é épica, como a derrota dos troianos.

O lockdown é a resposta?

O Brasil precisaria de um lockdown nacional, com uma campanha de comunicação, porque a gente precisa da colaboração da população. A população precisa acordar para a dimensão da nossa tragédia. Nessa altura, essas medidas de restrição de horário não têm efeito, porque o grau de espalhamento é tão enorme que se compensa durante o dia, quando as pessoas vão aos restaurantes, shoppings, pegam transporte lotado, não funciona.

A consequência da perda de meio milhão de pessoas não dá nem para imaginar. Sem gente não tem economia, ninguém produz, ninguém consome. É inconcebível.

É possível impedir essa catástrofe?

Tem saída, mas tem que mudar tudo. Ainda dá tempo de reverter. Estou propondo a criação de uma comissão de salvação nacional, sem Ministério da Saúde, organizado pelos governadores, para resolver a logística. É uma guerra, quando vamos bater de frente com o inimigo de verdade? O Brasil é o maior laboratório a céu aberto para ver o que acontece com o vírus correndo solto. Em segundo lugar, um lockdown imediato, nacional, de 21 dias, com barreiras sanitárias nas estradas, aeroportos fechados. E depois ampliar a cobertura, usando múltiplas vacinas. Não dá para ficar discutindo, assina o contrato e vai em frente, deixa para depois, estamos falando da vida de 1.500 pessoas por dia, são 5 boeings caindo. Vacinação, vacinação, vacinação, testagem e isolamento social. Não tem jeitinho numa guerra. Estamos diante de um prejuízo épico, incalculável, bíblico.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Brasil será o primeiro país do mundo a sofrer um “apagão sanitário” em escala nacional


Secretário da Saúde de Santa Catarina confirma colapso da saúde em todo estado. Tragicamente, esta realidade estava prevista desde final de 2020.

São Paulo pode ser o próximo dominó a cair nesta reação em cadeia de colapsos sanitários que vão ocorrer por todo Brasil. Seremos o primeiro país do mundo a sofrer um “apagão sanitário” a nível nacional. 

Tristes trópicos, voltamos a ser.

Miguel Nicolelis



quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O Brasil

No Brasil se celebra o fracasso alheio, a derrota esmagadora do “inimigo”. Se celebra a execução, mesmo que ela seja virtual ou simulada, e a derrota do time do outro; a “eliminação no paredão ”. No Brasil se solta rojão qndo alguém desaba e fica estatelado na calçada da vida, sem ar.

Miguel Nicolelis

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Resumo da situação atual


O Brasil precisa criar uma Comissão de Salvação Nacional para ontem. Passamos de todos limites aceitáveis de estupidez. Estamos correndo o risco de entrar em colapso sanitário, social e econômico em 2021. O Brasil está na UTI e o diagnóstico é falência terminal de múltiplos órgãos.

Acabou. A equação brasileira é a seguinte:

Ou o pais entra  num lockdown nacional imediatamente, ou não daremos conta de enterrar os nossos mortos em 2021.

Miguel Nicolelis

domingo, 25 de outubro de 2020

O pior ainda está por vir



Miguel Nicolelis

Para quem não consegue viver com os dados:

Mortalidade por 100 mil habitantes:

Dinamarca = 12

Finlândia = 6

Suécia = 58

Brasil = 74.9

Argentina = 64


Levando-se em conta que San Marino e Andorra não são exatamente países, temos Peru, Bélgica, Bolívia e Brasil e Espanha como os cinco países mais afetados. Também é oportuno lembrar que Peru, Bolívia e Brasil continuam com alto número de mortes diárias e a Espanha já entrou na segunda onda e começa a ter números assustadores de novo.

A Argentina deve se juntar aos piores do mundo brevemente e EUA, México, Equador e Chile são tragédias em andamento sem nenhuma perspectiva de melhora. O pior está por vir.


domingo, 16 de agosto de 2020

Neurocientista brasileiro cria teoria que coloca o cérebro humano no centro do universo


Miguel Nicolelis: 'A ciência, como qualquer abstração da mente humana, tem limites' 

André Cáceres


“Cogito, ergo sum.” Comumente traduzida como “Penso, logo existo”, a proposição do filósofo René Descartes em seu Discurso do Método pode ganhar uma conotação científica graças ao novo livro do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. Em O Verdadeiro Criador de Tudo, o pesquisador compila quatro décadas de investigações laboratoriais e acadêmicas, e passa por áreas do conhecimento como arte, filosofia, matemática, física, linguística e história para formular uma teoria que coloca o cérebro humano em primeiro plano para explicar nossa realidade.

