Desejo que, no meio da confusão da fuga para o novo ano, Trump e Bolsonaro tenham ficado lá no insano 2020, presos para sempre num loop temporal
Se estão lendo esta minha coluna é porque conseguimos: chegamos a 2021. Enquanto escrevo ainda é 2020 — e muitos acreditam que será assim para sempre.
Dest vez não terá havido passagem de ano. O que aconteceu (supondo que aconteceu) foi uma fuga, uma evasão, uma debandada: escapamos às pressas para 2021, com a roupa que trazíamos no corpo. Alguns sem roupa. Imagino que seja um pouco como cruzar uma fronteira durante uma guerra. Nos primeiros quilômetros a paisagem parece igual. Pouco a pouco, contudo, iremos sentindo a diferença. Depois que nos tivermos distanciado o suficiente e for possível voltar a respirar (sem máscara!), convém parar um pouco para refletir. Ao contrário do que ouço dizer, 2020 não é um ano para esquecer. É um ano que precisa ser recordado, compreendido e exorcizado. Afinal, o que aconteceu? E por que aconteceu?
A pandemia foi uma surpresa para todos (em particular para os astrólogos e quiromantes), mas não para os cientistas. Há anos que epidemiologistas vinham alertando para a eventualidade de uma pandemia semelhante à atual, como consequência direta da degradação e destruição de diferentes ecossistemas.
Se não formos capazes de criar novos modelos de gestão dos recursos naturais do planeta, enfrentaremos outras pandemias, mais perigosas do que a atual.
O que fazer? O processo de confinamento trouxe algumas respostas. Aprendemos, por exemplo, a trabalhar a partir de casa. A vulgarização do teletrabalho e das videoconferências reduzirá o consumo de combustíveis fósseis, ajudando a controlar o aquecimento global.
A China inaugurou há poucas semanas um poderoso reator nuclear que não produz lixo radioativo. Chamam-lhe “sol artificial”. Pode ser também uma boa alternativa. Ao mesmo tempo, os governos dos diferentes países deveriam investir na descentralização e democratização da energia, apoiando a instalação de geradores caseiros, solares e eólicos.
Também já existem alternativas à agropecuária extensiva, responsável pela destruição de florestas. Uma solução, defendida pelo escritor norte-americano Jonathan Safran Foer, no ensaio “Nós somos o clima — Salvar o planeta começa no café da manhã” (Rocco, 2020), seria consumir menos carne. Outra, está na carne sintética. A carne sintética, produzida em laboratório desde 2013, começa agora, pouco a pouco a chegar aos supermercados. O aperfeiçoamento e a generalização desta técnica, que não implica nem a morte nem o sofrimento de animais, irá tornar o produto cada vez mais barato e mais semelhante às carnes conhecidas.
Assisti ao pseudodocumentário satírico “Death to 2020”, da Netflix, com Samuel L. Jackson e Hugh Grant nos papéis principais. Suponho que daqui a alguns anos os nossos netos tenham dificuldade em distinguir, no filme, a ficção da realidade. Algumas das melhores piadas são as do ator que representa Donald Trump. Perdão, não é um ator. É o próprio Trump.
Desejo que, no meio da confusão da fuga para o novo ano, Donald Trump e Jair Bolsonaro tenham ficado para trás, lá, no insano 2020, presos para sempre num loop temporal.
Para todos os outros, um excelente 2021!
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