Netto
segunda-feira, 30 de setembro de 2019
Choque de realidade
Diogo Fagundes
A profusão de pessoas com ensino superior e até mestrado ou doutorado sofrendo com a situação de desemprego ou obrigadas a trabalhar em serviços precários, como motoristas de aplicativo, serve pra nos lembrar da profunda mistificação contida numa ideia aparentemente justa: a de que bastaria ampliar o acesso à educação para que a sociedade se tornasse mais desenvolvida e igualitária.
Esta utopia de classe média contém objetivos progressistas, atrelados, no entanto, a uma concepção falsa acerca da estratificação social das modernas sociedades de classe: as contradições sociais, no mundo atual, não estariam mais relacionadas às relações de propriedade e ao antagonismo entre capital e trabalho. De acordo com toda uma sociologia recente, qualquer um poderia adquirir "capital cultural" numa era marcada pela economia pós-industrial e pela "sociedade da informação", bastando haver maiores oportunidades de educação e acesso aos bens culturais para todos.
Nos momentos de crise, no entanto, vemos a fragilidade dessas teses: é o movimento da economia capitalista que determina, afinal, qual destinação será dada às distintas aptidões e capacitações profissionais. Um doutor em biologia molecular ou física nuclear pode muito bem ser descartado em uma sociedade baseada em soja, minério de ferro, shopping center e Uber. A possibilidade de uma economia de um país continental se basear em exportação de produtos primários in natura e serviços de baixa produtividade e, ao mesmo tempo, produzir bem-estar social coletivo, mesmo na hipótese de uma estrutura educacional superior inclusiva e sólida, é pura quimera.
Sem uma base econômica correspondente, capaz de absorver uma demanda por novos egressos das universidades, a ampliação da educação superior recentemente realizada pelos governos petistas poderá formar uma legião de jovens com expectativas frustradas e ressentimento social explosivo. Não sei vocês, mas se eu me esforçasse para obter um diploma de engenharia para em seguida ter de fazer bico em aplicativo de comida eu ficaria extremamente puto com a sociedade e com as instituições políticas.
"Parabéns, ministra, pela demora", diz advogada a Rosa Weber depois de cliente morrer esperando julgamento
Fausto Macedo › Repórter da Lava Jato
“É com lástima que viemos aos autos juntar a cópia de atestado de óbito de Celmar Lopes Falcão, e dar-lhe os parabéns. Parabéns, Ministra, pela demora!”. Essa foi a anotação feita por uma advogada em um documento enviado ao Supremo Tribunal Federal para informar que seu cliente, um homem de 80 anos que aguardava julgamento da Corte há onze anos, morreu no último dia 16 em Pelotas, no Rio Grande do Sul.
“A sociedade está cansada de um Judiciário caríssimo e que, encastelado, desconsidera os que esperam pela ‘efetividade’ e pelo cumprimento das promessas constitucionais”, escreveu a advogada Lílian Velleda Soares na prestação de informações protocolada no Tribunal nesta quarta, 25.
No texto endereçado à ministra Rosa Weber, relatora que sucedeu a ministra Ellen Gracie no processo, quando esta se aposentou, em 2011, a advogada afirma ainda que a ministra ‘encarna’ ‘desprezo’ do Judiciário ‘pelo outro’ e diz ainda. ‘Informamos também que as pompas fúnebres foram singelas, sem as lagostas e os vinhos finos que os nossos impostos suportam’ – em referência à licitação de R$ 1,1 milhão que o STF anunciou, em abril, para refeições servidas pela Corte.
Em petições juntadas ao processo no STF, a advogada aponta que Celmar era parte em um processo na 2.ª Vara Federal de Rio Grande (RS) que em 2001, em fase de cumprimento, teria sido alvo de embargos de declaração. O objeto da ação seria o reajuste de 28,86% de seu benefício, que segundo relatado pela defensora no autos, teria sido concedido a Celmar administrativamente pelo Poder Judiciário em 1999.
A defensora indica que o trâmite do processo, no entanto, estaria suspenso por causa dos reflexos de um Recurso Extraordinário apresentado em maio de 2018 à Corte máxima pelo INSS.
Na época, o processo foi distribuído para a ministra Ellen Gracie, que se aposentou em agosto de 2011. Em dezembro do mesmo ano, a relatoria do processo foi redistribuída à Rosa, a sucessora de Ellen. Rubricado como de ‘repercussão geral’, o processo exige análise do Plenário do Tribunal.
No documento, a advogada afirma ainda que desde maio de 2012, ‘suplica’ o julgamento do Recurso Extraordinário.
“No entanto, o STF não cumpriu, até hoje, o dever de prestar jurisdição de forma célere”, ela escreve.
Em petições anteriores, a defensora requereu prioridade na tramitação do processo na Suprema Corte brasileira, fazendo ainda diferentes indicações sobre o estado de saúde de Celmar.
Um dos pedidos anota que o homem tinha Mal de Parkinson e precisaria da verba embargada para tratamento. Em tal documento, a advogada diz: “Esta é necessária antes da morte, Excelência pois para a barca de Caronte, apenas uma moeda é bastante”.
Além do informe sobre a morte de Celmar, a defensora enviou duas comunicações à Corte em 2019. Uma em março, pedindo que o recurso fosse incluído em pauta e julgamento, e a outra em agosto, informando sobre a piora do quadro de Celmar, que foi internado com diagnóstico de ‘lesão expansiva sugestiva de meningioma’.
O Recurso no qual Celmar era parte interessada foi protocolado em maio de 2008 pelo INSS contra um acórdão 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Paraná. Na ocasião, os magistrados negaram o pedido feito pelo instituto de seguridade para declarar da inconstitucionalidade de ‘coisa julgada’ – uma sentença que reconheceu o direito de um segurado a ter seu benefício de pensão por morte revisado. O órgão tinha como objetivo suspender o cumprimento da sentença, ou seja, ‘pagamento das prestações vencidas calculadas e implantação da revisão do benefício’.
O INSS então recorreu ao Supremo alegando violação de dois pontos da Constituição – o artigo 5 inciso 36, da coisa julgada e ato jurídico perfeito, e o artigo 195 inciso 5, da ‘pré-existência de custeio’.
O teor do RE também é abordado pela advogada de Celmar, em uma petição de 2014. No documento, ela diz que o recurso ‘desconstitui a autoridade da coisa julgada em benefício da Administração Pública e afirma: “A experiência histórica da relativização da coisa julgada no Nazismo adverte do perigo de se desprestigiar as decisões judiciais para atender os interesses do governo de plantão”. Depois ela faz uma pergunta: “Então ministra Rosa Weber, que papel Vossa Excelência desempenhará na História?”
COM A PALAVRA, ROSA WEBER
A reportagem busca manifestação da ministra Rosa Weber. O espaço está aberto.
Lula rejeita progressão de regime feito pela Lava Jato
Lula desafia Lava Jato e diz que não aceita barganha para sair da prisão
Em carta, o ex-presidente Lula disse que não aceita barganhar seus direitos e sua liberdade e que "cabe à Suprema Corte corrigir o que está errado" em sua condenação. "Não descansarei enquanto a verdade e a Justiça não voltarem a prevalecer", diz Lula.
Em carta, o ex-presidente Lula disse que não aceita barganhar seus direitos e sua liberdade e que "cabe à Suprema Corte corrigir o que está errado" em sua condenação. "Não descansarei enquanto a verdade e a Justiça não voltarem a prevalecer", diz Lula.
O bestialógico bolsonarista
Com Jair Bolsonaro e sua ‘ideologia’, o Brasil comete suicídio
O cidadão ancorado ainda à Razão, a despeito da mídia, encara o bestialógico bolsonarista tomado de espantoMino Carta
Tivesse Bolsonaro realizado a encenação humorística do seu discurso de terça 24 de setembro em algum teatro off Broadway de um bairro periférico de Nova York, teria conseguido notável êxito de público e crítica. Infelizmente, para todos nós, conscientes ou não, o ex-capitão falou da tribuna das Nações Unidas e ofereceu ao mundo a sua capacidade de representar tanto a patetice quanto a parvoíce que caracterizam o Brasil pós-golpe de 2016.
