Joaquim de Carvalho
O Brasil já teve um sociólogo na presidência da república, um torneiro mecânico, um economista e um advogado que se revelou ladrão. Agora tem uma cafajeste, na definição clássica da palavra:
“Indivíduo sem refinamento no trato social, atrevido, provocador e que se veste geralmente de maneira peculiar, denotando mau gosto”, define o dicionário.
Hoje de manhã, ao falar com jornalistas, ele agrediu uma repórter da Folha de S. Paulo, Patrícia Campos Mello, autora das reportagens sobre os disparos em massa de fake por WhatsApp.
Usou o linguajar de um desqualificado, típico de um vagabundo com a barriga encostada no balcão de um bar da zona do meretrício.
“O depoimento do River”, diz ele, que olha para um assessor e pede confirmação: “River, né?” O assessor responde: “Hans River”.
“Hans River” — retoma o sujeito.
“No final de 2018, para o Ministério Público, ele diz do assédio da jornalista em cima dele. Ela queria um furo, ela queria dar um FURO (com ênfase na palavra furo)”, diz, sob o olhar de apoiadoras, uma já velha, que riem gostosamente, também como frequentadoras de um boteco de prostíbulo.
“Ela queria dar um furo a qualquer preço contra mim”, acrescenta.
Bolsonaro também afirma que há um vídeo que seria divulgado também com revelações pesadas sobre a jornalista. “Não vou falar aqui porque tem senhora (sic) aqui do lado.
O vídeo a que Bolsonaro fez referência seria publicado pouco depois pelo filho, Eduardo. Na fala, gravada em palestra na USP, Patrícia diz que jornalistas nunca devem revelar o voto.
“Agora eu vou dar um conselho, tipo tia velha dando um conselho, tá? Se perguntarem para vocês em quem vocês votaram, nunca respondam. Se você é jornalista, não responda isso. Fala assim: ‘Eu não revelo meu voto! Porque uma vez eu dei entrevista para alunos da PUC, em 2013. E no meio da entrevista perguntaram: Ah, e qual é seu posicionamento político? Eu falei: ‘Eu sou uma pessoa de esquerda. Eu sempre votei no PT, mas isso não influencia, eu sou imparcial, na, na, nã, nã… Bom, editaram, só ficou a primeira parte, esse vídeo viralizou, aí eu virei a patinha do PT, que fez a matéria para derrubar o Bolsonaro.”
Não há nada demais na fala de Patrícia — como, a rigor, não é nenhum pecado revelar posicionamento político.
O primeiro âncora da TV, Walter Cronkite, da CBS, era simpático aos republicanos, e chegou a ser cotado para disputar a presidência pelo partido, depois de comparecer como convidado a uma convenção republicana.
Jornalistas são cidadãos como quaisquer outros, mas que, em geral, sabem isolar convicções pessoais no exercício da atividade profissional. Não são neutros, porque isso é impossível, mas devem ter compromisso com fatos, com a interpretação a mais honesta possível desses fatos.
Por exemplo, um jornalista botafoguense é capaz de fazer um análise honesta de um jogo do Flamengo, e vice-versa.
De que adiantaria Patrícia esconder como vê o mundo, manter em segredo que enxerga nas propostas de esquerda o caminho mais adequado para a evolução social em um país tão atrasado como o Brasil?
Os bolsonaristas inventariam qualquer coisa, como inventam agora, apenas para desestabilizá-la emocionalmente.
É o que ensina o guru dessa gente, Olavo de Carvalho, autor do prefácio de Como Vencer Um Debate Sem Precisar Ter Razão, de Arthur Schopenhauer.
Segundo o autor, argumentos racionais não devem ser usados em debate político ou acadêmico. Uma das estratégicas de Schopenhauer, endossada por Olavo de Carvalho, é:
“Atacar o adversário pessoalmente, com grosseria e agressividade, quando o debate se mostra de todo perdido.”
É a escola da cafajestagem, elevada a seu grau máximo na pessoa de Bolsonaro, ocupante indigno da cadeira de primeiro mandatário do país.
Se Bolsonaro mostrou que se comporta como cafajeste na Presidência da República, a imprensa corporativa, apoiadora do plano de Paulo Guedes, tem se mostrado sem-vergonha.
Hoje, depois de ofender Patrícia Campos Mello e diante da repercussão da sua fala, Jair Bolsonaro ainda tripudiou sobre os repórteres que ficam no curralzinho na saída do Alvorada.
“Alguém da Folha de S. Paulo aí? Alguém da Folha de S. Paulo aí? Eu agredi uma repórter da Folha de S. Paulo aí? Parabéns à mídia”, disse ele, antes de dar as costas diante de repórteres que imploravam por respostas.
Está na hora de discutir seriamente boicote à cobertura do presidente, que é um trabalho insalubre.
É difícil chegar a um consenso desse tipo — no governo de João Figueiredo, fotógrafos colocaram a máquina no chão quando o ditador desceu a rampa do Planalto.
Foi o protesto possível que a imprensa organizou naqueles anos. Difícil que se repita, mas é necessário que se comece essa discussão.
Só os muito ingênuos imaginariam que o trabalho jornalístico com Bolsonaro na presidência seria fácil.
Afinal, o Brasil nunca teve antes um cafajeste na Presidência da República.
Nenhum comentário:
Postar um comentário