A metade inicial do livro é dedicada à exposição de alguns resultados empíricos obtidos por Nicolelis, seus colegas de laboratório e outros cientistas pelo mundo. Entre os experimentos, há por exemplo um teste em que ratos foram capazes de detectar luz infravermelha quase como um novo sentido, demonstrando a plasticidade cerebral, capacidade que o cérebro tem de se modificar e adaptar a novas circunstâncias. Há também o caso clássico de pacientes que perderam um membro e continuam a senti-lo, ou que sentem um toque feito em uma mão falsa como se fosse em sua própria mão. Já em outro teste, grupos de três chimpanzés conseguiram sincronizar seus cérebros para controlar, juntos, os movimentos de um braço mecânico, comprovando a existência de uma rede cerebral, chamada pelo autor de Brainet.

“Basicamente, uma Brainet é um computador orgânico distribuído composto de múltiplos cérebros individuais, que se sincronizam – no domínio analógico – por um sinal externo, como luz, som, linguagem, química, ondas de rádio ou eletromagnéticas, e é capaz de produzir comportamentos sociais emergentes”, explica o autor.

Embora pareçam desconectadas entre si, as experiências relatadas no início do livro introduzem conceitos neurofisiológicos essenciais para se compreender o que a Teoria do Cérebro Relativístico de Nicolelis propõe. Por exemplo, a ideia de que existem dois tipos de informação: a shannoniana (que vem do matemático Claude Shannon, tido como criador da teoria da informação), que é computável, transmissível em padrões de zeros e uns, e armazenável em bits e bytes, como a linguagem humana ou a matemática; e a informação godeliana (que vem do matemático Kurt Gödel), que é analógica, não digital, e se acumula nos tecidos orgânicos de modo que não pode ser computável.

“Eu sempre uso o exemplo da beleza. Cada um de nós tem uma definição própria da beleza”, explica Nicolelis em entrevista ao Estadão. “Ao se acumular de forma godeliana, literalmente no tecido neural, ela se torna única para cada um de nós, e não é transmissível por informação shannoniana, por meio de bits e bytes.”

No livro, Nicolelis mostra como a arte rupestre foi o início dessa revolução comunicacional que permitiu à humanidade transmitir informação de uma forma inédita na evolução dos organismos. “De acordo com o pensamento do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, os magdalenianos inauguraram a tradição humana de mostrar com as mãos aquilo que não podia ser dito com voz. Usando os termos da teoria do cérebro relativístico, os nossos ancestrais do Paleolítico Superior usaram a pintura em vez da fala para melhor retratar as manifestações mentais da informação gödeliana de alta dimensão, coisas como emoções, abstrações, pensamentos, que não podem ser descritas de forma completa por canais que transmitem informação shannoniana de baixa dimensão, por exemplo, a linguagem.”

Partindo desses pressupostos, Nicolelis mostra como as instituições humanas são, na verdade, abstrações mentais, produtos dessas redes de cérebros interconectados que viabilizam a vida em sociedade. Até mesmo a ciência e as descrições matemáticas do universo, para o neurocientista, se encaixam nessa categoria. “Como a ciência foi criada pela mente humana, como qualquer outra abstração mental para explicar o universo ou gerir a vida, ela tem limites pela própria biologia da nossa mente. Até quando um físico opta por um modelo matemático, ele toma uma decisão subjetiva. Existe uma estética científica e, em muitos casos, ela define quais teorias vão triunfar”, acredita ele.

Para Nicolelis, por mais que se tente tornar a ciência puramente racional e objetiva, há limites para esse método. Para ele, o princípio da incerteza de Heisenberg, o teorema da incompletude de Gödel e a aleatoriedade de números randômicos evidenciam “pontos cegos do cérebro”, e não problemas nas teorias que explicam o universo. “Alguns limites nós não vamos conseguir ultrapassar, determinados pela forma como nosso cérebro é moldado, e eles são intransponíveis”, afirma o autor. “Esses mistérios foram identificados por grandes gênios e, se você analisar todos em conjunto, consegue delimitar o que nosso cérebro é capaz de compreender.”