O Le Monde escreveu que se tratou do discurso de um ditador e não me permito negar que Bolsonaro revela uma vocação ditatorial. Vai além, entretanto, ele se atribui a tarefa messiânica de doutrinar a população global em peso. Está claro que sua defesa da soberania nacional, formulada em tom imperioso, apela para velhos, insopitáveis recalques do país do futebol, embora a lição seja de mais largo alcance, trata-se de recolocar nos trilhos não somente o Brasil, mas também o próprio mundo, envenenado pela ideologia.
Assunto já caduco desde a queda do Muro de Berlim, e que o bolsonarismo renova com o transparente propósito de elucidá-lo mais profundamente ao propor a sua ideologia. Assim como a corrupção nasce do socialismo, o tormento ambiental que hoje move fluviais manifestações da juventude de inúmeros países foi inculcado pela tal da ideologia daninha, de resto igual ao que se deu em relação a todos os males a afligir o planeta, os mesmos que a ditadura nativa e seus torturadores e censores tão bravamente combateram. No mais sobram as falácias que a humanidade engole, tais como a ideia de que a Amazônia é o pulmão da Terra. De verdade, ela é território brasileiro e nós ali agimos como bem entendemos, até fazer dela o Saara americano.
Bolsonaro diz quanto realmente logra pensar, e creio não caber dúvida de que considera ter argumentos irrefutáveis para convencer a plateia nativa e semear dúvidas naquela internacional. Quem convoca o general Heleno e o chanceler Araújo entre seus conselheiros guarda na algibeira os endereços do Bem e do Mal. Ocorre-me a possibilidade de que tenha plantado a árvore do Paraíso Terrestre, rincão infinito do esboço divino do Brasil atual, “seguro e hospitaleiro”, onde balas muito bem intencionadas abatem meninas faveladas.
O cidadão ancorado ainda à Razão, a despeito da mídia, tibiamente crítica desta vez, mas sempre determinada a manter a mão longe da ferida, encara o bestialógico bolsonarista tomado de espanto, quando não de terror, diante de uma situação gravíssima, criada por um bando de dementes levados ao poder pelo próprio Brasil. A demência no caso é resultado de delírios alucinados que encontram ecos na chamada classe média brasileira jamais bafejada pelos valores da civilização em um país dos mais desiguais e ignorantes do mundo e agora, graças a Bolsonaro, encaminhado inexoravelmente para o suicídio, máxima negação de si mesmo.
LULA: DA ESTAÇÃO FINLÂNDIA À ESTAÇÃO PAULISTA
Carlos D'Incao
Aqueles que possuem um pouco de conhecimento sobre a grande Revolução de Outubro já ouviu falar sobre a importância da chegada de Lênin em abril de 1917 na Rússia, na famosa “Estação Finlândia”. Poucos sabem, porém, que as circunstâncias para que Lênin chegasse até ali não foram apenas difíceis... foram dramáticas e extremamente arriscadas.
Lênin estava vivendo no exílio há anos. Acompanhava as condições da Europa e da Rússia com atenção, diligência e sagacidade. Onde quer que estava residindo era vigiado pela polícia e por espiões. Vivia com as “tornozeleiras eletrônicas” da época. Quando saiu de Zurique rumo a Petrogrado não o fez sem negociar diversas garantias - algumas delas que o reduziam à humilhante condição de um delinquente comum - para chegar em seu destino final.
Seria muito fácil para Lênin ficar no exílio da neutra e pacata Zurique e dizer que apenas retornaria para a Rússia com sua “liberdade plena”, uma parada militar para recebê-lo e com os juízes que o condenaram na cadeia ou no exílio.
Afinal, Lênin já era internacionalmente reconhecido como grande intelectual e revolucionário marxista... e a História bem sabe que ele não era culpado de nenhuma das acusações feitas pelo czarismo e muito menos pelo governo provisório (das acusações mais vulgares estava a de que ele era um espião alemão que conspirava contra a Rússia na primeira guerra).
Mas Lênin sabia da gravidade política da Rússia e seu retorno estava muito além de seus desejos pessoais. Tratava-se de seu dever revolucionário. Quando conseguiu finalmente descer na Estação Finlândia se apressou em organizar forte resistência ao governo provisório e organizou o processo revolucionário que, sem o qual, hoje inexistiria a estrela vermelha do PT, o próprio Lula, o PC do B, o PCB, o PSOL e toda a esquerda como a concebemos.
Na Rússia, Lênin continuou com sua “tornozeleira eletrônica”, tendo diversos espiões no seu encalço, até ser informado de que sua prisão estava decretada novamente... mas ele não se entregou... foi para a clandestinidade e ali permaneceu até a vitória da Revolução.
É importante frisar: Lênin percebeu que em determinados momentos da História cabe a 1 ou poucos indivíduos representarem interesses de suma importância para toda uma coletividade. Ao ter essa percepção assumiu o enorme fardo de abrir mão de sua vida como indivíduo para abraçar uma nova vida como liderança política, onde seria o protagonista central de um período de guerra e revolução.
Na primeira vida (como indivíduo) o que ele fez ou deixou de fazer cabia a apenas a ele; na segunda é o dever histórico que dominou a sua vida.
Da “Estação Finlândia” caminhemos agora para a “Estação Paulista”, avenida que é o palco central dos grandes protestos nacionais - sejam da esquerda ou da direita. Nessa Estação vivemos a necessidade da presença de uma liderança que, por circunstâncias históricas determinadas, se tornou em um símbolo de resistência a um projeto neoliberal que está trucidando a esperança de toda uma nação e que ameaça não apenas a soberania nacional, mas a soberania de toda a América Latina.
Essa liderança é o Lula.
Lula não foi preso como indivíduo, mas por ser justamente essa liderança política. Sua vida como indivíduo nada representa no mundo jurídico. Apenas sua pessoa política, o seu símbolo, o seu significado... apenas isso é o que importa.
Circunstâncias muito particulares abriram a possibilidade de ele ser libertado da prisão em breve. Em regime com vigília e talvez tornozeleira eletrônica. Pouco importa. Tenho a certeza de que Lênin não pensaria duas vezes em aceitar a liberdade e que em seu primeiro discurso quebraria essa tornozeleira e diria: “Nunca mais nenhum bandido fascista me colocará na cadeia!”
Há um jogo nebuloso que envolve essa questão de regime semi-aberto que não interessa à esquerda. Há aqueles que acham que existe uma armadilha para o Lula, que se ele aceitar o semi-aberto de alguma forma aceita sua culpa...
São especulações...
Pode ser que a armadilha seja o reverso, ou seja, tudo está armado para que Lula não aceite o semi-aberto e, desta forma, a justiça poderá desacelerar a análise de sua liberdade plena e julgá-la só sabe quando... afinal o seu gesto pode ser interpretado como soberba...
Mais uma vez: especulações...
Estou certo de que Lula deveria aceitar sem pestanejar qualquer liberdade. Afinal, se está tão “magoado” como indivíduo por ser vítima de uma injustiça, poderia ter se rebelado antes e não se entregado à polícia... ou poderia ter pedido asilo político... Mas ele não é mais um indivíduo. Ele é um símbolo do qual o Brasil e a América Latina necessita.
Espero apenas que o espírito do grande Lênin inspire Lula a fazer o que é certo. Minha esperança é vê-lo descer na Estação Paulista e que a mesma se torne na nossa Estação Finlândia. Espero vê-lo livremente dizer que está ali - em carne e osso - na defesa do povo, da nossa soberania e contra essa camarilha fascista que tomou conta do país... algo que na cadeia é impossível de se fazer...
Cabe somente a Lula decidir se vai ou não vai aceitar a progressão de regime
Luis Felipe Miguel
Cabe a Lula decidir se vai ou não vai aceitar a progressão de regime que eventualmente lhe será proposta.
