terça-feira, 23 de julho de 2019

Ao chamar absurdo de polêmica, jornalistas pegam leve com Bolsonaro


Normalizar condutas inaceitáveis é como as democracias morrem

Kennedy Alencar

Ao classificar absurdos ditos por Jair Bolsonaro como polêmicas, jornalistas pegam leve com o presidente da República e normalizam condutas que não devem ser normalizadas numa democracia plena. Recorrer a eufemismos para normalizar absurdos do presidente da República é como as democracias morrem. É coisa de república de bananas.

Bolsonaro não foi hoje inaugurar o Aeroporto Glauber Rocha em Vitória da Conquista (BA) em meio a uma polêmica, como foi descrito por parcela da imprensa. O presidente manteve a viagem após ofender nordestinos e discriminar administrativamente o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B-MA).

O presidente da República chamou nordestino de “paraíba” numa conversa de pé de ouvido com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que foi captada por uma câmera de TV. “Paraíba” é uma forma depreciativa usada no Rio de Janeiro para se referir aos habitantes do Nordeste que migraram para o Estado _“baiano” é a expressão equivalente em São Paulo. Isso não é polêmica tampouco crítica, outra palavra que parte do jornalismo gosta de empregar para normalizar absurdos ditos pelo presidente da República.

Ao mandar o ministro da Casa Civil boicotar Flávio Dino, Bolsonaro atentou contra a impessoalidade, um princípio constitucional na condução de assuntos de Estado. Feriu a Constituição.

O comportamento presidencial no episódio “paraíba” está longe de ser uma polêmica. É, sim, uma manifestação de xenofobia, preconceito, ignorância e, por último, covardia. Esta ocorreu quando ele mentiu dizendo que não havia dito o que dissera.

Também não há polêmica quando o presidente da República declara à imprensa estrangeira que uma jornalista respeitada como Miriam Leitão mentiu sobre ter sido torturada. Quem falta com a verdade é o presidente da República, que fala um absurdo sem a menor cerimônia perante a imprensa internacional. Isso não é polêmica.

Polêmica ocorre quando há argumentos pró e contra determinado tema num debate, até mesmo se a discussão ocorre de forma acalorada. Existe polêmica, por exemplo, em relação à liberação de saques de contas do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Há quem defenda com bons argumentos. Há quem critique com bons argumentos.

Aliás, nesse episódio do FGTS, salta aos olhos mais um improviso do governo, que não sabe direito o que fará. Temos uma equipe econômica que fala demais, promete muito e entrega pouco. A reforma da Previdência aprovada em primeiro turno na Câmara, por exemplo, é bem diferente da desejada por Paulo Guedes, ministro da Economia. Essa reforma será mérito de políticos demonizados por Bolsonaro e cia.

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Simplesmente cruel

De novo, Bolsonaro abordou com leviandade a possibilidade de acabar com a multa de 40% sobre o FGTS em caso de demissões sem justa causa. Voltou a insinuar que talvez seja o caso de mudar essa regra e repetiu o absurdo de falar que o brasileiro terá um dia de escolher entre direitos trabalhistas e emprego.

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Conhecimento x ignorância

No caso do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais), Bolsonaro se mostrou, mais uma vez, desinformado e despreparado para a função. Os discursos do presidente sobre meio ambiente estimulam o desmatamento, fato aferido pelo Inpe nos últimos meses numa escala alarmante.

Mas o presidente do Inpe, Ricardo Magnos Osório Galvão, deu resposta à altura. Classificou o desprezo de Bolsonaro pelo Inpe e os dados de aumento do desmatamento como “conversa de botequim”. Lembrou que ele deveria respeitar a liturgia da Presidência. Afirmou que Bolsonaro fez “piada de um garoto de 14 anos que não cabe ao presidente da República” quando disse que o Brasil teve ministros do Meio Ambiente que não sabiam a diferença entre gravidez e gravidade.

Mais uma vez, não há polêmica nesse caso. O presidente do Inpe está certo. O presidente da República está errado. Enfim, vale dar uma olhada nos dicionários para entender o significado de polêmica. Quem quiser passar pano para os absurdos de Bolsonaro, pode, pelo menos, fazê-lo com mais lealdade à inculta e bela. Vale dar uma olhadinha no Aurélio, tá ok?

Ouça o comentário feito ontem no “Jornal da CBN – 2ª Edição”:


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