Moisés Mendes
Sobreviveu por três semanas, e apenas como caricatura, o bolsonarismo como ideia de governo, como sentimento ou como fenômeno social. O governo pode até sobreviver, agarrado ao que sobrar de Bolsonaro. Mas o projeto de construção de um poder populista de direita, com as feições da criatura que o inspira, não existe mais.
O que fica é o homem-gambiarra que até um mês antes do primeiro turno não venceria ninguém no segundo. Bolsonaro será levado adiante reduzido ao que é, longe da idealização do que poderia ter sido.
O bolsonarismo foi soterrado pelos escândalos da família que expõe agora seus antigos vínculos com milicianos do Rio, pelo absolutismo religioso dos ministros, pelo aparelhamento da educação, das áreas sociais e do Itamaraty e pela incapacidade de deliberar e comunicar medidas de rotina.
Mas o que vai matando mesmo o bolsonarismo é a frustração do eleitorado seduzido pela promessa de que elegeria um sujeito antissistema, antiPT, anticorrupção, antiGlobo e antitudo-isso-daí.
O ex-deputado Flávio Koutzii, o educador Leonardo Boff e o filósofo francês Bernard-Henri Lévy usaram a mesma definição, em entrevistas recentes, para falar do que sentem em relação à situação brasileira com a eleição de Bolsonaro.
Koutzii fala dos estúpidos que consagraram um pretenso salvador. Lévy e Boff falam de estupidez. Os estúpidos levaram ao que Boff define como o triunfo da ignorância e da estupidez. Bolsonaro foi eleito pela desinformação, pela convicção dos que pensam que sabem e nada sabem, pela alienação e pela manipulação exercida pela classe média ressentida.
Bolsonaro só foi uma ideia com alguma racionalidade para os que o idolatram desde sempre por seu tipo de macho que enfrenta bandidos com arminhas de dedos. Mas o que Bolsonaro foi para a grande maioria que aderiu ao seu projeto, se nem projeto havia, nem discurso claro (matar bandidos?), nem presença em campanha, nada?
Bolsonaro foi então a vitória dessa estupidez que Bernard-Henri Lévy enxerga na ausência de ideias, na vulgaridade, no reacionarismo raso. Bolsonaro ofereceu ao povo a chance de não se cansar com qualquer reflexão mais complexa. Por isso é a simplificação, a gambiarra, o improviso, é até o deboche a reboque do ódio.
Prosperou em meio à frustração com o resultado final das passeatas que ajudaram a derrubar Dilma. E foi adiante graças ao abandono do que poderia vir a ser um projeto de centro com Meirelles, Alckmin ou até Álvaro Dias.
Mas, segundo o DataFolha, o Brasil que elegeu Bolsonaro não quer mais saber de armas. Não quer escola sem partido. Nem que invadam as terras dos índios, ou que liberem os venenos para as lavouras. As pesquisas dizem até que o Brasil quer educação sexual nos colégios.
Uma pesquisa do Estadão Dados mostra que a militância bolsonarista sumiu das redes sociais. Representa hoje apenas 22% do que era às vésperas do primeiro turno. Desapareceram até os perfis fakes. Os estúpidos entraram em crise. Há desencanto, constrangimento e perda de força.
Por isso o homem-gambiarra só irá sobreviver como gambiarra. O bolsonarismo nunca será, às avessas, um getulismo, um peronismo, um lulismo ou o que chamam de bolivarianismo. O bolsonarismo é medíocre demais para ser uma ideia.
Os Bolsonaros (considerando toda a família) declararam guerra às esquerdas, às mulheres, aos negros, gays, índios, ambientalistas, a militantes dos direitos humanos. Brigaram com a Globo, com a Folha, com os jornalistas.
Os Bolsonaros estavam certos de que eles, Queiroz e os amigos milicianos poderiam enfrentar meio mundo apenas com o WhatsApp e o Twitter. Estão sendo massacrados pelo jornalismo da grande imprensa, o mesmo jornalismo que desde o golpe se tornara irrelevante e moribundo.
O bolsonarismo tem um Sergio Moro, o guru da direita, e tem Damares vendo Jesus na goiabeira. Tem ministros réus ou investigados por corrupção. Tem um chanceler que não vê Jesus, mas vê comunistas conduzindo a globalização.
Bolsonaro poderá até formar base social e ter lastro político entre o povo (que o rejeitava até perto da eleição). Poderá pagar 13 salários aos que recebem Bolsa Família. Poderá conceder um bônus na aposentadoria às mulheres com filhos.
Mas talvez não consiga o milagre de ter o apoio de quem pode sustentá-lo politicamente, o corneteiro, o formador de opinião, a classe média gritona, irritadiça e infiel. Essa classe média derrubou Dilma e só não derrubou o jaburu porque assim admitiria a culpa. Bolsonaro pode ressuscitá-la como aliada traiçoeira e vingativa.
A classe média reacionária que o elegeu, se não tiver perspectivas de melhoria de vida, poderá dizer que agora chega e aderir à campanha da Globo e da Folha pelo fim do governo que nem começou.
Mas Bolsonaro pode ir se arrastando até o fim do mandato, com as reformas que o mercado pede e quem sabe com algum resultado econômico que acalme os desesperados.
Mesmo assim, será sempre o amigo do Queiroz. Será o pai do senador que empregava a mãe e a mulher do chefe do Escritório do Crime, uma das mais ferozes milícias do Rio, que tiveram alguns de seus líderes presos como mandantes do assassinato de Marielle Franco.
Talvez o bolsonarismo nem seja um fracasso, porque não teve tempo de existir.
* Moisés Mendes é jornalista, escreve quinzenalmente para o jornal Extra Classe
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