Lula é um líder político e há de fazer seus cálculos. É possível que tentem incluir cláusulas para humilhá-lo - a mídia especula uma exigência de uso de tornozeleira eletrônica, absolutamente despropositada, incabível.
Mas é importante ter em mente que aceitar o semiaberto não é aceitar a legitimidade da punição e do julgamento. Não é abrir mão da exigência da anulação do julgamento e de punição para o bandido de terno preto que então se fazia de juiz. Não é renunciar ao #LulaLivre - uma campanha, aliás, que é responsável pela crescente consciência da iniquidade da sua prisão e pelos recuos, ainda tímidos, de alguns de seus algozes.
Lula, para além do político, da lenda, é um ser humano, um homem de mais de 70 anos. Quantos dos últimos anos da sua vida ele vai desperdiçar numa cela em Curitiba, longe dos amigos e da família?
Eu, no lugar de Lula, não hesitaria. Mas, claro, eu não sou Lula. Seja qual for a decisão que ele tome, é uma decisão sobre sua própria vida - que deve ser respeitada. Minha solidariedade ao perseguido político e minha adesão à campanha pela anulação dos julgamentos injustos continuarão inalteradas, seja de um jeito ou de outro.
A crise da Lava Jato
Celso Rocha de Barros
Já está claro que Bolsonaro não tem o mais remoto interesse em brigar pela operação
A semana passada foi muito ruim para a Lava Jato, começando com a derrota, de efeitos práticos incertos, no STF (Supremo Tribunal Federal), passando por novas denúncias da Vaza Jato e culminando no episódio grotesco em que o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, declarou que quase matou Gilmar Mendes a tiros. O ex-senador tucano Aloysio Nunes declarou que a operação manipulou o Supremo durante o processo de impeachment. Enquanto escrevo, ouço que a força-tarefa da Lava Jato lançou a campanha "Lula mais ou menos livre", e pediu sua mudança para o regime semiaberto. Especula-se que seja uma estratégia para evitar a anulação da sentença contra o ex-presidente.
Se tudo isso tivesse acontecido em 2015, o país estaria em convulsão. O auge do lavajatismo passou quando Dilma caiu, mas houve um novo surto de entusiasmo com a eleição de Bolsonaro e a nomeação de Moro para o Ministério da Justiça.
Vou morrer sem entender por que, em algum momento, o Brasil achou que Jair Bolsonaro estava preocupado em combater a corrupção. O atual presidente da República sempre foi um político do baixo clero, nunca teve qualquer participação nas investigações de corrupção no Congresso (alguém se lembra dele se destacando em qualquer CPI?), foi um dos articuladores da campanha de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara e apoiava Picciani no Rio de Janeiro. Em algum ponto de nossa loucura recente, achamos que esse sujeito era o Batman.
A esta altura, já está claro que Bolsonaro não tem o mais remoto interesse em brigar pela Lava Jato. Sua família é envolvida no esquema Queiroz, ele mesmo talvez também seja, e Moro seria um adversário forte na eleição de 2022.
Mas o aparelhamento bolsonarista dos órgãos de controle não é o que de mais grave faz o presidente da República contra o combate à corrupção no Brasil. O xeque-mate contra a operação foi a captura das manifestações de rua pelo autoritarismo bolsonarista. Muita gente que gostaria de protestar contra a decisão do STF não quer ir em uma passeata com os caras que defendem o fechamento do tribunal e a implantação de uma ditadura de extrema direita.
E a esta altura não é mais possível duvidar de que é isso que o bolsonarismo quer. Quando Janot declarou que pensara em matar Gilmar Mendes, a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) postou que entendia as razões de Janot. Apagou o post depois, mas a mensagem já circulava: no submundo do crime virtual bolsonarista, as insinuações de que Janot deveria ter matado Gilmar correram soltas.
Nesse quadro, a relação de forças na briga entre lavajatismo e sistema político virou. Ficou difícil convocar manifestações, e a imprensa tem bem menos entusiasmo pela coisa toda desde que Moro passou a fingir que não vê a guerra bolsonarista contra a imprensa livre.
...
P.S.: Poupei vocês do último parágrafo porque é aquele obrigatório para manter o emprego na Folha: Não importa o assunto, tem que incluir uma defesa do golpe, da Lava Jato ou ataque a Lula. Sabem como funciona a imprensa livre, não é?
Na África, o Brasil já era
Mathias Alencastro
Vazio deixado pelo país no continente foi ocupado por China, Israel e Japão
Momentos antes de encerrar o seu discurso atormentado na ONU, Bolsonaro se disse ansioso para visitar “os amigos africanos”.
Não se sabe se os chefes de Estado de 54 países radicalmente distintos apreciaram o amálgama, mas uma coisa é certa: eles não estão morrendo de saudade.
Quando o ciclo de alta dos recursos naturais se esgotou e o Brasil começou a se retirar do continente, até desaparecer completamente depois de 2017, os principais países da região engataram uma nova fase de crescimento.
A habitual narrativa megalomaníaca de tiranos decadentes deu lugar a procedimentos mais sóbrios e realistas promovidos, em alguns casos, por uma nova geração de líderes.
A joia da coroa, a Etiópia, atravessa uma transformação sem precedentes.
A política de industrialização encetada por um governo reformista e teleguiada por investidores asiáticos levou à decolagem de todos os indicadores do país.
Moçambique, onde o Brasil era um dos principais investidores externos por meio da Vale, acabou de anunciar a entrada da francesa Total no seu megaprojeto de gás natural, uma transação de mais de US$ 8 bilhões (R$ 33,2 bilhões). As duas nações almejam crescer mais de 5% anualmente na próxima década.
Os sinais positivos vão além da economia. A Nigéria assegurou a sua transição democrática, enquanto as instituições da África do Sul dobraram, mas não quebraram, face ao ataque populista do ex-presidente Jacob Zuma.
Em Angola, ativistas outrora perseguidos pelo longevo ditador e membro de honra da família Odebrecht José Eduardo dos Santos são agora recebidos pessoalmente pelo novo presidente, João Lourenço. Na contramão do resto do mundo, a democracia na África resiste e, ainda que prudentemente, progride.
Desconhecemos os planos do governo Bolsonaro para a África. Quando deixa de lado os debates sobre os sentidos do terraplanismo, o chanceler Ernesto Araújo balbucia algo sobre fechamento das embaixadas —fantasia nunca realizada— e a necessidade de proteger comunidades católicas, numa provável referência ao conflito em curso na região norte de Moçambique.
Nenhum resquício de estratégia para as pequenas e médias empresas que conseguem prosperar sem a ajuda do Estado, mas ainda requerem um mínimo de coordenação com o Itamaraty para tocar os seus negócios.
O vazio deixado pelo Brasil já foi ocupado. Israel e Japão, citados como exemplo por Bolsonaro, anunciaram recentemente programas de investimento bilionários. Há muito tempo que chineses deixaram de ser vendedores de videocassete paraguaio. Agora realizam obras de engenharia premiadas com materiais e empregados locais.
Só os mais distraídos continuam vendo a África como um eldorado ou um coração das trevas. Para os donos do dinheiro, o continente é um mercado cada vez mais competitivo onde a chave do sucesso está no engajamento a longo prazo.
Menos de dez anos atrás, o Brasil era conhecido como um ator promissor no continente, proporcionando uma alternativa aos governos africanos interessados em diversificar o seu leque de aliados. Atualmente, para a África, o Brasil é passado.
Mathias Alencastro
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Mourão é a antítese do militar nacionalista, o ignorante motivado
Por Leandro Fortes
Os recentes elogios do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, a bandeirantes e donatários tem um simbolismo duplamente deplorável.
Essencialmente, Mourão reforça a ideia de que as entradas e bandeiras, as primeiras, expedições patrocinadas pelo reino de Portugal, as segundas, por mercadores privados, foram um movimento civilizatório - e não a barbárie de violência, ganância e escravidão que realmente foram, nos séculos XVI e XVII.
