sábado, 15 de fevereiro de 2020

A contagem regressiva para o desastre

Sylvia Moretzsohn 

SOBRE O DESASTRE AMBIENTAL E O FUTURO

Há pouco mais de uma semana, vi na RTP, por acaso, um documentário que me impressionou muito: Ménaces en Mer du Nord, de Jacques Loeuille.


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O filme é de 2019 e trata das armas descartadas no mar, ao fim da Segunda Guerra Mundial.

Centenas de milhares de armas, químicas e convencionais, produzidas desde a Primeira Guerra. Os recipientes que as acondicionam estão começando a oxidar agora e a despejar no mar esse veneno, com consequências catastróficas.

Eu nunca tinha ouvido falar disso.

Fiquei pensando então em toda essa discussão sobre as alterações climáticas, que tratam das urgências para o futuro (se houver...) mas não levam em conta o que foi feito no passado, de maneira tão irresponsável.

Reportagens recentes, como a da BBC sobre as impressionantes consequências da devastação da Amazônia, que compartilhei hoje (apesar do equívoco da ilustração com uma foto do mico-leão dourado), e outras sobre o aquecimento na Antártica, que pesquei do mural do Junio Rezende, acusam a gravidade da situação e ressaltam a necessidade de medidas urgentes para conter essa degradação, embora sugiram que talvez já seja tarde demais.

Se for mesmo tarde, se estivermos na contagem regressiva para o desastre, só vai restar mesmo tocar um tango argentino. Mas, se há pelo menos três décadas a questão ecológica passou a ser central na pauta política internacional, por que não houve ações efetivas desde então? Afinal, se o mundo acabar, acaba para todo mundo, não apenas para nós, os 99%. E ainda que não acabe no tempo de vida dos atuais 1%, mesmo eles deveriam empenhar-se em assegurar boas condições de vida para seus descendentes. Pelo menos isso. Ou não?

Mas aí me lembrei dos delírios dos magnatas do Vale do Silício. De seus projetos de construir cidades ideais, totalmente automatizadas, que descartassem a política, porque ali só estariam os "bons". De seus investimentos em pesquisas para prolongar a vida, o que responde a um desejo ancestral da humanidade, de descobrir o elixir da imortalidade, o desejo de ser eterno.

Então lembrei de um texto que li há algum tempo, e que infelizmente não guardei: era de um especialista em tecnologia chamado a uma reunião com altos executivos, interessados em saber como seria possível viver em outro planeta, porque consideravam que este já estava definitivamente perdido.

Não conheço o autor, não sei se exagerou, nem mesmo se seu relato é verdadeiro. Mas é a única explicação que encontro para a reiterada negação em tomar medidas para reverter esse quadro. (Perdão: a única, não, pois evidentemente essas medidas implicam uma mudança de modo de vida e afeta diretamente o capitalismo. Mas é o preço a pagar, afinal foi o capitalismo que nos trouxe até aqui: é uma questão elementar de sobrevivência).

Então de repente pode ser que o 1% que manda no planeta esteja mesmo embarcando nesse delírio de uma alternativa só para si, com o desenvolvimento de uma tecnologia que os torne autossuficientes fora daqui.

Ou pode ser que tudo isso seja delírio meu, e nesse caso peço desculpas a quem eventualmente ler este texto.

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