Por isso, a tese de Nicolelis é que nosso cérebro de fato fabrica continuamente o que nós compreendemos como realidade, até mesmo o tempo e o espaço – algo que o físico e divulgador científico italiano Carlo Rovelli também defende em seu livro A Ordem do Tempo. “As estrelas não celebram aniversário, os meteoros não contam quantas voltas eles deram no Sistema Solar. A noção de tempo é uma construção mental aproveitando-se das voltas da Lua, da Terra. Nas reações químicas, nos fenômenos termodinâmicos, há a matéria prima para o conceito do tempo, mas é preciso o intérprete para criar esse conceito. Já o espaço é um conceito referencial, não existe enquanto entidade física, apenas como algo que separa os objetos. O cérebro preenche as lacunas para criar um senso de realidade que faça sentido para nós”, explica o Nicolelis.

Após apresentar sua tese principal, o livro passa para questões mais práticas, mostrando preocupação com a maneira como os cérebros interagem – e são modificados por – aparelhos eletrônicos nos tempos atuais. “Toda tecnologia na história da humanidade moldou o cérebro de alguma maneira. A escrita, a criação de livros, meios de comunicação... Mas, nesse momento, o bombardeio digital está envolvido em tantos aspectos da vida que esse processo está amplificado e tem o poder de alterar nossa lógica do cérebro, que é primariamente analógica, embora tenha componentes digitais. Essa inundação digital está contribuindo para uma série de modificações fundamentais na arquitetura e no comportamento do cérebro. Não é à toa que as redes sociais criaram uma redução dramática na empatia humana.”

A teoria de Nicolelis talvez seja a culminação do processo descrito pelo brasileiro Fernando Vidal e pelo argentino Francisco Ortega no livro Somos Nosso Cérebro?, lançado agora pela editora N-1. A obra traça um panorama histórico da noção neurocêntrica da subjetividade, desde Hipócrates até a neurociência moderna, passando por obras de John Locke e Descartes, para mostrar como a ciência vem passando por um “neurocentrismo”, que traz para o centro de tudo o cérebro. Isso não se limita à biologia, mas rege questões práticas como a discussão ética por trás do transplante de órgãos, do aborto e da eutanásia.

Embora tenha sido publicada originalmente no exterior em 2017, a obra oferece um interessante contraponto à teoria de Nicolelis, fornecendo uma visão crítica à ideia de que tudo se resuma ao cérebro, questionando inclusive a metodologia de captura de imagens por ressonância magnética, que catapultou a neurociência nas últimas décadas.

“Todos ouvimos com demasiada frequência que o cérebro é o objeto mais complexo do universo e que a coisa mais importante que aprendemos sobre esse órgão é o quão pouco sabemos sobre ele. Além de atender bem a interesses profissionais, a combinação do ‘conhece a ti mesmo’ délfico e do ‘só sei que nada sei’ socrático convenceu muitos de que o mundo não é totalmente desencantado e os levou a juntar-se ao coro. No final das contas, e além das questões limitadas com que lidamos aqui, a ideologia que nos diz que somos essencialmente nossos cérebros alega fornecer respostas para diversas perguntas eternas sobre a natureza humana e o destino humano”, escrevem Vidal e Ortega. “Ao contrário do que os neurocientistas costumam afirmar ou insinuar, a convicção de que “somos nossos cérebros” não é corolário de avanços neurocientíficos nem um fato empírico. Em vez disso, é uma posição, filosófica ou metafísica, mesmo que alguns aleguem ser determinada pela ciência, que depende de pontos de vista sobre o que é ser uma pessoa humana.”

A despeito das possíveis críticas – às quais Nicolelis não foge, inclusive comentando quais seriam os pontos críticos que poderiam, se desprovados, pôr em xeque a teoria –, O Verdadeiro Criador de Tudo oferece uma visão extremamente original para problemas das ciências exatas, humanas e biológicas por meio de grande erudição e décadas de experimentação empírica. Ainda que sob o risco de flertar com um reducionismo determinista proveniente da noção de que somos nossos cérebros e nada além.

domingo, 12 de julho de 2020

Cientista Miguel Nicolelis critica duramente a reabertura no País

Miguel Nicolelis: é prematuro chamar situação da pandemia no Brasil de "platô"

Brasil 247
"Podemos ficar nesse nível de mortes diárias por muito tempo", afirma o cientista Miguel Nicolelis, que critica duramente a reabertura no País. "Estamos pulando no abismo de mãos dadas". 
O cientista Miguel Nicolelis, coordenador do Comitê Científico do Nordeste, fez uma análise completa do estágio da pandemia do novo coronavírus no Brasil em entrevista à TV 247 e alertou: “o pior ainda não passou”.

