quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

O império estrebucha e cospe fogo em 2020



Nilson Lage

O impasse do mundo que prossegue em 2020 tem raízes e paradigmas conhecidos. Sempre que a economia se desloca do mercado de produtos para o mercado do dinheiro, do consumidor e do produtor para o acionista. ocorre a recessão.

Como todos querem dinheiro depressa, as ideias se acumulam nas bibliotecas a na memória dos computadores, porque inovar implica investimento demorado, contínuo e incerteza quanto a resultados.

Foi o caso da recessão do final do século XIX, comandada por banqueiros ingleses, durante a qual se conceberam o rádio. a televisão, os aviões, os foguetes espaciais, a arquitetura despojada, a assepsia e a cientificação da medicina. Tudo isso apenas prosperaria na fase econômica seguinte, após os choques da Primeira e, principalmente, da Segunda Grande Guerra.

Por que, do ponto e vista do investidor, apressar a digitalização do som e da imagem antes de esgotar as possibilidades do vinil e do filme? Essa pergunta, que se colocou no final da década de 1970 -- quando tudo que a informática e as telecomunicações por via espacial proporcionam hoje era previsível -- explica o retardo de vinte anos na implantação em escala global das redes de computadores e da Internet.

Já então, nos anos 1970-1980, formava-se a equação que freia o desenvolvimento das potencialidades sociais e humanas no Ocidente e em sua área de influência. A globalização foi pensada como instrumento para esse fim: a legislação internacional para quase tudo, as organizações não governamentais e, na prática, a extraterritorialidade do poder administrativo e judicial dos Estados Unidos.

Na mesma época, para conter o inimigo da vez, a União Soviética, os americanos concederam condição de nação privilegiada à subdesenvolvida China, com seu estranho projeto nacional confúcio-comunista.

A China, hoje, não só prosperou aceleradamente como impulsionou as economias vizinhas e se dispõe a fazer exatamente o que os Estados Unidos, com sua elite de banqueiros e seu capitalismo entrópico, já não conseguem: criar infraestrutura para um novo padrão tecnológico e uma rede comercial planetária -- tudo isso aplicando a mais avançada ciência disponível.

Como o Império Romano, os EUA espalharam por todo o mundo suas legiões, que pouco lhes servem; sua defesa é, hoje, baseada no domínio que ainda detêm da informação e do universo simbólico dos povos.

O fascismo de um Bolsonaro ou de um Trump, a negação da ciência, o fanatismo e o arcaísmo expressam medo da superação do modelo de dominação anglo-americano; não, me parece, do capitalismo em si, que avança, disciplinadamente, subordinado às diretrizes do Partido Comunista chinês, maestro de uma aventura planetária em que a ideologia das partes importa pouco ao todo.

Mais um ano que acharíamos interessante, se vivêssemos em Marte.

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