Como pano de fundo, o elogio do general, ele mesmo, um caboclo miscigenado de fortes traços indígenas, reflete a submissão doutrinária do militares à narrativa histórica oficial. Aliás, sem surpresa alguma: na campanha eleitoral de 2018, Mourão disse que o brasileiro herdou a "indolência" do índio e a "malandragem" do africano.
Um oficial general repetir esse cantilena racista, no alvorecer do século XXI, é, antes de tudo, um desalento. Mas explica muito da inércia do Exército e, por extensão, das Forças Armadas, diante da destruição moral e patrimonial do Brasil, promovida pelo governo do qual Mourão é vice-presidente.
Mourão é a antítese do militar nacionalista, essa figura mítica que, por anos, habitou o imaginário popular da esquerda brasileira.
Não por outra razão, repete, como um papagaio, o discurso das elites nacionais que construíram o mito do bandeirante desbravador e do donatário empreendedor obrigados a conviver com a indolência dos índios e a malandragem dos negros por eles escravizados e esfolados, sertão adentro.
É esse tipo de militar que anos de isolamento e de não intervenção civil na caserna geraram: o ignorante motivado.
domingo, 29 de setembro de 2019
Dez diferenças entre o fascismo e o socialismo e por que colocar igualar os dois é um atestado de ignorância
Fernando Horta
Dez diferenças entre o fascismo (e o nazismo) e o socialismo, e por que colocar os dois no mesmo saco é um atestado de burrice e ignorância.
1) o fascismo e o nazismo são doutrinas que não aceitam as diferenças sociais. Para estas doutrinas, toda diferença gera atrito e em todo atrito há perda de energia social. Assim, a sociedade tem que ser completamente homogênea em termos de classe, raça, costumes, religião e etc.
Para o socialismo, a diferença é o motor da história. É somente numa sociedade plural que se manifesta o atrito e o atrito (a luta) é o que move as sociedades em direção a evolução. As diferenças de classe, no entanto, devem ser suprimidas como condição para o socialismo. Contudo, só estas e apenas estas. Todas as outras manifestações de diversidade devem ser preservadas e incentivadas. E já que as condições econômicas não são ontologias humanas, não há nada de problemático em negar esta diversidade.
2) O fascismo e o nazismo glorificam a violência e, em última instância, a guerra. Tanto Hitler, quanto Mussolini, pensavam em mundo "renascido" após a brutalidade da guerra. Segundo eles, é a guerra (a suprema violência) que faz os "fortes emergirem e os fracos perecerem" e, por isto, conduz as sociedades ao seu "destino" de serem superiores. Tomados em microuniversos, a violência dentro da sociedade realiza o mesmo efeito, de "depurar" os fortes e fortalecer os regimes.
O socialismo abomina a violência. Marx escreveu diversas vezes que a revolução se dava no ponto máximo da violência social e somente quando esta violência não era mais suportável pelos desfavorecidos. A violência transformadora da revolução seria pontual, como uma explosão e, então desnecessária. Toda violência extra, necessária para "fazer a revolução acontecer" ou para "manter o poder revolucionário" indicaria que não havia condições materiais para a mudança. A violência, se não fosse um chiste de mudança, indicaria SEMPRE um erro. Ou se haviam adiantado os processos históricos ou não se teria ainda atingido as condições de consciência para a mudança.
3) Por glorificar a violência e abominar a diferença o fascismo e o nazismo trazem como condição lógica de sobrevivência as ditaduras. É o controle do Estado o fim último dos regimes nazifascistas. É o Estado que deve coordenar, liderar, aglutinar, coibir, punir e etc.
Por glorificar a diferença e abominar a violência o socialismo traz como condição lógica de sobrevivência uma sociedade politizada em que as divergências sejam resolvidas de forma democrática. A "ditadura do proletariado" seria apenas um período de depuração das reminiscências de classe. Apenas para destruir o sistema econômico capitalista que cria e recriar-se a si mesmo. Este período NÃO É o objetivo do socialismo. No estágio final da mudança socialista, quando o comunismo seria alcançado, o Estado deixaria de existir, pois sua única função, na teoria socialista, seria defender as diferenças de classe. É condição necessária e inafastável a democracia para o socialismo. Democracia, consciência de classe, educação e cultura generalizados.
4) O fascismo e o nazismo vivem em apego ao "tradicional". O que mantém as diferenças entre os homens, o que foi plasmado no tempo e nas culturas é sempre exaltado como algo que "sempre foi assim" e não deve mudar. Desta forma, há uma tensão entre o novo e o velho no fascismo. O novo só é aceito se reverencia, fortalece e se submete ao velho. Isto leva, por exemplo, à glorificação da ciência apenas como bengala tecnológica. Para "tornar a vida melhor" e mais próxima do que "era", sem essencialmente mudar nada.
O socialismo necessita transgredir com o passado. É rompendo com as amarras dos caminhos já trilhados que o socialismo busca uma nova alternativa de sociedade, de economia, de cultura e etc. Isto representa uma busca e incentivo pela mudança EM TODAS AS áreas. A ciência não é apenas medida pelo seu caráter instrumental, mas pela possibilidade de romper com o passado e construir o futuro.
5) O nazismo e o fascismo são necessariamente expansionistas em termos geográficos. Dado que a diferença é algo ruim, toda a expansão do nazismo e do fascismo dependem da tomada de terras, de riquezas naturais, de áreas vitais e pontos estratégicos. Com estes recursos, o regime mobiliza sua força para exterminar o diferente e plasmar a noção autoritária.
O socialismo independe do expansionismo geográfico. O ponto essencial é a formação de consciência nos indivíduos. Já que toda a riqueza advém do trabalho, não é necessário uma mina de ouro, para gerar riqueza, mas trabalhadores conscientes do seu local no processo de produção, no seu tempo histórico e no seu espaço social. Independe de terra e sim de pessoas. O socialismo investe em escolas, ciência, cultura, artes como veículos de transformação social e não em polícia, armas, bombas e etc.
6) O nazismo e o fascismo necessitam do Estado e do nacionalismo. O nacionalismo é vendido como uma série de valores "comuns", mas que de 'comuns' nada têm. O nacionalismo tóxico, como valor etéreo simbolizado por bandeiras, cores, uniformes, cânticos e etc., não remete a qualquer realidade fática na história ou sociedade. É um anseio homogeneizador das elites que busca fazer desaparecer as diferenças sociais pela elevação a mito de narrativas que, na maior parte das vezes, são falsas.
O socialismo denuncia o uso do nacionalismo como combustível da violência e busca a ruptura com os laços ideológicos da diferença por "nação". Todo o homem, nascido em qualquer parte, tem direito às condições materiais que propiciem sua existência. Não se pode negar aos homens os direitos de sua existência porque eles nasceram sob a bandeira de A ou B. Buscando uma noção de sociedade global, o socialismo prega que não deve ser pelo nascimento que ocorre o surgimento das diferenças entre os seres humanos.
7) o nazismo e o fascismo são profundamente capitalistas. Capitalismo NÃO É o mesmo que "livre mercado" ou "liberdade econômica". Capitalismo é a extração e retenção privada da mais valia como um sistema que se reproduz material e ideologicamente baseado na ideia excludente de "propriedade privada dos meios de produção". O capitalismo que o nazifascismo defendeu sempre foi um capitalismo de corte nacionalista e que se abjurava o financismo internacional. Mas foi sempre defendendo a propriedade privada, e tornando os trabalhadores dóceis e dominados para aumentar a extração de mais valia que o regime se desenvolveu.
O socialismo se opõe a acumulação privada de recursos e à extração privada de mais valia. Afirma que toda a riqueza é socialmente construída e que o homem é, através de seu trabalho produtivo, o gerador desta riqueza. O sistema socialista não defende o fim da "propriedade privada" (tomados como casa, roupas ou utensílios), mas apenas a propriedade privada que seja usada para extração de mais valia. Posses que não sejam objeto de exploração não são proibidas. Apenas tudo aquilo que gera riqueza o deve fazer em benefício de toda a sociedade e não apenas de um punhado de pessoas.