“É importante que as pessoas entendam que o vírus está circulando, está circulando como nunca circulou no Brasil. Essa é uma bifurcação histórica do Brasil onde vamos ter que decidir que tipo de País nós queremos ter. Não há mais como esperar. A sensação que eu tenho é que o Brasil está se comportando como um adolescente. Não dá mais para ser um País adolescente, é preciso rapidamente virar um País adulto. Estamos em uma pandemia global, temos mais de meio milhão de mortos no mundo, a possibilidade de chegarmos a um milhão de mortos antes do final do ano é absolutamente real. A possibilidade de o Brasil dobrar o número de óbitos que temos no País nas próximas quatro ou seis semanas é absolutamente real”.

Ele refutou a ideia de que o avanço do coronavírus no País tenha se estabilizado - o chamado 'platô' - e ainda afirmou que é possível que o Brasil se mantenha nos altíssimos números de contágio e óbito atuais por muito tempo. “Acho prematuro chamar isso de platô ou chamar isso de estabilização porque nós podemos ficar nesse nível de casos diários e de mortes diárias por muito tempo. Mesmo que a gente tenha um platô, vamos supor por uma semana, ninguém garante que isso é estável”.

Sobre o estado e a cidade de São Paulo, que vem deixando o isolamento social cada dia mais, Nicolelis explicou que não se pode acreditar em um isolamento pela metade na região. “Quando você tem fluxos rodoviários contínuos com 38 cidades da Grande São Paulo e você não fecha isso, se São Paulo abre o resto está semifechado, São Paulo vai receber esse fluxo. A Grande São Paulo é uma entidade dinâmica hiperconectada, você consegue fechar a Grande São Paulo fechando uma cidade, ou duas, ou três, são 38 cidades se não me engano. Vamos supor que você feche 37, mas você deixa a cidade de São Paulo aberta: essa cidade de São Paulo vai mandar pacientes pelas rodovias para todos os lugares. Não tem cabimento nenhum abrir São Paulo, não faz o menor sentido”.

Ele disse também que, a exemplo de outros países, o lockdown tem de ser levado a sério e aplicado com firmeza. Caso contrário, o fechamento apenas prolonga a crise. “Não dá para fazer lockdown meia boca, porque senão vamos ficar nessa situação por meses. A Itália errou no começo, mas quando ela entrou, ela entrou. A Itália abriu. A mesma coisa a França, Espanha. Alemanha, que foi o melhor manejo na Europa junto com a Grécia, fez direitinho, foi nas casas, testou. Bom, semana passada ou retrasada apareceu um foco nos frigoríficos e fechou de novo, eles não exitaram porque entendem a dinâmica do vírus”.

O cientista e professor universitário também criticou a volta às aulas neste momento, dizendo inclusive que não mandaria seus filhos à escola. Ele criticou ainda a volta do futebol e colocou em xeque as eleições municipais de 2020.

“Em relação à escola, isso é uma obsessão mundial, é uma coisa de louco, eu não me conformo. Eu não consigo pensar qual é o drama de não mandar as crianças para a escola, eu não mandaria meus filhos nesse momento para escola nenhuma, eu não mandaria para lugar nenhum nesse instante em lugar nenhum do planeta. É a mesma coisa do futebol. Por que o País precisa de futebol nesse momento? Qual é a necessidade de jogar bola nesse momento? O Brasil precisa parar para pensar se realmente dá para ter eleição esse ano".

Sobre a hidroxicloroquina, que voltou à pauta depois de Jair Bolsoanro dizer que foi infectado pelo coronavírus e que está fazendo uso da medicação, Miguel Nicolelis disse mais uma vez que o remédio não tem nenhuma eficácia comprovada no tratamento da Covid-19, assim como qualquer outra medicação. “A cloroquina, basicamente, se a pá de cal já não foi posta nesta altura eu já não sei mais o que pode ser feito para pôr a pá de cal. Neste momento não tem nenhuma droga que trate o coronavírus. Eu não daria para mim e nem para nenhum membro da minha família nenhum desses remédios que fazem propagandas”.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

País vive a maior tragédia de sua história, diz Nicolelis


O UOL Entrevista conversa ao vivo com o médico e neurocientista Miguel Nicolelis, coordenador da Comissão Científica do Consórcio Nordeste, responsável pelo projeto Monitora Covid-19, aplicativo que orienta e informa a população sobre a doença em tempo real.  
A conversa, conduzida pelos jornalistas Leonardo Sakamoto e Carlos Madeiro.

