domingo, 20 de janeiro de 2019

Ministério da Família


Antonio Prata

Sei que o assunto já é velho, mas venho tentando não escrever sob o calor dos acontecimentos: sopesar as ações do novo governo me permite compreendê-las melhor e, às vezes, até, encontrar nelas algo de positivo. Foi o que fiz com a transformação do Ministério dos Direitos Humanos em Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. 

O primeiro aspecto alvissareiro que me saltou à vista foi o nome não ter mudado para Ministério dos Direitos Humanos para Humanos Direitos. Num governo que foi eleito por slogans, não por propostas, o risco era grande. (Há quem afirme, inclusive, que se a reforma da Previdência der chabu, o primeiro ato do Bolsonaro será juntar os ministérios da Educação e das Relações Exteriores numa superpasta: o Ministério d'A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha). 

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Outro aspecto que me pareceu acertado foi a inclusão de "Família" no nome do ministério. Ora, é inegável que a família brasileira encontra-se diante de sérias ameaças e a pasta, rebatizada, deve combatê-las. Resta saber se a ministra terá coragem e força política para encarar de frente os perigos que rondam a célula primordial da sociedade.

O papel do cunhado, por exemplo: é inadmissível que em pleno século 21 ainda não haja uma legislação estipulando os deveres e, principalmente, limitando os direitos do cunhado. Pode o cunhado aparecer sem ser convidado? Pode o cunhado que apareceu sem ser convidado ligar a televisão? Pode o cunhado que apareceu sem ser convidado e ligou a televisão pegar uma cerveja na geladeira? Pode o cunhado —vou poupá-los da enumeração—, durante um churrasco na sua casa, aproveitar-se de uma ida ao banheiro e virar uma lata de Skol sobre a picanha —"pra dar uma amaciada"?

Outra questão tão —ou mais— importante: irá o Ministério da Família colocar limites ao tio do pavê? Figura obrigatória em toda festa familiar, vítima da alopecia, entre o sobrepeso e a obesidade, geralmente alcoolizado, exímio exibidor do cofrinho e proprietário vitalício de garbosas micoses nas unhas dos dedões dos pés, o sujeito espera a sobremesa, muge "é pavê ou pacomê?!" e nossos menores, desprotegidos, imediatamente tomam horror à família.

"Irei me transformar nisso?!", pergunta-se o menino; "terei que casar com um desses?!", horroriza-se a menina; "ainda dará tempo pro divórcio?!", indaga-se a esposa —e assim, paulatinamente, vão-se trincando os pilotis que sustentam a nação.

Precisamos falar sobre o amigo secreto, Damares. O ministério desenvolverá um aplicativo universal para organizar a troca de presentes no fim de ano ou cada família continuará ao Deus dará, tendo que reinventar a roda todo Natal; o tio do pavê ganhando dois presentes, o cunhado tirando ele mesmo e o menino aos prantos porque não ganhou presente algum?

Primo e prima: pode ou é parente? Sei que Damares está mais preocupada com o azul e o rosa, mas a zona cinzenta entre primos e primas é um aspecto cromático que também merece sua atenção. Pelo menos, é o que eu acho. E a minha prima Magali, idem.

A lista de perigos que rondam a família é longa, a crônica é curta, vão aqui, portanto, uns últimos toques para o ministério: cônjuge que pega o carregador do outro merece o divórcio? Filho que faz canoinha no queijo pode ser deserdado? Obrigatoriedade de chope em buffet infantil: será lei? 

Conto com a atenção do governo. Ainda mais porque está claro que o ministério, criado pelos que desprezam o mimimi das mulheres e não acreditam no blá-blá-blá dos direitos humanos, estará 100% a serviço da família. Espero que encare as questões aqui apontadas. (E a minha prima Magali, idem).

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