quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

No centenário de Asimov, suas ideias nunca foram tão atuais


Escritor criou as três leis da robótica, que pautam discussões éticas até hoje 
Salvador Nogueira

Não seria exagero dizer que ele foi um dos maiores escritores de ficção científica do século 20. Mas o que mais impressiona no legado de Isaac Asimov (1920-1992), no centenário de seu nascimento, é a presciência e a relevância.

Autor e editor de mais de 500 livros, muitos voltados para a divulgação científica, Asimov previu com notável precisão muitos dos elementos tecnológicos e sociais de nossa época, com décadas de antecedência. Além disso, usou de sua ficção para introduzir discussões éticas relevantes para nossos dias, e mais ainda para o futuro.

Nascido em Petrovichi, na Rússia, em algum dia entre 4 de outubro de 1919 e 2 de janeiro de 1920 (esta última data a adotada pelo próprio para seu aniversário), Asimov era filho de um casal de judeus russos que trabalhava em moinhos. A família mudou-se para os EUA em 1923. Nunca aprendeu russo.

Formou-se em química em 1939, depois de abandonar o curso de zoologia em protesto pela dissecção de um gato. Doutorou-se em química e tornou-se professor de bioquímica da Universidade de Boston em 1949. Mas sua maior paixão era pela escrita. Seu primeiro conto saiu em 1939.

Marcado pela presença da robótica em sua ficção (palavra que ele cunhou), sua maior contribuição ficcional para o mundo real talvez sejam as três leis da robótica, código de ética implantado em inteligências artificiais para impedir que os robôs prejudicassem os humanos. Apresentadas no conto “Runaround”, de 1942, elas dizem o seguinte:

Primeira Lei: um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal; Segunda Lei: os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei; Terceira Lei: um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores.

“Mesmo longe desse futuro vislumbrado por Asimov, as três leis da robótica são tidas como a base de um código de ética para qualquer máquina inteligente e autônoma que preste algum auxílio aos seres humanos”, diz Cassio Leandro Barbosa, astrônomo da FEI (Fundação Educacional Inaciana), em São Bernardo do Campo (SP).

“Eu diria que a primeira lei merecia discussões mais aprofundadas”, analisa Alexey Dodsworth, autor brasileiro de ficção científica e filósofo da ciência. “O que não falta na internet são robôs virtuais que induzem humanos a cometer erros. Isso quando não são esses mesmos robôs os responsáveis por ataques em massa e linchamentos a pessoas reais —basta ver o que acontece quando você decide criticar alguém poderoso que controla os robôs.”

Para Dodsworth, “ou seguimos as leis de Asimov, ou iremos nos destruir, e os robôs não terão culpa, já que os programamos sem os imperativos éticos propostos pelo escritor.”

De fato, organizações voltadas à inteligência artificial têm realizado reuniões para definir um código de ética para pesquisas no segmento, uma das potenciais ameaças existenciais que a humanidade enfrentará no século 21.

De forma marcante, a ficção científica de Asimov é quase totalmente livre de alienígenas. “Em mais de uma ocasião, Asimov foi acusado de ser excessivamente antropocêntrico em sua produção ficcional”, diz Dodsworth. “Talvez Asimov tenha feito uma aposta na perspectiva mais pessimista da equação de Drake, que pretende calcular a probabilidade de existência de vida inteligente na galáxia: seríamos apenas nós.”

Seu maior legado como autor é a série Fundação, um conjunto de livros que compilam contos ambientados num mesmo universo ficcional e retratam o futuro longínquo da espécie humana.

Durante os anos 1950 e 1960, Asimov dedicou boa parte do seu tempo a escrever livros de popularização da ciência, motivado em parte pelo lançamento do Sputnik, em 1957. “Fui tomado por um ardente desejo de escrever ciência popular para uma América que poderia estar em grande perigo por sua negligência com a ciência”, escreveu, em 1969.

Seus livros influenciaram gerações a se interessarem por ciência e entenderem que é com ela que se pode construir um futuro próspero.

A incompreensão da ciência que ele combateu em vida tornou sua morte um episódio nebuloso. Em 1977, Asimov teve um ataque cardíaco. Em 1983, foi submetido a uma cirurgia de tripla ponte de safena; com uma transfusão de sangue durante o procedimento, contraiu HIV.

Aconselhado pelos médicos a não revelar sua condição por conta do preconceito anti-Aids da época, que poderia iria se estender a seus familiares, ele jamais revelou o diagnóstico. Morreu em 6 de abril de 1992, por complicações causadas pelo vírus. Sua obra, contudo, permanece.

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