Erros cometidos pelo Brasil na pandemia são históricos, diz Nicolelis

Do UOL, em São Paulo

O médico e neurocientista Miguel Nicolelis disse que a quantidade de erros que o Brasil cometeu no combate à pandemia do novo coronavírus vai "entrar para a história" e que os números de casos e óbitos registrados, apesar da subnotificação, já demonstram que o país vive a maior tragédia de sua história.

"A quantidade de erros é um caso histórico. Vai entrar para a história, vai haver uma descrição do grande fracasso do governo federal em lidar com a maior crise sanitária. Eu ouso dizer que esse evento vai entrar como a maior guerra da história do Brasil porque é uma guerra biológica e as pessoas não se deram conta", afirmou em entrevista ao UOL.

"O Brasil não pode ser analisado, essa questão da pandemia é multidimensional. Ela envolve diversos fatores erros crasso, eu estou falando, a gente vai contar essa história daqui a 50 anos e os erros crassos vão ser tão claros que as pessoas vão ler o livro e dizer 'eu não acredito nisso aqui", acrescentou.

Para Nicolelis, não houve qualquer reação ou planejamento do governo federal e faltou uma mensagem coerente e unificada que mostrasse a importância do isolamento social, considerado pela comunidade científica como o método mais eficaz no combate à pandemia.

"Não há sistema hospitalar no mundo que dê conta da capacidade de reprodução desse vírus. Então, como não levamos a sério desde janeiro, não ajudamos estados e municípios do ponto de vista de um governo unificado, não criamos testagem eficiente em todo Brasil, não criamos equipamentos necessário e não tiramos vantagem do sistema de saúde, dos agentes de saúde que deveriam ser a primeira linha de defesa", afirmou.

sábado, 16 de maio de 2020

Miguel Nicolelis: "Vamos viver algo que nunca imaginamos na história do Brasil."



Miguel Nicolelis: "Vamos viver algo que nunca imaginamos na história do Brasil. E isso, nas proporções que vamos ver, não era inevitável"
À frente do projeto Monitora Covid-19, um dos principais cientistas brasileiros avalia o avanço do coronavírus e comenta as estratégias adotadas, no Rio Grande do Sul, no Brasil e em outros países

Referência mundial na área de neurociência, o médico brasileiro Miguel Nicolelis vive na Carolina do Norte (EUA), onde lidera um grupo de pesquisadores do campo de fisiologia de órgãos e sistemas do corpo humano na Universidade Duke. Mas não em tempos de pandemia. Desde que o novo coronavírus chegou, ele se instalou em São Paulo para coordenar o Monitora Covid-19, um grande projeto no qual a própria população compartilha seu estado de saúde (por meio de um aplicativo no celular) e, no caso de haver sintomas da doença, recebe atendimento médico – remoto e, se for o caso, presencial. O sistema começou a ser implantado nos nove Estados atendidos pelo Consórcio Nordeste – cuja comissão científica também é liderada por Nicolelis. Mas já está disponível em todo o país. E é, defende o neurocientista, uma ferramenta importante para conter o avanço do vírus. Até porque, como ele diz na entrevista a seguir – na qual explica a estratégia que julga mais adequada para esse trabalho –, “vamos viver algo que nunca imaginamos na história do Brasil”.

O Monitora Covid-19 surgiu no Nordeste, mas já se expandiu para o Brasil todo. Alguma chance de se tornar oficial, em parceria com o governo, ou, ao menos, termos algo semelhante no país todo?

Nós abrimos o aplicativo para o Brasil inteiro no dia 7, e nos dias seguintes conseguimos solucionar problemas técnicos. Neste momento, já estamos analisando dados de usuários de todo o país, o que nos tem permitido oferecer relatórios sobre qualquer região. Basta as autoridades nos procurarem que estamos dispostos a colaborar. Nosso esforço começou no Nordeste, mas evidentemente a luta é muito maior do que isso e a possibilidade de conhecimento do vírus que um projeto desses oferece é imensa, pois se trata de uma luta também de informação, de validação científica das descobertas que fazemos sobre a doença.

Fala-se muito que a testar a população é primordial, e esse é um problema, pois não temos conseguido fazer isso de maneira tão ampla. Como essas informações podem ser usadas em consonância com a testagem?