8) O nazismo e o fascismo possuem PROJETOS POLÍTICOS de extermínio e mudança pela morte. Seja com base no racismo ou seja com base numa superioridade cultural de determinados indivíduos ou sociedades, há um claro projeto de extermínio, um ataque sistemático ao direito de vida de todos os que não compactuam com o regime.
O socialismo tem um projeto político de mudança social e nunca de extermínio. As estruturas econômicas do capitalismo devem ser exterminadas e NÃO os capitalistas ou os trabalhadores que acreditam nestes valores. Isto porque o socialismo advoga a ideia de que a materialidade gera suas explicações ideológicas às quais os homens não tem total possibilidade de rejeitar por serem parte desta formação. A vida é o bem maior a ser preservado e não a propriedade. Os capitalistas devem ser privados de suas posses, de suas ferramentas de dominação e não de seus direitos como seres humanos.
9) O nazismo e o fascismo tem um projeto de futuro inalterado. O futuro é um espaço de manutenção de conservação do mundo "como era no passado". Daí a tara que os fascistas e nazistas têm pelos passados mitificados (a glória dos dias de outrora). O futuro é, pois, o mais parecido possível com este passado glorificado. E pela certeza que "já aconteceu", o fascista tem por certo que "pode voltar a acontecer". Neste sentido, tudo o que apela para um futuro inovador, incerto, diferente e etc. é tratado como subversivo, criminoso e indesejável. E aí entra o ataque à ciência e à educação.
O socialismo desafia os seres humanos a romperem com as amarras do seu passado e buscarem um futuro radicalmente diferente. Assim, tudo o que glorifica, remete, e plasma o passado é considerado indesejável, subversivo e até criminoso. Os olhos e a preocupação das sociedades devem estar voltadas para o futuro. O passado deve ser conhecido como o local onde já se esteve e não se quer voltar.
10) O nazismo e fascismo acolhem TODAS as ferramentas de dominação ideológicas. Da religião à estética, tudo o que pode exercer uma dominação "sem sangue" é utilizado pela exata falácia de dizer-se "não-ideológico". Por esconder que a religião traz ferramentas de dominação de classe, que é ideológica e que recria processos de dominação, o fascismo tenta criar uma ideia de "neutralidade". Assim faz com absolutamente tudo, do nacionalismo aos espaços geográficos e culturais. O objetivo é encobrir os processos de dominação e manter os indivíduos no campo da ignorância. Daí o ataque à política que é a via mais clara de disputa de poder em nossas sociedades.
O socialismo DENUNCIA todas as formas implícitas de luta ideológica. Desde a religião, até o Estado e cultura, tudo é passível de um olhar crítico. Ao mesmo tempo, o socialismo abertamente se reconhece ideológico. É pela transparência das disputas político-ideológicas (e não por escondê-las) que se chega a uma sociedade plural. É a política a ferramenta mais efetiva de resolução dos nossos conflitos de poder. O socialismo diz abertamente que tem lado, que lado é este e quem ele defende. Não esconde que o mundo é um local de disputa por recursos e nem esconde que é violento. Tornar os discursos transparentes em sua ideologia é o caminho do socialismo.
Os generais de Bolsonaro
Moisés Mendes
O bolsonarismo nos ajuda a enxergar o que talvez nunca viesse a ser exposto sem a extrema direita no poder: não há uma elite de generais no Brasil com um mínimo de brilho ou de pensamento complexo, como havia na ditadura.
Há apenas operadores a serviço de Bolsonaro. Ou há elite pensante entre os que estão fora do poder? Ou esses que estão aí podem ser considerados de elite? Ou o conceito de elite mudou?
O vice, general Hamilton Mourão, de quem alguns esperavam alguma coisa e hoje ninguém espera mais nada, escreveu ontem essa barbaridade no Twitter:
“Na data de hoje, em 1532, o Rei D. João III criava as #capitanias no #Brasil. Descoberto pela mais avançada #tecnologia da época, o País nascia pelo #empreendedorismo que o faria um dos maiores do mundo. É hora de resgatar o melhor de nossas origens”.
Imaginem que o homem publicou #capitanias assim mesmo, com hashtag, imaginando que sua surpreendente análise iria bombar. E bombou, submetida a todo tipo de sarro.
Fernando Haddad acompanhou as reações da maioria e escreveu:
“Opinião de um dos cérebros do governo”.
Algum déficit de formação pode ter mediocrizado os generais a ponto de um deles defender as capitanias hereditárias como exemplo de empreendedorismo e de outro pregar que a Terra é plana. Os acadêmicos poderiam investigar.
Se eles pensam assim na paz, nos atemoriza o que poderiam pensar numa guerra, se Bolsonaro decidir invadir a Venezuela.
Witzel encontra paz e amor na matança
Governador vê “pessoas mais felizes” no Rio, onde 15 pessoas são mortas todo dia (cinco pela polícia), inclusive crianças como ÁgathaLuiz Fernando Vianna
Para que policiais do Rio de Janeiro ganhassem bônus semestrais, um dos fatores levados em conta era a redução do número de mortes causadas pelas forças de segurança. Não é assim desde a terça 24. Como informou naquele dia o colunista de ÉPOCA Guilherme Amado, o governador Wilson Witzel retirou o indicador do cálculo.
Na prática, ele criou novo incentivo para que se mate mais. De janeiro a agosto deste ano, 1.249 pessoas perderam a vida em confrontos com a polícia, aumento de 16,2% em relação ao mesmo período de 2018.
E não entram na soma as “balas perdidas” que fazem vítimas fatais durante operações. Cinco crianças morreram de fevereiro para cá. A quinta foi Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, no Complexo do Alemão.
Parentes e testemunhas sustentam que saiu da arma de um policial a bala que a atingiu. Apenas três dias após a morte da menina, Witzel mandou publicar no Diário Oficial a mudança no cálculo dos bônus. Acaso ou sadismo?
O governador já levara mais de 48 horas para comentar o que ocorrera com Ágatha. Quando o fez, na segunda 23, foi para dizer que sua “política de segurança é exitosa”, que está reduzindo o número de homicídios no Estado a “patamares civilizatórios” (2.717 de janeiro a agosto) e que “é indecente usar um caixão como palanque” – exatamente o que ele fez ao comemorar na Ponte Rio-Niterói a morte do sequestrador de um ônibus, em 20 de agosto.
No Brasil de 2019, está difícil se espantar com gente que saliva ao falar em morte. Banalizou. Mas é preciso perseverar.
No sábado 28, o Globo publicou em seu site uma entrevista com Witzel, dada na Área VIP do Rock in Rio. Vale comentar cinco trechos.
“Os grandes eventos trazem visibilidade para o Rio e trazem turistas que passam a ver os efeitos de nossa política pública de segurança. Eles começam a enxergar como o Rio de Janeiro está sendo pacificado, com a polícia na rua, as pessoas mais felizes, o clima mudando no Rio de Janeiro. E, como a gente diz, virando o jogo.”
Pacificado? Ao menos dez pessoas são assassinadas diariamente no Estado, e a polícia mata mais cinco. Se alguém está mais feliz, talvez sejam ele e sua mulher, que aparecem sorridentes na foto de divulgação.
“Eu sou uma pessoa que não fica intimidada diante de desafios. Quero um Rio de Janeiro pujante o ano todo.”
Pujança é igual a matança?
“Estou em contato com o prefeito de Miami para me aproximar da Disney. O Rio pode ter uma visibilidade maior lá para trazer o turista para cá. Tem a conversa para trazer um parque da Disney aqui. Em Guaratiba há uma área que pertence à Igreja. São cinco milhões de metros quadrados.”
