José Eduardo Agualusa
Assisti a “Dois papas”, de Fernando Meirelles, na mesma semana em que terminei de ver a série “Messiah”, dirigida pelo australiano Michael Petroni. São projetos muito diferentes, nas premissas e nos resultados, mas que discutem questões comuns.
“Dois papas” coloca frente a frente o Papa Bento XVI, Joseph Ratzinger, em vias de renunciar, e o cardeal Jorge Bergoglio, prestes a se transformar no Papa Francisco. Pouco a pouco, vamos compreendendo que, naquele luminoso embate de ideias, ambos os protagonistas estão certos, apenas defendem objetivos diversos: Ratzinger está preocupado com a sobrevivência e o fortalecimento de uma instituição, a Igreja Católica, enquanto o que interessa a Bergoglio é a defesa dos ideais de Jesus Cristo. Ratzinger vê em Bergoglio uma ameaça à instituição — e está certo. Bergoglio acha que Ratzinger está atraiçoando os ensinamentos de Jesus Cristo — e também ele está certo.
Na série “Messiah”, Petroni imagina o aparecimento, durante a guerra na Síria, de um líder religioso, de origem palestina, cujo nome e passado ninguém conhece. A série perde frequentemente o rumo. Vários momentos, porém, justificam o interesse. Um deles é o interrogatório a que o suposto Messias é sujeito, depois de entrar “ilegalmente” em Israel. Surpreendido, ao verificar que o seu prisioneiro fala hebraico, o interrogador pergunta-lhe se é judeu. “Na origem, sim”, responde o homem, que tanto pode ser um impostor genial (vários elementos apontam nessa direção), como o verdadeiro Messias.
O que “Messiah” sugere é que se Jesus voltasse teria de enfrentar sobretudo a incredulidade dos crentes (cristãos, muçulmanos e judeus), muitíssimo mais perigosa e difícil de vencer do que impiedade dos ímpios.
Em particular, Jesus seria muito mal recebido pelas instituições religiosas que se ergueram, fortaleceram e prosperaram comerciando fé. Fundamentalistas islâmicos, cristãos e judeus veriam nele o seu principal inimigo. Estes movimentos são, aliás, absolutamente idênticos. Convergem no horror a tudo o que seja novo. Atraem os mais desesperados, prometendo-lhes milagres, e depois exploram-nos e escravizam-nos. Valorizam, nos livros sagrados, não as propostas transformadoras dos diferentes profetas (propostas que eram revolucionárias então, e continuam revolucionárias hoje), mas o pensamento cruel da época em que foram escritos.
Jesus Cristo teria ainda de enfrentar a desconfiança e a hostilidade dos governantes. Na série dirigida por Michael Petroni, o Messias é investigado pela CIA, interrogado pela Mossad e perseguido pelo Estado Islâmico.
Na sociedade do espetáculo em que vivemos, não bastaria a Jesus multiplicar os pães, ou transformar a água em vinho, truques ingênuos, ao alcance de qualquer ilusionista. Não lhe bastaria sequer caminhar sobre as águas. Precisaria recorrer a milagres mais exuberantes, a discursos mais fortes, a medidas mais extremas.
Em “Dois papas”, Ratzinger termina rendendo-se a Bergoglio: “Não concordo com nada do que o senhor diz. Mas através da sua voz voltei a ouvir a voz de Deus”, diz ele. Duvido que esta frase tenha sido dita. Porém, é tão bonita. Gosto de pensar que foi isso que aconteceu.
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