Nosso plano é trabalhar monitoramento e testagem em conjunto. No Nordeste estamos preparando grupos de enfermeiros e médicos, as Brigadas Emergenciais, para irem até os locais onde descobrirmos que se faz mais necessário nos fazermos presentes. A ideia é realizar testes rápidos e diagnósticos mais completos e detalhados de ruas, bairros, cidades, regiões, batendo de casa em casa mesmo onde o monitoramento nos indicar que a situação é mais crítica. E aí, é claro, indicarmos para cada pessoa se ela deve ficar isolada, se deve ir a um hospital, enfim, o que for adequado no seu caso. A estratégia tem esses dois lados que se complementam: ter dados mais confiáveis dos contaminados, já que a subnotificação é muito grande, e atuar diretamente nos locais onde estão essas pessoas com o vírus. É claro que, além disso, os gestores políticos e de saúde podem elaborar suas políticas de longo prazo de posse dessas informações, e é por isso que estamos abertos a colaborar com autoridades de todo o país.

O senhor pode explicar melhor como as informações obtidas podem ser usadas?

Nos gráficos do projeto vemos claramente onde os casos aumentam, onde eles desapareceram, quais são os movimentos que o vírus faz, tanto na curva do número de casos quanto na migração entre regiões. As definições sobre o isolamento podem ser feitas a partir disso.

Quais são as indicações de momento?

Tudo o que temos descoberto neste momento leva a uma conclusão principal: precisamos ampliar o isolamento no Brasil.

Por que, então, gestores estão começando a afrouxar o isolamento?

Acho que é porque alguns gestores não estão se dando conta do que isso vai significar, ou seja, uma explosão de casos. Basta nos compararmos com a Itália: algumas autoridades, como o prefeito de Milão, fizeram troça, dizendo que eram mais fortes do que o vírus, e veja o que aconteceu; foi o distanciamento social adotado depois que permitiu o controle da expansão da epidemia. No Brasil, começamos mais cedo o isolamento, o que é bom. Os registros da doença aumentaram com o afrouxamento e com a interiorização do vírus. Significa dizer que ele foi alcançando locais em que as pessoas não estão mais tão isoladas. E isso em todo o Brasil. Alguns Estados, como Rio de Janeiro, São Paulo e os do Norte e Nordeste, viram esse fenômeno antes. Mas, pelo que visualizamos pelos movimentos de deslocamento (do vírus), a tendência é um aumento também no Sul.

O que vocês puderam descobrir sobre como se dá esse deslocamento do vírus?

Conseguimos ver claramente a migração dos casos: a covid-19 chegou por voos internacionais e adentrou nossas fronteiras, instalando-se nas grandes cidades, primeiro nos bairros de classe média-alta, e dali se espalhou por meio dos entroncamentos rodoviários. A imagem, no mapa do Brasil, é a de uma guerra: há invasão pela costa rumo aos centros maiores para, a partir deles, ocupar de todo o território. É como se estivéssemos sendo invadidos. E, pelos nossos mapas de análise de risco, incluindo o da Região Sul, fica claro que, uma vez dentro do país, o vírus se espalha pelas vias rodoviárias. Há registros muitos fortes, por exemplo, de Feira de Santana (BA), local de entroncamento rodoviário. A conexão São Paulo-Campinas é marcante para levar o vírus, e o mesmo deve ocorrer entre Porto Alegre e Novo Hamburgo e Porto Alegre e Caxias do Sul. Essas vias que levam e trazem muita gente são as vias pelas quais o vírus se espalha.

O Rio Grande do Sul adotou medidas de afrouxamento levando em conta particularidades regionais. Respeitar cada contexto regional pode ser um caminho?
Não conheço tão detalhadamente o Estado, mas eu diria que, pela experiência do Monitora Covid-19, isso não funciona. Justamente por conta das idas e vindas rodoviárias. Precisamos lidar com a pandemia considerando os super-spreaders (“superespalhadores”). Há as pessoas que são super-spreaders e também os locais, como fábricas, lojas etc., e as cidades super-spreaders. Supermercados podem estar nessa categoria.

Frigoríficos também? Há alguns com esse indício no Rio Grande do Sul.

Sim, sem dúvida. Ainda estamos estudando esse vírus, mas nos Estados Unidos algumas regiões também reportam frigoríficos como super-spreaders. Na minha região, que é a Carolina do Norte, é assim: há vários frigoríficos interditados. Meus filhos estão me relatando que já falta carne por conta disso, inclusive. No caso das cidades, as super-spreaders são aquelas que servem de passagem para muita gente, caso, por exemplo, da região de Novo Hamburgo, entre Porto Alegre e a Serra. Então não adianta você adotar um tipo de medida para uma cidade com poucos casos se ela é atravessada por muitas pessoas. Você não vai frear o avanço do vírus, pelo contrário, pode inclusive, sendo permissivo com o vaivém de gente, colaborar para que ele se espalhe.

O que se deve fazer?