O governador sabe bastante bem que Guaratiba é dominada por uma milícia. Ele vai oferecer esse modelo de segurança à Disney? O parque da Disney movimentará ainda mais os negócios da milícia? Assim como na Copa e na Olimpíada, o cidadão fluminense vai pagar o pato e ficar com cara de pateta?
“O sambódromo pode ter um carnaval fora de época, que pode ser outubro, para aproveitar a criançada. Podemos fazer um carnaval junino, com as quadrilhas. O Rio de Janeiro já teve 800 quadrilhas e hoje tem 80.”
Ágatha e outras crianças que estão morrendo por causa da política de segurança “exitosa” de Witzel não vão poder brincar o carnaval fora de época. Já quadrilhas nunca faltarão no Rio. Se o número caiu é porque a riqueza nesse ramo está mais concentrada.
“Também penso em fazer um grande evento das polícias, uma demonstração das forças operacionais da polícia, com aeronaves, com o corpo de bombeiros. A população gosta de participar.”
Esses eventos têm sido diários, com policiais disparando de helicópteros sobre favelas. A população, inclusive crianças, participa tentando se proteger das balas. Já não é suficiente?
Como reportagem publicada pelo Globo neste domingo 29 explica, o que Witzel está conseguindo, com seu governo anticivilizatório, é ganhar projeção nacional. Sonha ser presidente para, quem sabe, federalizar as Ágathas.
Manifestante que pedia ditadura agora sente falta da liberdade de se manifestar contra o governo
A manifestante Rosângela Muller, que gravou um vídeo afirmando que bandeira do Japão, estampada em um painel no Congresso ao lado da bandeira brasileira em comemoração ao centenário da imigração japonesa, se tratava de um “símbolo comunista”.
Autoridades escoiceando à solta estimulam a que seus esbirros façam o mesmo
Ruy Castro
País de maus bofes
Não sei bem o que significa perder as estribeiras, mas, seja o que for, o Brasil parece estar perdendo as suas. Pelo que podemos ver no noticiário e em nós mesmos, tornamo-nos 200 e tal milhões de sujeitos que passam o dia chutando baldes, rosnando ameaças e usando toda espécie de canal para destratar os inimigos, os adversários e até os simples desafetos. Ninguém mais tolera ninguém, ninguém admite um pensamento contrário. A continuar assim, vamos passar a nos esbofetearmos ou cuspir uns nos outros à guisa de bom-dia.
O exemplo vem de cima. Num país em que o presidente é o primeiro a não perder uma oportunidade de ejacular desaforos e descompor pessoas, inclusive ao microfone da ONU, como esperar moderação de seus chefiados? E, se esse presidente exerce a política da terra arrasada, da desarmonia entre os poderes e do desmantelamento das instituições, por que seus seguidores, dentro e fora do governo, fariam diferente?
O ministro da Educação, por exemplo, mesmo incapaz de tomar um ditado, não abre mão da arrogância. E dá-lhe de corte de verbas, desamparo a órgãos centenários e desprezo por funções que ele nem é capaz de entender, como a de professor universitário. E é contagioso. Uma autoridade escoiceando à solta estimula a que um esbirro do quarto escalão agrida uma heroína da cultura brasileira e fique por isso mesmo.
Da mesma forma, uma pistola à mostra num cinto, mesmo nos ambientes mais impróprios, pode levar o povo a achar que o país só se resolverá à bala. Mas, nesse caso, os valentões no poder que se cuidem —a massa de maus bofes que eles estão gerando pode se voltar contra eles.
Um dia, de um jeito ou de outro, talvez o Brasil volte à sanidade. Só então saberemos quem serão os mais aptos a contar a história de nosso tempo —se os historiadores propriamente ditos, os apresentadores sensacionalistas da televisão ou os humoristas.
Liberal na economia e conservador nos costumes
Antonio Prata
Pauta de costumes
Ativismo é coisa de ecochato, de bicha louca, de feminazi, de Black Power
Quando ouço alguém dizer que é liberal na economia e conservador nos costumes , imagino um investidor do mercado financeiro cruzando a Faria Lima num cabriolé. Se for um bom investidor, porém, certamente desconsideraríamos a charrete como uma pequena excentricidade: economia é importante, costume, não —eis o que costumamos pensar.
Costumes são aquelas diferençazinhas pitorescas que aparecem de vez em quando em programas de perguntas e respostas da TV ou no papel da bandeja do McDonald’s. Finlandeses fazem sauna. Índios americanos sentam de perna cruzada. Na festa de São João come-se paçoca. Você sabia que até o século 19 as pessoas só tomavam um banho por semana?!
Acredito que mais da metade dos brasileiros elegeu um presidente com posições tão escancaradamente abjetas, em parte, por achar que os horrores ditos por ele durante três décadas estavam restritos ao tupperwarezinho dos “costumes”. Se ele vai fazer as reformas, qual o problema que não goste de gay? Se vai ter peru no próximo Natal, e daí ele dizer que não estupraria uma mulher por ela ser feia? Se asfaltarem a nossa rua, que que tem ele dar uma pescada em reserva ecológica? Ah, fala sério! Vamos tratar do que importa!
Vamos tratar do que importa. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança, 4,4 milhões de mulheres foram agredidas em 2016. A cada hora, foram 503.
Isso dá algumas dezenas de mulheres tomando porrada de seus maridos e namorados durante o tempo que você demora pra ler essa crônica. Mas machismo e feminismo, claro, são assuntos irrelevantes, são “pauta de costumes”.
Apanhem em silêncio, por favor, mulheres, pois não estou conseguindo ouvir o debate sobre a CPMF.
Racismo, para nós, também é “pauta de costumes”. O país botou em prática, por 300 anos, o maior esquema de tráfico humano desde o Império Romano. Aboliu o esquema sem criar condição alguma para os ex-cativos terem uma vida decente.
Cento e trinta e um anos depois da abolição, curiosamente, a elite do país segue majoritariamente branca, enquanto 75% das vítimas de homicídios são negras —e achamos meio exagerada essa insistência que alguns negros têm, ultimamente, nesse papo de negritude. Coisa importada dos Estados Unidos.
Nada a ver com a malemolência futebol moleque da nossa democracia racial. Menos ideologia e mais incentivos ao empreendedor, por favor!
Pensando assim, votamos neste que, uma vez eleito, prometeu “acabar com todos os ativismos”. E seguimos acreditando que ele não estava falando nada de importante. Ativismo é “pauta de costumes”. Coisa de ecochato. De bicha louca. De feminazi. De Black Power. Mimimi. Só nos importa a reforma
da Previdência.
Pois bem, aqui estamos. O feminicídio cresceu 44% no primeiro semestre, em SP. O desmatamento na Amazônia quase dobrou, no mesmo período. Ágatha Félix, de 8 anos, morta por um tiro de fuzil da polícia, no Complexo do Alemão, é a décima sexta criança baleada no Rio de Janeiro, em 2019. A quinta vítima fatal.
Enquanto escrevo, o estudante Roger Possebom Júnior, de 22 anos, continua em coma depois de apanhar de seis pessoas, domingo passado, por ser homossexual. Caso venha a falecer, será mais um dos 500 mortos, a cada ano, pela homofobia. Um assassinato a cada 16 horas.
Pensando bem, nosso falso liberal não anda de cabriolé, mas de liteira. Os olhos em Chicago, os pés em Daomé, trazendo as ideias mais modernas para eternizar o nosso atraso. Não chega a ser uma grande novidade. Este é, há meio milênio, um dos nossos mais arraigados costumes.
Napoleões de hospício ameaçam Brasil da crise política e da depressão econômica
Vinicius Torres Freire
Descrédito de procuradores aumenta crise institucional e anima autoritarismos
Um procurador-geral fantasia ou planeja o assassinato de um ministro do Supremo e considera cabível contar esse desvario ao público. Procuradores com altas responsabilidades fazem troça da morte de uma criança, neta do investigado-mor da República, Lula da Silva, entre outras vulgaridades teratológicas ou cruéis.
