O PESADELO DE HÍCARO
Leandro Fortes
Em 2018, quando a campanha de Jair Bolsonaro começou a ganhar corpo, não sei por que cargas d'água, esse rapaz surgiu na minha timeline do Facebook: Hícaro Teixeira, jornalista, saracoteando nos corredores do Congresso Nacional, apoiando as teses absurdas da extrema direita. Fazia o estilo histriônico e agressivo da moda, meio Mamãe Falei, meio chacrete do MBL, tipo Fernando Holiday.
Eu vi aquele menino negro apoiando um demente que pesava quilombolas em arroba e, indignado, escrevi no post dele que era ridículo um negro, sob qualquer pretexto, apoiar a candidatura de Bolsonaro.
Na manhã seguinte, minha caixa de mensagens do Facebook estava infestada de fascistas me xingando de racista e incitando Hícaro a me processar. Um bando de débeis mentais estimulados pelo clima eleitoral de então.
Passado um tempo (duas ou três semanas), recebi um telefonema de uma escrivã de polícia civil do Distrito Federal, não lembro de qual DP. A agente queria esclarecimentos sobre meu comentário na postagem de Hícaro, porque o alegre ativista de direita, então um bolsonarista de carteirinha, havia feito um boletim de ocorrência me acusando de racismo.
A policial ouviu meu argumento fundamental: eu não podia ser racista porque o comentário tratava, justamente, da incoerência de um negro apoiar a candidatura de um racista declarado. Ela concordou, agradeceu pelos esclarecimentos e nunca mais tive notícias, nem dela, nem do BO de Hícaro.
Agora, leio que o jovem, arrependido da merda em que se meteu, virou alvo, ele sim, dos racistas que formam a base de ódio do bolsonarismo. A turma com a qual ele andava e que só o aceitava enquanto ele se comportava como escravo domado.
No momento em que Hícaro tomou consciência de sua condição de negro em um País racista e, hoje, governado por gente que o odeia, estruturalmente, virou um inimigo a ser eliminado - se possível, fisicamente.
Bem-vindo à realidade, Hícaro.
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