Com vacinação lenta, eles cobram medidas mais duras de distanciamento social para impedir marca
Por Ana Conceição
Depois de um forte aumento nas últimas semanas, a tendência de novos casos, internações e mortes por covid-19 deve continuar em alta no país. Dados do boletim Infogripe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apontam que 23 das 27 unidades da federação registram essa tendência. Diante do colapso hospitalar em todas as regiões, números ainda mais altos de óbitos, 4 ou 5 mil por dia, não podem ser descartados, segundo especialistas. Com o ritmo lento de vacinação, eles defendem medidas mais duras de distanciamento social para impedir que esse cenário se torne realidade.
“Temos um conjunto muito grande de Estados com tendência de crescimento de casos e hospitalizações. Alguns apresentam estabilidade, mas muito incipiente. É muito preocupante”, afirma Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe.
Gomes diz que há grande chance de o país ultrapassar 3 mil óbitos nos próximos dias. Um cenário pior, com 4 ou 5 mil mortes diárias não pode ser descartado. “Nós que trabalhamos com análise epidemiológica vemos que, infelizmente, não é impossível. É uma marca muito alta, mas não dá para descartar.”
O especialista da Fiocruz ressalta que ações mais severas - como o lockdown realizado em Araraquara (SP) - demoram cerca de duas semanas para diminuir as hospitalizações e mais uma ou duas para reduzir os óbitos. “Mas tomar medidas num momento em que há um grande número de casos demora mais para fazer efeito, as intervenções têm que ser mais longas”, diz.
Cenas como a do ex-governador de Goiás Helenês Cândido, que morreu na semana passada dentro de uma ambulância após dias de espera por uma UTI, vão se tornar mais frequentes, diz o médico Walter Cintra, professor da pós-graduação em administração hospitalar da EAESP-FGV. “Estamos numa situação desesperadora, quando as pessoas começam a morrer por falta de UTI.”
Ele e outros especialistas ressaltam a necessidade de ações mais duras de distanciamento social para interromper a escalada de mortes por covid-19. Como medida imediata para atender pacientes que não estão sendo assistidos, Cintra aponta a conversão de leitos existentes para atender outras doenças para covid-19. “É preciso resolver a emergência imediata e ao mesmo tempo adotar medidas para reduzir o número de casos. Defendo um lockdown nacional.”
Medidas como as tomadas pelo prefeito de São Paulo, Bruno Surfistinha (Tucanalha), que antecipou vários feriados para o fim de março, são insuficientes. Lockdown, diz Cintra, é fechar tudo, mas com apoio para que a população vulnerável não vá para a rua. “Significa ter auxílio emergencial, mobilização da defesa civil, da polícia, de bombeiros, do serviço público. É preciso um pacto pela vida, de todos os Poderes e da sociedade civil, numa ação coordenada contra a pandemia.”
Rafael Moreira, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador da Fiocruz do Estado, mostrou em estudo em 2020 que já na primeira onda faltou vaga em hospitais para parte dos pacientes com sintomas graves da doença. E o país não aprendeu lições importantes desde então. “Era necessário um planejamento para conter novos casos, diminuir a circulação de pessoas, ter uma organização logística de transferência de pacientes”, diz.
O estudo de Moreira mostrou que, quando é preciso conter o avanço do coronavírus e não há testes suficientes, usar a sintomatologia da doença para detectar novos casos é um recurso barato e eficiente para fazer isolamentos mais eficazes e prever a necessidade de leitos para covid-19. “É mais barato e pode ser feito por agentes comunitários de saúde, dentro da rede de atenção primária.”
A respeito da necessidade de mais leitos de terapia intensiva, os três especialistas afirmam que só a ampliação delas não é salvação. “Sem redução no número de contágios, sem testagem, sem isolamento e baixa vacinação ainda vai ter muita demanda de UTI”, diz Moreira.
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