Os conluios e a politização da Lava Jato decerto causaram mais dano institucional. Mas arrivismos dinheiristas, piadas funéreas e delírios homicidas de procuradores dão o que pensar. De que gente é feito o Ministério Público?
A revelação do descalabro, seja moral, jurídico ou político, de qualquer modo contribui para a operação de revanche contra a Lava Jato. O movimento combina a reação de interesses corporativistas de políticos com a resposta de democratas à manipulação legal ou política de processos judiciais.
Nos tribunais ou no Congresso, o partido da Lava Jato sofre derrotas. A reação às extravagâncias desse movimento político-judicial, porém, não são sinal de restauração das funções do sistema político ou dos Poderes.
Por bem e por mal, a política da República de 1988 passou por um desmonte que se deveu, enfim e na prática, à Lava Jato. O acuamento do partido dos procuradores e do sistema de investigação em controle em geral não significa que o sistema está em obra de reconstrução. A Procuradoria é que entra no programa geral de demolição.
É um cenário favorável às piores tentações do bolsonarismo. O presidente e seu movimento têm as tintas de um cesarismo alucinado, para ser mais preciso de um bonapartismo, que não raro floresce nas paisagens com ruínas do descrédito de sistemas políticos.
O presidencialismo tende a favorecer lideranças carismáticas. Sistemas deslegitimados ou em “crises de representação” favorecem bonapartismos, uma versão autoritária do fenômeno. Há desprezo pelo Parlamento e por instituições independentes: servidores de Estado, órgãos de controle do governo ou aliados com ideias divergentes. Há um apreço pelo governo por decreto e louvação da política plebiscitária (isso ou aquilo, “nós, salvadores da pátria” contra “eles”). Exige-se adesão servil e bajulação do círculo próximo do poder.
Parece uma descrição do que é hoje o governo tentativo do país. Isto é, tentativo no sentido de que se trata ainda de um projeto, que tanto mais sucesso terá quanto maior o descrédito institucional, que por sua vez dá impulso à ideia de “revolução” bolsonarista: “quebrar o sistema”.
Para quê? Para a restauração mítica de um ideal que seria o do golpe de 1964, talvez, tradição, família e propriedade, o fim dessa velha ordem depravada e “socialista”, que daria lugar a um reino de fantasia reacionária.
Bolsonaro surfou em ondas anticorrupção e de reforma liberal. Mas ele mesmo jamais comandou movimento algum ou se identificou a esses programas. Jamais foi ligado a grupos sociais organizados, a grupos e quadros que pensassem o país, a grupos políticos.
O país passa mesmo por alguma espécie de revolução ou de reviravolta nas estranhas, um nó nas tripas que inclui a quase morte política da República de 1988, a depressão econômica e a mudança de relações socioeconômicas fundamentais (Previdência, trabalho, lugar do Estado etc.). Bolsonaro não parece se preocupar com a substância de nenhum desses problemas, mas com o desmonte da velha ordem, que quer acelerar com a criação do seu partido da Nova Era.
Dias Toffoli prepara mutilação e não modulação da decisão do plenário do STF
Janio de Freitas
Sentenças sem defesa
Reconhecimento das garantias constitucionais foi ameaçado pelo Supremo
Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal mostra uma combinação de temor a reações da opinião pública, inclinações políticas e argumentos artificiosos no trato de questão essencial para o regime democrático.
É o que existe sob o louvado reconhecimento, já feito, de que às defesas cabe o último pronunciamento antes da sentença, para responder a denúncias novas ou a pendências remanescentes --direito desrespeitado em julgamentos na Lava Jato.
Na verdade, porém, o valor desse reconhecimento depende de uma definição que está ameaçada pelo próprio Supremo.
Ainda faltando os votos dos ministros Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli, que apenas antecipou sua opinião, a meio da semana ficava reafirmada, por 6 votos 3, a tese que levou à anulação da pena imposta por Sergio Moro a Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras.
Resultado que agora se estendia ao ex-gerente da empresa Márcio Ferreira. Mas a forçosa decisão incomodou vários ministros, dada a possibilidade de anular numerosas condenações da Lava Jato. Não tardou a aparecer o que foi chamado de "modulação" no reconhecimento do direito dos réus. Melhor diriam, no entanto, mutilação.
Luís Roberto Barroso, terceiro a votar, propôs que, se confirmada para o réu a última palavra, assim seja apenas daqui por diante. Logo, caso o Supremo declarasse incorretos os métodos condenatórios, a seu ver o incorreto deveria permanecer intocado. Nem ao menos era caso de regra nova e não retroativa. Azar o de quem não teve a defesa final e está na cadeia.
É interessante a virada de Barroso, que se mostrava de fino rigor legalista até que se viu sob críticas, por comprometer-se com a tese da prisão antes de concluídos os recursos de defesa. Sua reconhecida vaidade se teria magoado, e passou a responder com uma virada para a linha Fux.
Por falar nele, nunca surpreendente, Luiz Fux adotou a proposta de Barroso. E, como toque pessoal, considerou mera "benesse processual" a ordenação dos pronunciamentos finais que leva, só ela, aos "assegurados contraditório e ampla defesa" citados no artigo 5º da Constituição.
Se, em casos da Lava Jato, entre a acusação por um delator e a sentença não houve tempo para a defesa, ficaram impossibilitados o contraditório e a ampla defesa. Para isso, o método de Moro consistia em dar o mesmo prazo para as "razões finais" da acusação e da defesa. Benesse, só para a ânsia condenatória de Moro.
Cármen Lúcia fez um voto peculiar: sim, a defesa tem direito ao prazo para responder à última acusação, mas a sua falta só deve invalidar a condenação se o réu provar que foi prejudicado. Assim o voto da ministra ignora que a incorreção a ser anulada não está no réu, está no processo.
O réu teve um direito negado, e não tem que provar nada para vê-lo respeitado. O truque para não repetir o julgamento de condenados da Lava Jato não está à altura da Carmen Lúcia original, serve apenas à dos últimos tempos.
Relator do caso, Edson Fachin foi espantoso. A seu ver, não tem sentido o prazo maior para a defesa porque a legislação não diferencia delatores e delatados. Ao que o decano Celso de Mello respondeu: se há tal lacuna, "deve ser suprida pelo princípio da ampla defesa". Com a Constituição, pois. Tese também de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.
Alexandre de Moraes, a propósito, foi simples e certeiro: "Não custa ao Estado respeitar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Nenhum culpado, nenhum corrupto, nenhum criminoso deixará de ser condenado, se houver provas, se o Estado respeitar esses princípios constitucionais".
Ainda assim, e com a adesão de Dias Toffoli, que anunciou outra "proposta de modulação", os propensos a mutilar o direito constitucional à "ampla defesa" têm possibilidade de fazer maioria. Situação ameaçadora, porque, como disse Gilmar Mendes, "a questão não é Lava Jato, é todo um sistema de Justiça penal".
Ou é o perigo de Justiça bolsonara.
O peixe podre do golpe apodreceu o país inteiro
O peixe podre do impeachment
Bernardo Mello Franco
Três anos depois, a história do impeachment de Dilma Rousseff continua a ser reescrita. Na sexta-feira, o tucano Aloysio Nunes afirmou que a Lava-Jato cometeu “ilegitimidades” e vendeu “peixe podre” para forçar a derrubada da ex-presidente. Ele se referia ao grampo do “Bessias”, vazado por Sergio Moro às vésperas da votação decisiva na Câmara.
O então juiz divulgou o diálogo na tarde em que Dilma nomeou Lula para assumir a Casa Civil. Com base no grampo, o ministro Gilmar Mendes anulou a posse. Alegou que o ex-presidente estava atrás do foro privilegiado para fugir da cadeia.
Graças ao Intercept Brasil, hoje se sabe que Moro e a Lava-Jato omitiram outras conversas gravadas no mesmo período. Elas sugerem que o principal objetivo da nomeação era blindar Dilma, e não Lula. A presidente apelava ao antecessor para recompor sua base no Congresso e salvar o próprio mandato.
