Luis Felipe Miguel
Ontem tivemos dois indícios da degradação profunda da vida política no Brasil.
Um foi o vídeo da reunião ministerial. Outro foi a percepção, amplamente difundida, de que a divulgação do vídeo não foi negativa para Bolsonaro. Talvez até tenha sido positiva.
Não estou dizendo que a percepção é errada. A meu ver, não é errada nem correta: o efeito da divulgação do vídeo ainda está em disputa.
Mas o fato de que estamos em um país em que um vídeo como aqueles pode ser encarado como normal - esse fato mostra a dimensão do buraco em que estamos.
Já estive em reuniões de departamento que não alcançaram nem 5% daquele conteúdo e se tornaram escândalos lendários, lembrados por anos em toda a universidade.
O presidente da República e seus ministros (em reunião oficial, é bom frisar) se comportando como pinguços no boteco.
Em meio a uma pandemia que àquela altura já tinha tirado a vida de milhares de brasileiros, nenhuma palavra sobre o assunto.
Ou melhor: xingamentos pesados contra governadores que faziam ou fingiam fazer alguma coisa para conter a doença. E a fala de Ricardo Salles louvando a oportunidade que o vírus gerava - "passar a boiada", destruir o que fosse possível de legislação e direitos, enquanto o país estava ocupado salvando vidas.
Ministros sugerindo abertamente variadas formas de intervenção de força na política nacional. O presidente namorando a ideia de transformar sua base em milícias armadas.
Guedes chamando o patrimônio público de "essa porra".
E sobre a intervenção na Polícia Federal? Só num país em que estamos acostumados a aceitar as desculpas mais esfarrapadas é que a fala de Bolsonaro não conta como evidência de que ele planejava interferir na PF com o intuito de proteger seus próximos de investigações.
Convence o gado? Não, é claro. Mas esses não seriam convencidos nem se Bolsonaro aparecesse abraçado ao Queiroz dizendo "vou safar meus filhinhos criminosos".
Mas, do nosso lado, acho que não devemos minimizar o vídeo.
Há surpresas? Não, certamente não. Mas o vídeo mostra a cúpula do Poder Executivo, em reunião oficial, desprezando solenemente suas responsabilidades com um país mergulhado numa crise sanitária devastadora, focada exclusivamente em seus interesses mesquinhos, tramando abertamente contra a Constituição e a lei.
Um grupo de ineptos, de amorais, de bandidos.
Isso não pode ser aceito como normal.
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