No Brasil de Bolsonaro, as definições de vagabundo foram atualizadas
Rosana Pinheiro-Machado
A subjetividade fascista que cresce no Brasil não mobiliza o medo de um inimigo externo, como é comum no hemisfério norte. Nosso inimigo é interno: o velho conhecido vagabundo.
O mérito de Bolsonaro foi ter conseguido atiçar uma ira latente contra os vagabundos. A elite racista e classista apoia a remoção de toda a articulação de “vagabundos” – nordestinos, beneficiários do bolsa-família, minorias e ativistas. Outra parte da população, aflita por muitos medos e perdas, também. Forjando o papel da justiça e da ordem militar, Bolsonaro conseguiu tocar no âmago de uma grande parte da população que acha que a vida é injusta e que os vagabundos passam bem. Nas páginas da extrema direita, as palavras vagabundos e marginais são as que mais parecem, especialmente para designar petistas e assaltantes.
Enquanto parte da esquerda se manteve em sua redoma intelectual ou centrada em suas próprias disputas, Bolsonaro foi articulando todas as forças obscuras do país, ganhando espaço, acionando o poder advindo do pânico moral e da disputa do nós contra eles – o que faz todo o sentido em um contexto de crise econômica, política e também de segurança pública. Refiro-me à esquerda porque vídeos em que Bolsonaro falava atrocidades, associando PT a uma bandidagem, circulavam amplamente no WhatsApp do Brasil profundo, mas ninguém do campo progressista viu ou acreditou que seria possível a sua eleição.
Bolsonaro começou a aparecer sem parar depois de 2013, especialmente após polêmicas com Benedita da Silva e Maria do Rosário. Nessa época, ele criou sua página no Facebook e grande parte de suas postagens são contra vagabundos em uma campanha que começa a cada a vez mais associar petistas a “marginais vagabundos”. Em uma entrevista decisiva que recebeu os holofotes de toda a mídia (que o ajudou a crescer) em 2014, Bolsonaro usou essas palavras acusatórias sete vezes em um minuto e meio, dizendo que as cadeias não podiam ser colônia de férias. E tudo isso associando o PT e o MST a temas como o falso kit gay.
No meio do vácuo deixado pela crise, em que a narrativa do crime se enche de significado, apontando culpados e inimigos internos, Bolsonaro atiçou a nossa tradição sádica mais profunda. E ganhou
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