Por Kiko Nogueira
Jair Bolsonaro transformou sua transfixação pela cloroquina numa questão ideológica e numa tábua de sua salvação.
O sujeito que apregoava que o coronavírus era uma “gripezinha” virou divulgador de uma droga com resultados inconclusivos e efeitos colaterais tenebrosos.
Pode ser letal, de acordo com a dosagem, especialmente nos “velhinhos”. Relatos de quem a usou são assustadores.
O presidente é contra o isolamento e não esclarece que prudente é evitar o contágio e fazer testes em massa.
Em seu último pronunciamento em rede nacional, comportou-se como um especialista degenerado receitando a cura para um país.
“Há pouco conversei com o doutor Roberto Kalil. Cumprimentei-o pela honestidade e compromisso com o juramento de Hipócrates, ao assumir que não só usou a hidroxicloroquina bem como a ministrou para dezenas de pacientes. Todos estão salvos”, disse.
Todos quem, cara pálida?
“Omitir o uso do (sic) cloroquina é o mesmo que deixar judeus na dúvida entre chuveiro e câmara de gás”, escreveu recentemente o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos.
“Antissemitas e oportunistas estão sempre à espreita”, respondeu a Confederação Israelita do Brasil em nota.
Adolf Hitler era chamado de “Médico da Nação Alemã”. Rudolf Hess, seu vice, se referia ao nazismo como “biologia aplicada”.
Hitler falava da Alemanha como um organismo e de si mesmo como o doutor que iria torná-la saudável, eliminando as moléstias.
Judeus, comunistas, ciganos, eslavos, deficientes ameaçavam o “volkskörper”, o “corpo do povo”.
Num editorial de 1927 de seu jornal Der Angriff (“O Ataque”), Joseph Goebbels, futuro ministro da Propaganda do Reich, afirmou que ele e seus correligionários estavam “prontos para curar o corpo doente do povo alemão e fazê-lo capaz de viver novamente”.
Hitler era vegetariano e Himmler dava palestras para a SS sobre a importância de vitaminas, minerais, alimentos integrais e fibras na dieta.
O programa de saúde nacional nazi começou com a esterilização e terminou, como se sabe, com milhões de mortes nos campos de concentração (“fica a dica”, como sugeriu um apresentador do SBT).
Bolsonaro, como Hitler, nunca estudou medicina, mas não hesita em prescrever elixires que podem ser mortais. Qualquer atividade humana supostamente nobre pode virar uma monstruosidade a depender da ética de quem a pratica.
As cobaias somos nós.
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