Os melhores exemplos que temos são os das experiências de alguns países do Oriente, como a Coreia do Sul, e de outros na Europa, sobretudo a Alemanha. Foram esses dois países que melhor fizeram o isolamento das pessoas e dos locais que são considerados super-spreaders. Nos mapas que temos feito, há as regiões que concentram mais casos e a partir das quais o vírus se espalhou. E há aquelas onde ainda há muito pouca incidência da doença. É nessas que as Brigadas Emergenciais têm de ir. É uma estratégia de guerra, mesmo: você domina um território, finca sua bandeira nele e dali tenta se espalhar, tomando os territórios vizinhos. Infelizmente perdemos muitas regiões, já, mas há outras que dá tempo de resguardarmos.

Já há um consenso entre os estudiosos de que há subnotificação. Segundo pesquisa da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), podemos ter quase 10 vezes mais casos do que o registrado. Outro dado, esse da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz): 73% das mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave são provavelmente casos de covid-19 não notificados. Em que medida esse disparate entre os números oficiais e os reais é prejudicial?

Há estudos que indicam que a subnotificação pode ser de 16 vezes em algumas regiões, embora, de fato, os indícios que temos da maior parte do Brasil são de que devem ficar entre 10 e 12 vezes. Esse dado da Fiocruz é o que usamos: assumimos que 73% das mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave são casos de covid-19, ou melhor, casos extras. Assim, conseguimos minimizar a subnotificação. Mas o problema persiste, porque a subnotificação pode não ser constante ao longo do tempo, pode variar dependendo da região, enfim, há uma série de variantes que não são contempladas mesmo que a gente considere um número de casos subnotificados. A curva não muda, mas algumas especificidades dela se perdem. E tudo faz a diferença. Houve um dia em que o Ministério da Saúde disse que errou a digitação, alterando um número de mortos registrados em 24 horas (em 20 de abril). Isso é inacreditável. E coloca dúvidas sobre o que é divulgado. Agora os registros têm caído no fim de semana. Como não acredito que os servidores estão folgando, só posso crer que há ainda mais subnotificação. Ou seja, a subnotificação pode mudar de um dia para o outro. É um problema, toda a modelagem matemática, qualquer criação de cenários, tudo fica mais difícil de ser feito.

O quanto a crise política em Brasília, com trocas de ministros em pastas como a da Saúde, afeta a luta contra o vírus?

Muito. E o problema não é uma questão de direita ou esquerda. Veja a Alemanha. Sua líder (Angela Merkel) é conservadora. Ninguém pode chamá-la de progressista. Mas, quando ela viu o problema, chamou os cientistas dos principais centros de pesquisa da Europa, incluindo o Robert Koch Institute, e os transformou em pessoas muito próximas. O virulogista do Robert Koch Institute disse em entrevista que vai dormir falando com Merkel e acorda com ligação dela, todos os dias. Ele virou quase o cara que decide a política alemã, neste momento. E o país foi um dos que deram a melhor resposta contra o vírus, ao menos nesta primeira fase.

Há mesmo uma segunda fase de avanço do vírus? Algum país já chegou nela?

Há, sim. E costuma ser pior. Esse é um medo. Em países mais isolados fica mais claro o que é primeira e o que é segunda onda, mas, nas grandes nações, como Brasil, China e Estados Unidos, as coisas são mais incontroláveis – justamente pela maneira como as pessoas se deslocam dentro de seus territórios. São esses países que precisariam ter comandos uniformes, presidentes engajados na luta contra o vírus. Se você não tem um comando central que diz claramente o que se deve fazer, baseado em dados científicos, fica muito difícil. Não tem como. É como ir para uma guerra sem um general. A derrota é só uma questão de tempo.

O Brasil será mesmo o epicentro da doença, como o senhor já chegou a prever?

O Brasil já está assumindo esse posto. Hoje dividimos esse papel com os Estados Unidos, dois países de dimensões continentais que têm líderes que não souberam lidar com a crise, Trump no início e Bolsonaro ao longo de todo o tempo. Esse nosso patamar de mil mortes por dia vai aumentar. O Brasil ainda vai bater muitos recordes nesta pandemia, no mínimo por duas ou três semanas. Vamos alcançar números muito altos, vamos viver algo que nunca imaginamos na história do Brasil. E isso, nas proporções que vamos ver, não era inevitável. Mesmo regiões que estão sofrendo menos, como o Sul, vão sofrer bastante, de maneira que nunca imaginaram.

