segunda-feira, 22 de julho de 2019

Parte dos eleitores arrependidos de Bolsonaro quer MAIS radicalismo, e não menos


Parte dos eleitores arrependidos de Bolsonaro quer mais radicalismo

Isabela Kalil: Bolsonarismo é um fenômeno que transcende a figura de Bolsonaro e tem paralelo com terraplanismo 
Doutora em Antropologia Social, Isabela Oliveira Kalil dedica-se há seis anos a estudar o desenvolvimento de movimentos conservadores no Brasil. A equipe de pesquisadores coordenada pela professora no Núcleo de Etnografia Urbana da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) observa e entrevista presencial e virtualmente militantes de direita, para identificar como pensam, agem e se expressam os conservadores brasileiros. O que uniu, nas eleições de 2018, estas pessoas foi o apoio à candidatura de Jair Bolsonaro, eleito presidente com 57,8 milhões de votos.

Se as pesquisas de opinião permitem uma visão quantitativa de como vai a popularidade Bolsonaro - em queda desde o início do ano -, o estudo etnográfico de Isabela, concentrado na região metropolitana de São Paulo, oferece dados qualitativos sobre como se movem os apoiadores do presidente na região mais populosa do Brasil.

Antes mesmo da vitória de Bolsonaro, emergiram da pesquisa perfis de bolsonaristas tão diversos quanto mulheres em busca do empoderamento e militares; ou jovens de periferia e homossexuais conservadores. A conclusão da primeira fase da pesquisa foi de que a imagem de Bolsonaro foi construída como facetas de um caleidoscópio: ela se moldou ao olhar de quem via.

Com a caneta da Presidência na mão, porém, a história é outra. Isabela identificou eleitores de Bolsonaro que, com sete meses de gestão, estão insatisfeitos. Os arrependidos concentram-se em dois grupos: jovens que se decepcionaram com a condução da área da educação e chegaram a ir aos protestos convocados pela esquerda em maio; e homens na faixa dos 40 anos de idade, que esperavam mais radicalismo.

Nesta entrevista ao Valor, a antropóloga detalha o humor dos simpatizantes de Bolsonaro. Formada pela Universidade de São Paulo (USP), Isabela atuou como pesquisadora visitante na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e integra o fórum Sexuality Policy Watch, que reúne pesquisadores de quinze países.

Valor: A senhora acompanhou o início dos movimentos de apoio a Bolsonaro. Como se comportam agora, com Bolsonaro no governo?

Isabela Kalil: Os movimentos sociais que acompanhamos se formaram nas ruas e as lideranças cresceram em manifestações e nas redes sociais. O discurso era antistablishment. O fenômeno que vemos agora, e do qual Bolsonaro faz parte, é de que esses líderes entraram para a política institucional, ocupam cargos públicos. Quando isso acontece, cria-se uma novidade. Antes, os grupos estavam nas ruas, protestando e prometendo o que fariam se fossem eleitos. Quando eles entram no jogo político, ainda que eles tentem manter esta postura, não é possível entregar tudo o que eles prometeram. Por um lado há uma insatisfação das pessoas que apoiaram esses personagens porque elas começam a achar que eles estão fazendo pouco. Alguns têm até de se explicar. Quando o PSL se torna parte do Estado há um problema que o Partido dos Trabalhadores (PT) também enfrentou anos atrás, quando se deparou com o fato de que a política exigia alianças e diálogo com quem pensa diferente.

Valor: Em que situações, por exemplo, a senhora identificou esse comportamento, de criticar quem entrou para política institucional?

Isabela: São situações corriqueiras, como quando uma dessas lideranças eleitas aparece em uma foto ou conversando com alguém que não é do mesmo espectro político. Eles têm de ir para as redes sociais se explicar. Eles vêm explicando isso de forma muito didática, dizendo que lá, no Congresso ou na Assembleia, você tem de conversar com todo mundo, até mesmo com a oposição. Uma parte do eleitorado esperava uma mudança política radical, que culminaria com o fim de instituições. Grupos que acompanhamos pedem o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso.

Valor: Como essa insatisfação se manifesta em relação a Bolsonaro?

Isabela: Pesquisas de opinião mostram a popularidade de Bolsonaro caindo. Isso não quer dizer necessariamente que as pessoas estão insatisfeitas por acharem que Bolsonaro tem atitudes inadequadas ou pouco democráticos. É o contrário. Existe uma parcela dos eleitores que estão insatisfeitos com Bolsonaro porque ele não está se comportando suficientemente como de extrema direita. Na visão dessas pessoas, Bolsonaro não está entregando o projeto de extrema direita que prometeu.

Valor: Para esse grupo, o que caracteriza ser "suficientemente de extrema-direita"?

Isabela: Eles citam expectativas de fechamento do Congresso e se queixam muito da questão da posse e porte de armas. Esses eleitores acham que Bolsonaro entregou muito pouco. Esperavam mais. Há uma demanda preocupante - e pouco vista - por radicalização. Não se pode supor que a popularidade de Bolsonaro cai só porque as pessoas estão girando para o centro. Isso é parte do quadro e ocorre em alguns setores, mas, tendo criado uma direita da direita, o bolsonarismo faz surgir agora uma extrema-direta da extrema-direta.

Valor: Qual o perfil de quem agora considera Bolsonaro moderado?

Isabela: Predominantemente masculino. São homens com idade entre 40 e 45 anos.

"Existe uma parcela de eleitores insatisfeita porque Bolsonaro não se comporta como de extrema-direita"

Valor: Eles se identificam com alguma bandeira conservadora específica? Que ideias ou pauta eles têm em comum?

