Nilson Lage
Nossa cultura nada tem com a fé dos hipócritas, a família castradora, a Pátria assassinada. Pelo contrário, é sincera, liberta e viva ainda.
Nascemos nus, entre matas e rios. Quando jovens, enfeitávamos o pênis porque, ao ferir a harmonia das curvas do corpo, deve ter serventia estética, além das funcionais. Quando mulheres, guardávamos a porta do feto, para amados amantes. no casamento ou antes e após ele.
O sexo é um direito humano inalienável, a que devem ter acesso todos os púberes, da adolescência e idade adulta até à morte. A contracepção, conjunto de normas e procedimentos que a cultura ordena e devem ser transmitidos pelos pais aos filhos.
Não há como educar os moços de um jeito e as moças de outro.
Nos dois primeiros séculos de nossa História, e em partes do espaço e do tempo do terceiro século, tivemos terra e natureza, que agora nos sonegam. Havia entrepostos de comércio estrangeiros -- portugueses por todo o litoral, franceses no Maranhão, Pernambuco e Rio e Janeiro; espanhóis no Sul. Os holandeses ficaram mais tempo no Recife. Mas, nesse mundão de país, isso pouco importava.
Todos vinham fazer negócios, sós, por longo tempo; em seus países de origem, o gozo das mulheres era pecado e os minutos do coito, para elas, tempo de reza ou impaciência. Como apeteciam aos colonos as índias e, logo, as negras, gente normal e sadia!
O racismo ibérico é social, não do indivíduo, não se confunde com o segregacionismo e a rejeição ao mestiço (caso típico de Meghan), na cultura anglo-germânica. A colonização portuguesa (Portugal já era uma mistura de etnias) começou, de fato, com os ciclos da cana-de-açúcar e das minas, que trouxeram os escravos africanos. Os desdobramentos foram distintos. Nas fazendas, a casa grande confrontava a distante senzala, em alegoria à luta de classes -- talvez, por isso, o relato preferido nos raciocínios dialéticos. Nas minas, para onde vinham apenas senhores de confiança do rei, contato urbano, próximo e formação de uma cultura barroca diferenciada. Todas as damas de casas de grossas paredes em Diamantina, então a rica e poderosa Tijucos, eram negras, relata a historiadora Júnia Ferreira Furtado, em seu "Chica da Silva e o Contratador de Diamantes". Houve casos de abandono de filhos ilegítimos -- Luís Gama, eminente tribuno, filho de mãe livre e negra, foi vendido como escravo aos dez anos com a provável anuência do pai, branco -- mas a regra não era essa. A pesquisa de genes mitocondriais realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais provou isso há décadas. Somos inevitavelmente, um povo mestiço, mesmo os de sobrenomes de grife.
A mestiçagem contagia os europeus que para aqui migraram nos últimos 150 anos, em que pese a maciça propaganda racista europeia -- em particular junto às colônias alemã e italiana -- conduzida na década de 1930 e continuada por antropólogos norte-americanos, no pós-Segunda Guerra. O princípio teórico que sustenta esse fato é que não se pode separar o homem corpo do homem espírito, que se define como persona a partir da cultura, palavra, mesa, cama, valores. Nem os alemães de Blumenau nem os italianos de Londrina seriam bem compreendidos na Alemanha ou na Itália de hoje.
A narrativa casa grande/senzala estendeu-se às lavouras do café, principalmente no Rio de Janeiro, e do algodão, no Nordeste -- aí por pouco tempo: quando o jangadeiro Dragão do Mar sustou o desembarque de africanos no Ceará expressava a luta contínua contra o tráfico conduzida por índios e mestiços -- os hoje nordestinos, execrados pela elite antinacional de São Paulo.
A escravidão foi episódica e geralmente escassa no Norte, Centro-Oeste e Sul. Nosso tipos nacionais -- o seringueiro, o mateiro, o sertanejo, o caipira, o gaúcho, o jangadeiro, o vaqueiro da caatinga -- são personagens resultantes da miscigenação de brancos e índios, eventualmente cafuzos. No censo de 2010, mais de metade da população se declarou “não branca”. Dada a força de “ideologia do embranquecimento” na autoestima das pessoas, a proporção deve ser bem maior.
Nada temos com a Cruz de Cuernavaca, a música de Wagner, a simetria ascética do cenário, as citações de Goebbels; feühres, duces ou mediocridades projetadas por artes de mídia.,
O que está errado no vídeo que registra seu crime é a bandeira.
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