sábado, 15 de fevereiro de 2020

O poder imperial preparou longamente a ocupação de nossa pátria


As tentativas de resistência na área cultural esbarraram numa imprensa corrupta e oligopolizada e numa classe média que olha do mundo o próprio umbigo. 
Nilson Lage 

Artigo de Xi Jinping, escrito em 2001 e agora republicado, oferece perspectiva interessante para o estudo da fácil (até agora) vitória dos Estados Unidos na guerra híbrida, versão soft, que move há décadas contra o Brasil.

Escreve o líder chinês que o desenvolvimento de um país deve processar-se simultaneamente na economia, na política e na cultura. Mantido o raciocínio, o episódio brasileiro seria um exemplo de fracasso decorrente do desequilíbrio entre essas instâncias.

Em um país rural conformado à condição de colônia -- como o Brasil das elites, na década de 1920 -- o espaço possível de modernidade era urbano. Foi o que percebeu, em 1930, Getúlio Vargas, ele mesmo estancieiro de uma região em que predominavam propriedades isoladas e um sistema de liderança com ônus recíproco: a subserviência voluntária dos peões era compensada pela garantia do patrão, o dono da terra, de assistência e solidariedade -- não por acaso zona rural marcada por guerras de fronteira e com a produção -- o charque --- voltada para o mercado interno.

A estratégia mantida desde então -- também nos governos militares, com ênfase na gestão Ernesto Geisel -- foi investir em indústrias de base (siderurgia, petróleo, hidrelétricas, industrialização de jazidas de bauxita, estaleiros e fábricas de aviões), abrindo espaço ao investimento privado e externo nos setores de consumo. A desnacionalização da indústria automobilística, nos anos 1970, desnuda essa ordem de prioridades.

As leis trabalhistas mal chegaram ao campo. Latifúndios modernizaram as técnicas de produção sem alterar sua dependência cultural e política dos centros consumidores de commodities. Nas décadas de 1980 e 1990, o processo de reversão do modelo de desenvolvimento acentuou-se, com a desistência de empreendimentos industriais gerados no país e, finalmente, a desnacionalização programada no governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso.

Ao retomar o curso anterior da História, os governos trabalhistas fracassaram em alguns pontos essenciais definidos no texto de Xi Jinping: a reforma política que permitiria a expressão dos interesses reais do povo nos parlamentos e executivos; a defesa nacional, transferida a oficiais militares doutrinados pelos Estados Unidos em um quadro artificial de guerra fria que jamais termina (até a dominação da Terra pelos 0,1% que comandam o jogo); e a cultura, cuja capacidade de incorporar a enxurrada de lixo importado definhava. O Brasil permitiu a ação de agentes desnacionalizantes na forma de ONGs e missionários -- neste caso, graças à orientação do papa João Paulo II, hostil à fração paroquial da igreja católica sensível à demanda popular naquele momento histórico.

Há uma articulação entre essas coisas. A culpa, de fato, não pode ser jogada às costas do PT, ou apenas do PT: como acontecera com Getúlio e com os militares, era inviável o confronto com as oligarquias coordenadas pela mais rica delas, a de São Paulo e aliadas a multinacionais que montam e embalam produtos no país; não houve um Caxias, pelo menos um Lott, que pensasse o Brasil independente, unido e legalista; as tentativas na área cultural esbarraram numa imprensa corrupta e oligopolizada e numa classe média que olha do mundo o próprio umbigo.

O poder imperial preparou longamente a ocupação de nossa pátria. Destruiu, nos anos 50, nossa música popular vibrante e nosso cinema; aproveitando-se do anacronismo da doutrina militar, passou a formar quadros de menor padrão cultural e capacidade analítica; promoveu um golpe de estado que retirou do governo central estruturas nacionais de poder importantes, como os sindicatos, e interferiu ideologicamente na educação e na pesquisa acadêmica, embora não tenha conseguido eliminar o sentimento de nação, persistente ainda; nos anos 1970, atiçou a linha dura militar em tarefas de repressão e sabotagem.

É por aí que se deve, a meu ver, analisar o problema e buscar soluções, admitindo-se que perdure o quadro internacional de recessão e conflito entre potências.

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