Cora Rónai
Como todo mundo que foi para a internet quando aquilo lá era tudo mato, eu também me ressinto de ouvir a palavra "hacker" aplicada a alguns borra botas que, provavelmente, nem HTML conhecem. No começo do mundo, isto é, ali pelos anos 1980, hackers eram pessoas que tinham mais interesse em saber como as coisas funcionavam do que em tocar fogo no circo.
Hackers eram programadores e escovadores de bits, que é como se chamavam as pessoas que não conseguiam deixar em paz o software do seu computador, gente que queria descobrir não só como aquele universo relativamente novo funcionava, mas também quais eram as suas falhas, e até onde se podia ir sem que ninguém percebesse.
Com o tempo, muitos hackers começaram a usar o seu conhecimento para o mal, e isso acabou dando um mau nome à atividade; mas hackers de verdade são, de fato, pessoas excepcionalmente habilidosas, e não gente como esses arararraquers, que apenas usam receitas desenvolvidas por outros.
Para a cultura hacker, os arararraquers são script kiddies, moleques sem talento e sem conhecimento técnico que usam scripts disponíveis na internet. Chamar um script kid de hacker é o que há de mais parecido com um sacrilégio para o povo do meu tempo.
Hacker era, por exemplo, Robert Morris, que estava estudando em Cornell quando infectou parte da internet com o primeiro worm de que se tem notícia. Um worm é um programa malicioso que se instala nos sistemas e se multiplica sozinho, hoje em geral com o intuito de roubar dados dos usuários. Em 1988, a ideia de Morris era descobrir o real tamanho da internet - mas um erro no seu script derrubou quase seis mil computadores, o que, na época, correspondia a dez por cento de toda a rede.
Morris foi a primeira pessoa processada e condenada pelo então recente Computer Fraud and Abuse Act. Prestou 400 horas de serviço à comunidade e pagou uma multa salgadíssima, mas hoje é professor titular de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação no MIT.
O mais famoso de todos os hackers de verdade é Kevin Mitnick, que ficaria mortalmente ofendido se fosse comparado com os manés que invadiram os celulares das nossas autoridades. Mitnick tinha 16 anos quando entrou ilegalmente no sistema da DEC e copiou o seu sistema operacional. Foi condenado por isso e passou um ano na cadeia, mas em seguida hackeou o sistema de correio de voz da Pacific Bell, o que pôs o FBI no seu encalço.
Mitnick passou dois anos e meio fugindo da lei -- usando, já então, celulares clonados -- e só foi preso, em 1995, porque um outro hacker, Tsutomu Shimomura, conseguiu rastreá-lo. Ele recebeu uma pena pesada e injusta de cinco anos, virou uma espécie de herói da contracultura e tem, hoje, uma bem sucedida empresa de segurança digital.
Ele é também um dos diretores da Zimperium, empresa especializada em segurança móvel conhecida pelo seu sistema de prevenção de invasões em, ora vejam, aparelhos celulares.
Se a turma da Lava-Jato tivesse tido uma conversa séria com Kevin Mitnick antes de sair trocando mensagens nos seus smartphones, os arararraquers continuariam em liberdade, praticando os seus golpinhos sem maiores consequências, e a própria história do país seria diferente.
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