domingo, 6 de janeiro de 2019

O burro falante


O presidente falante
Bolsonaro conta em público versão peculiar das discussões que ouve em seu governo

A triste figura que fez Jair Bolsonaro em sua primeira sexta-feira dá o que pensar, mas não pelo motivo mais evidente.

Não é novidade o escasso conhecimento que o presidente tem de políticas públicas, de economia em particular. Não era inesperado que dissesse despropósitos sobre impostos ou Previdência. Ainda assim, parece importante perguntar como é possível Bolsonaro desconhecer planos centrais de seu governo.

A pergunta mais relevante, porém, pode ser outra: o que vai acontecer quando ele tomar conhecimento de tais assuntos?

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Bolsonaro quer menos impostos sobre empresas. Para não fazer mais déficit e dívida, teria de compensar a perda de receita com aumento de impostos sobre pessoas físicas, em particular sobre o seu eleitorado. Como vai reagir quando tiver de lidar para valer com o cobertor curto?

Pode ser então que exija cortes “na máquina”, “quebrando o sistema”, os “privilégios dos políticos”, como é o credo popular. Ainda que recolha alguns dinheiros assim, teria de empregá-los na redução do déficit e da dívida enormes, tarefa que seria menos difícil caso aprovasse uma reforma da Previdência mais dura, aquela que quer evitar.

Bolsonaro e seu ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) de resto enganam-se sobre o próprio programa de governo, que promete não elevar a carga tributária, o que é diferente de não aumentar tributo algum. Uns impostos podem subir, outros cair, empatando o jogo fiscal, mas causando conflito social, perdas e ganhos. Caso não resolva tal assunto, o presidente vai cometer disparates em vez de apenas dizê-los, o que já fez a respeito de juros, câmbio, impostos e Previdência.

Militares mui próximos e amigos dizem que o presidente vai “acertar a mira” e que três dias de governo não são nada, verdade, embora Bolsonaro precise de alguma “blindagem na comunicação”.

Que seja. Mas o Brasil não é como os Estados Unidos, que têm estrutura para tolerar dois anos de disparates de Donald Trump. A besteira tem lá suas consequências na deseducação geral; causam escárnio, consternação e aflição. Mas a gente razoável no debate público americano trata agora mais das ações do que das perorações estúpidas do Nero Laranja.

Na nossa pobreza institucional, material e intelectual, não temos o luxo de correr riscos nem com o mero tumulto das palavras.

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