Está-se a discutir se o presidente Jair Bolsonaro é ou não um genocida. O debate se estende muito além da etimologia da palavra genocídio, mas se fundamenta na convicção geral de que o chefe do governo brasileiro e seus seguidores são os principais responsáveis pela mais grave crise sanitária de que se tem notícia por estas terras.
Não parece restar dúvida de que o negacionismo do presidente, tendo extrapolado para a militância aguerrida contra as recomendações científicas mais acreditadas, configura uma manifestação deliberada e continuada em favor da morte de milhares de brasileiros.
Jair Bolsonaro parece se comprazer na condição de Oráculo de Thanatos. Até manifesta orgulho por esse papel. "Meu negócio é a morte", ele já disse.
A questão é: suas ações e omissões configuram o crime de genocídio?
Intelectuais de grande reputação e curiosos igualmente ilustrados, mas movidos pela indignação, ponderam que a expressão genocídio - cunhada em 1944, com a descoberta dos campos de extermínio nazistas - ganhou um significado mais amplo ao longo do tempo. Portanto, não se refere mais especificamente ao extermínio deliberado de pessoas motivado por diferenças étnicas, nacionais, raciais, religiosas. Também incluiria a discriminação geopolítica, a cultura, a visão de mundo. Um exemplo? - O assassinato de quase um milhão de pessoas na Indonésia em 1965, após um golpe de estado liderado pelo general Suharto e coordenado pela CIA. Eram a nata da inteligência e da cultura do país, acadêmicos, cientistas, professores, sacerdotes, estudantes, voluntários de serviços sociais, apontados pelo governo genericamente como "comunistas".
Os defensores da tese de que Bolsonaro é genocida opinam que ele demonstra o propósito de deixar morrerem os mais pobres, aqueles que lotam o sistema público de saúde e são, não por acaso, os mais atingidos pela crise econômica que acompanha a pandemia.
Mas há os que entendem que a palavra genocídio não pode ser generalizada dessa forma, porque estaria sendo desviada para designar todo tipo de morte massiva causada por ação ou omissão de um estado ou de uma sociedade.
Entre estes, o grupo mais assertivo é formado por descendentes de povos que sofreram processos de extermínio conduzidos por estados totalitários ou por sociedades intoxicadas de ódio.
Judeus, armênios, judeus armênios, ciganos, afrodescendentes, indígenas de toda a América, palestinos e homossexuais levantam os compêndios de História para, em geral, condenar o que consideram uma banalização dessa expressão deletéria, certamente a maior ofensa que se pode, em termos metafísicos, dirigir a um ser humano: a acusação de que ele age, deliberada e continuadamente, pela destruição de seus semelhantes.
Os dois grupos convergem para o fato, indiscutível, de que Bolsonaro e seus seguidores são os principais culpados pela montanha de cadáveres produzidos pela doença no Brasil.
Para os que apreciam contas macabras, basta dizer que, se fossem estendidos lado a lado, os 290 mil brasileiros mortos formariam uma estrada de mais de 200 quilômetros, a se considerar que em média, um corpo humano ocupa um espaço de 60 centímetros de largura.
Seria possível também calcular quanto mediria uma pirâmide dessa natureza, considerando que 27% dos brasileiros adultos são obesos. Mas isso é tarefa para matemáticos de estômago forte.
Seria conveniente que se deixasse de lado a querela em torno de uma palavra e que a indignação fosse canalizada e potencializada para o cerne da questão: Jair Bolsonaro é o autor dessa tragédia.
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