“Quando você fala na divulgação do diálogo do Lula com a Dilma, evidentemente você tem uma manipulação política do impeachment”, disse o ex-senador Aloysio em entrevista à “Folha de S.Paulo”. “Não é uma coisa por inadvertência, foi de caso pensado”, acrescentou.
O tucano foi beneficiário direto do impeachment. Candidato a vice-presidente na chapa de Aécio Neves, ele virou líder do governo de Michel Temer no Senado. Meses depois, foi promovido a ministro das Relações Exteriores.
Na sexta, o tucano disse não ter dúvidas de que a nomeação de Lula teria evitado a queda de Dilma. “Foi exatamente por isso que eles procuraram barrar”, afirmou, referindo-se a Moro e à força-tarefa da Lava-Jato. “Eles manipularam o impeachment, venderam peixe podre para o Supremo Tribunal Federal. Isso é muito grave”, concluiu.
No livro “Nada Menos que Tudo” (Planeta, 256 págs.), o ex-procurador Rodrigo Janot joga luz sobre outras faces obscuras daquela crise. Ele narra dois episódios em que foi pressionado a parar as investigações contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em troca de blindagem ao governo petista.
O primeiro recado foi transmitido pelo ex-ministro Henrique Eduardo Alves, em almoço com o procurador Peterson Pereira. “Fala para o Janot parar com essa investigação, senão o Cunha vai tocar o impeachment da Dilma”, disse o emedebista, de acordo com o livro.
Em outra passagem, Janot conta que Cunha ameaçou José Eduardo Cardozo, então ministro da Justiça. “Cardozo adiantou que me segurar seria impossível, que o procurador-geral tinha autonomia, não podia ser controlado”, escreve.
O ex-procurador pediu o afastamento de Cunha em dezembro de 2015, dias depois da abertura do processo de impeachment na Câmara. Neste caso, o Supremo não teve pressa. Apesar do pedido de urgência, o ministro Teori Zavascki demorou mais de cinco meses para levar o caso ao plenário. Cunha só seria removido da cadeira em maio de 2016. Exatos 18 dias depois de comandar a votação que selou a queda de Dilma.
O presidente mente
Marcelo Leite
Bolsonaro desconhece a busca pela verdade pois permanece escravo da ignorância, da soberba e de uma ideologia sinistra
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) gosta de recorrer às palavras de Jesus no Evangelho de São João (8, 32): “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Repetiu-as ao abrir os debates da Assembleia Geral da ONU na terça-feira (24), quando em realidade mentiu a torto e a direito.
Bolsonaro nunca cita o início do trecho citado, no versículo 31: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis, em verdade, meus discípulos”.
O presidente parece confundir a libertação, que na Bíblia decorre de acatar a palavra divina, com o que ele (e não Ele) arbitrariamente dá por verdadeiro. Para o fiel cristão, a verdade de Jesus é. A de Bolsonaro, para a sociedade civil, discute-se.
O capitão exige lealdade absoluta —da família, dos ministros, dos generais, dos puxa-sacos, dos eleitores, dos empresários. Quem não rezar pelo seu credo que caia fora. Ame-o ou deixe-o.
Há falsidades em muito do que ele profere como verdades absolutas, falsidades tomadas por verdadeiras por um oitavo da população brasileira que devota fé cega em sua palavra. Bolsonaro recita seus dogmas para correligionários, não cidadãos.
Nem o fato de discursar perante chefes de Estado teve o condão de inibir suas contrafações. O trabalho de verificar ou desmentir as batatadas presidenciais já foi realizado, com mais prontidão e acúmen, pelas agências Lupa e Aos Fatos; aqui se reproduzirão só as mentiras deslavadas.
O presidente mentiu na ONU quando afirmou que os cubanos do programa Mais Médicos teriam sido impedidos de trazer cônjuges e filhos ao Brasil. E, também, ao dizer que eles não tinham formação qualificada para exercer a medicina.
O presidente mentiu na ONU quando disse que seu governo tem compromisso com a preservação do meio ambiente. Sob seu jugo, o bilionário Fundo Amazônia foi esnobado; as verbas para pesquisa climática, reduzidas a 5%; o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vilipendiado; seus dados de satélite sobre desmatamento, desqualificados como falsos.
O Ibama e o ICMBio foram manietados; as multas por infrações ambientais, rebaixadas ao menor montante em 11 anos; as queimadas, denegadas (mesmo após enviar tropas para apagá-las).
O presidente mentiu na ONU quando declarou que a Amazônia permanece praticamente intocada. Não faltam estudos, imagens, dados e registros oficiais mostrando que quase um quinto do bioma já virou fumaça.
O presidente mentiu na ONU quando se jactou de ser o Brasil um dos países que mais protegem o ambiente. Ranking das universidades Columbia e Yale com o Fórum Econômico Mundial, fundado em 24 indicadores, o relega à 69ª colocação entre 180 nações. Para o Banco Mundial, está em 32º lugar em preservação de florestas.
O presidente mentiu na ONU quando acusou a terra indígena Yanomami de abrigar 15 mil pessoas em área maior que Portugal. São mais de 25 mil.
Isso não é nem pouco nem muito, mas o que manda o art. 231 da Constituição: “São reconhecidos aos índios [...] os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
O presidente mentiu na ONU quando declarou que se usam aqui só 8% das terras para produzir alimentos. As pastagens onde ruminam vacas e bois cobrem outros 21% do território nacional.
O presidente mentiu na ONU quando encheu a boca para recitar João, 8, 32. Ele desconhece a busca pela verdade, pois despreza as evidências, e permanece escravo da ignorância, da soberba e de uma ideologia sinistra.
Jornalista especializado em ciência e ambiente, autor de “Ciência - Use com Cuidado”.
Flávio Dino é entrevistado no Roda Viva
Roda Viva
No Roda Viva, a jornalista Daniela Lima recebe Flávio Dino, governador do Maranhão.
Advogado e ex-juiz, Dino foi eleito deputado federal em 2006. Em 2014 e 2018, elegeu-se, no primeiro turno, para o Governo do Maranhão, derrotando o clã dos Sarney.
sábado, 28 de setembro de 2019
Sem política não existe economia, diz Lula em entrevista exclusiva ao GGN
TV GGN
O ex-presidente Lula, em entrevista exclusiva para o Jornal GGN, fala sobre economia política e política econômica. Os dois lados da moeda e que devem nortear o país. Fala sobre distribuição de renda, previdência, orçamento, empresas nacionais, conciliação nacional e desenvolvimento. Além disso, fala sobre a progressão da pena e a orientação que deu aos seus advogados para que não a utilizem, pois sairá de lá como entrou, inocente. Manda ainda um recado claro aos integrantes da Lava Jato e ao ex-juiz, que o condenaram sem provas e que hoje se veem às voltas com a Vaza Jato.
A entrevista teve a participação do economista Luiz Gonzaga Beluzzo e de Eduardo Moreira. Nosso editor Luis Nassif não pode comparecer por um problema banal: pedra no rim. Agradecemos aos dois entrevistadores.
Antes de entrar propriamente na entrevista ao Jornal GGN, ali representado por Luiz Gonzaga Belluzzo e Eduardo Moreira, Lula falou sobre dois temas distintos. Um deles foi a solidariedade prestada à família de Ágatha, assassinada no Rio de Janeiro. O outro ponto levantado foi a questão da progressão da pena. Lula disse ter conversado com seus advogados e definido que não quer progressão, pois pede progressão quem é culpado e está condenado, e como não é culpado o que quer é sua inocência. “E se alguém tem que pedir perdão é o tal do Moro e o tal do Dallagnol”, diz ele. Afirma estar tranquilo ali e muito ciente da canalhice que fizeram com ele e, se provarem qualquer ilícito que tenha porventura cometido, aí sim se cala. “Eu quero sair daqui inocente, cem por cento como eu entrei”, conclui.
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