Isabela: Para explicar esse perfil é interessante fazer um paralelo com um outro grupo que passamos a estudar recentemente: os terraplanistas. Eles não confiam na ciência, nas instituições. Acham que estão sendo enganados. Vivem uma espécie de niilismo não só político, mas em diferentes esferas.

Valor: Como a pesquisa passou, de conservadores, a olhar para os terraplanistas?

Isabela: A questão da Terra plana diz muito sobre a descrença em instituições e em teorias que, até alguns anos atrás, ninguém imaginava desacreditar. Há um encadeamento de descrenças. Nossos estudos etnográficos sobre terraplanistas surgem no contexto dos conservadores. Eleitores de Bolsonaro, em entrevistas conosco, justificavam suas opiniões com base em teorias conspiratórias. Percebemos um imbricamento entre fake news e teorias conspiratórias. À medida que nos aprofundamos nessa escuta, identificamos um pano de fundo de ideias de conspiração não só na política.

Valor: Existe correlação entre bolsonarismo e terraplanismo?

Isabela: Ao olhar para os terraplanistas eu posso dizer que o bolsonarismo é muito mais do que Bolsonaro. Esse fenômeno que a gente tem nomeado de bolsonarismo transcende o próprio Bolsonaro. Está presente, por exemplo, no terraplanismo. Está presente também nesta crítica de parte dos eleitores, de que Bolsonaro está sendo "frouxo", não está entregando o que prometeu.

Valor: A senhora mencionou as armas. Foi uma das bandeiras de campanha de Bolsonaro e ele, no início do governo, tentou mostrar ação, com o decreto das armas.

Isabela: A questão das armas é central para entender como se comporta um dos dois grupos de apoiadores que está agora insatisfeito com Bolsonaro. São pessoas que votaram com a expectativa de que Bolsonaro iria ampliar a posse e o porte de armas e, agora, acham que isso vem acontecendo de maneira muito lenta. Ou seja, há uma parte do eleitorado de Bolsonaro que o vê tendendo ao centro. Um exemplo do que ouvimos é: "O capitão não está sendo suficientemente forte para entregar o que prometeu."

Valor: Qual é o segundo grupo de apoiadores que está insatisfeito com o desempenho de Bolsonaro?

Isabela: São os jovens. Eles mostram uma mudança de percepção a partir do anúncio de cortes no orçamento para a educação, em maio. Ficam inseguros. A educação vem sendo, nestes sete meses de governo, um ponto muito sensível para quem defendeu Bolsonaro na campanha. Para os jovens, é mais sensível do que a reforma da Previdência e do que o vazamento das conversas do ministro da Justiça, Sergio Moro. As decisões do governo na educação foram lidas como algo que afeta direta e negativamente o futuro deles.

Valor: Em maio, houve dois grandes protestos de professores e estudantes contra os cortes na educação. Como isso reverberou entre bolsonaristas?

Isabela: Houve discussões sobre participar ou não dos protestos. E teve, sim, apoiador do Bolsonaro que foi às ruas se manifestar contra os cortes na educação. O contra-argumento era de que os protestos eram organizados pela esquerda.

Valor: A educação foi assunto somente entre os mais jovens?

Isabela: Não. O tema causou impressões também entre adultos com filhos em idade escolar ou universitária. A visão deles é que, se queremos uma país melhor, não faz sentido cortar na educação. O que cada um entende por "educação de qualidade" varia. Para esses pais, é escola militarizada, "sem partido" ou religiosa. Mas o ponto em comum é: educação de qualidade precisa de recursos.

Valor: Houve críticas aos ministros da Educação, Ricardo Vélez e Abraham Weintraub?

Isabela: Chamou atenção o episódio em que Vélez orientou escolas a filmarem alunos cantando o Hino Nacional. Houve um incômodo. Quando questionei o motivo, descobri que o problema não era obrigar a criança a cantar o Hino, mas sim filmá-las. Os pais sentiram que a privacidade dos filhos seria invadida.

Valor: Como se deram entre apoiadores de Bolsonaro as conversas sobre a reforma da Previdência?

Isabela: Apareceram questões como a aposentadoria de militares e de políticos, e de que a reforma deveria atingir esses grupos também, ser igual para todos. Mas, de uma forma geral, as pessoas não entendem o bem o que significa a reforma. Sabem que pode ser algo positivo para evitar que "o Brasil quebre".

Valor: O voto feminino foi importante para a eleição de Bolsonaro. Como as mulheres que o apoiaram o veem como presidente?

Isabela: Sentem-se contempladas, porque há figuras femininas no PSL importantes na articulação em Brasília. Essas políticas respondem à lógica do empoderamento sem feminismo.

Valor: Quem são elas?

Isabela: As deputadas federais Carla Zambelli e Joice Hasselmann (ambas do PSL de São Paulo). Elas estão em evidência e ajudam a rebater as críticas de que Bolsonaro é misógino.

Valor: E Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos?

Isabela: Damares tem uma percepção neutra para as bolsonaristas. Não é combativa como Carla e Joice, mas é reconhecida por agir a favor da família e contra a violência doméstica.

Valor: Em que aspectos Bolsonaro agrada os seus eleitores?

Isabela: As viagens internacionais fazem sucesso. Não importa o conteúdo do que ele apresenta lá fora, mas o fato de viajar para o exterior soa entre os apoiadores como uma atitude do presidente defendendo o Brasil e evoca a questão do nacionalismo.

Valor: Foi possível medir reações ao fato de Bolsonaro ter prometido indicar o filho, o deputado federal Eduardo (PSL-SP), para a embaixador do Brasil nos Estados Unidos?

Isabela: A percepção preliminar é que, se Eduardo for competente, os apoiadores aceitam, acham ok; mas, se Bolsonaro estiver indicando Eduardo só por ser seu filho, não é bom.

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