Pesquisadores dizem que a pandemia chegou em um momento de retração mundial no investimento em ciência e saúde pública. O quanto isso é verdade?

Isso é muito verdade. Trata-se de um fenômeno mundial. Mas o Brasil vive isso com maior gravidade. A ciência no Brasil já estava em estado terminal. Quando comento com colegas de outros países que houve corte de verba de mais de 40%, ninguém acredita. Mas o drama é mundial, e inclui Estados Unidos e Europa. O sistema público de saúde do Reino Unido, que já foi o melhor do mundo, não está mais nem perto disso devido aos cortes orçamentários. Os britânicos tinham orgulho dele. Foi necessária uma crise sanitária desse tamanho para que se dessem conta do que havia acontecido. Trump desmontou a equipe de detecção e prevenção a pandemias dos Estados Unidos. Logo agora! A lição universal da covid-19 é que ciência e saúde pública têm de ser prioridade.

Como vamos absorver essa e outras lições da pandemia? Já dá para pensar nisso?

Olha, nos Estados Unidos, particularmente, estou curioso. O que está acontecendo lá é demolidor de um certo estado de espírito coletivo que eles têm. Nunca foram invadidos, têm essa ideia de soberania, sentem-se invencíveis. Desde a Guerra Civil, no século 19, não vivem batalhas em seu território. O 11 de Setembro (de 2001) foi traumático também por isso. Imagina agora, em que o número de óbitos se multiplicou.

Na área da saúde, os governos investem em pesquisa até certo ponto. Quando se fala de vacina, por exemplo, chega um momento em que é a indústria farmacêutica que precisa seguir investindo para que as pesquisas prossigam. Ou seja, se o mercado não se interessa, uma vacina fica para trás, como foi o caso da sars, há quase duas décadas. Isso não poderia ser repensado?

Sem dúvida. Essa é outra lição. O Estado russo, por exemplo, assumiu para si a ideia de desenvolver uma vacina, com o governo investindo muito dinheiro nisso. E a mesma coisa deve acontecer com a China. As prioridades da indústria farmacêutica podem não ser as mesmas da saúde pública – também foi preciso uma pandemia para nos darmos conta disso. Em momentos como este, o ideal seria que tivéssemos um grande consórcio de nações para desenvolvermos uma única vacina. Se não, como vai ficar? Um país vai ter, os outros, não? E o que tiver se isolará? Como vacinar todo mundo? A pandemia vai alterar toda a geopolítica mundial, e o ponto inicial dessa mudança é a batalha pela vacina. A Organização das Nações Unidas (ONU) deveria tomar a frente disso, porque, do jeito que está, sabe-se lá o que acontecerá.

Aproveitando a experiência de quem vive há 32 anos no Exterior: como está a imagem do Brasil lá fora neste momento de pandemia?

Horrível. Talvez quem esteja no Brasil não tenha a exata noção, mas a imagem do Brasil lá fora foi derretida. Não temos mais nada pelo que zelar. Já estávamos nesse caminho, e o coronavírus foi a pá de cal. O presidente Bolsonaro foi eleito por todos os grandes jornais europeus e norte-americanos como o inimigo número 1 do combate ao vírus. O (britânico) Guardian tem um lugar cativo para os absurdos que vêm do Brasil. Agressões a enfermeiros, carreatas pelo fim do isolamento, posts do presidente, quase todos os dias tem algo.

Bolsonaro representa os negacionistas do vírus. Eles não existem só no Brasil, certo?

Certo. É um fenômeno mundial. Tomara que, com o avanço do vírus, que infelizmente ainda tende a acontecer, isso mude. O que é particular do Brasil é o papel que o líder representa nesse contexto.

O senhor já disse recentemente, a partir de dados coletados pelo Monitora Covid-19, que a primeira quinzena de maio constituía só o início do pior momento da pandemia no Brasil. É isso mesmo? E quando isso pode passar?

É isso mesmo. E, neste momento, não há resposta de quando isso vai passar. Porque todas as curvas são ascendentes. Em uma perspectiva otimista, se conseguirmos frear o avanço do vírus, o fim de maio pode revelar alguma luz e, ali, poderemos fazer algum tipo de previsão. Se eu fizer algo antes, estarei sendo leviano. Agora é o momento de pensar em aumentar o confinamento. Não tem outro jeito. Estamos caindo para menos de 40% de isolamento, segundo os índices de medição. Isso é insuficiente. Temos de chegar a 65%, no mínimo. Esse tem de ser o foco. Só depois é que vamos começar a pensar em um novo momento, mais otimista.