sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Diplomatas estão perplexos com a loucura do chanceler bolsonarista


Discurso de Araújo deixa diplomacia perplexa

Por Daniel Rittner | Valor

Uma das cenas emblemáticas de "O Iluminado", obra-prima do cineasta Stanley Kubrick, mostra uma onda de sangue jorrando do elevador e atingindo as paredes em um corredor do Hotel Overlook. Atônitos com o discurso de posse do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, diplomatas fazem referência à imagem do filme de suspense para deslizar uma piada toda vez que passam em frente ao gabinete do novo chanceler. Olham-se uns aos outros, em tom de cumplicidade, e apontam o elevador privativo ou a parede para emendar sutilmente: "Cuidado para não encostar e sujar a roupa de sangue".

A anedota circula como reflexo do clima de apreensão e ansiedade que já se vivia no Itamaraty às vésperas de Araújo assumir o cargo. A perplexidade só aumentou depois de o ministro ter feito um pronunciamento no qual recitou Ave Maria em tupi, fez citações em grego e em latim, mencionou Dom Quixote e o sebastianismo português, Raul Seixas e Renato Russo, garantiu que o problema do mundo não é xenofobia, mas uma teofobia (ódio a Deus) que corrói valores cristãos ocidentais, conclamou seus subordinados a lutar contra a "ordem global".

Diplomatas mais experientes do Itamaraty passaram as horas seguintes ao discurso fazendo críticas. "O primeiro discurso de um chanceler é para lançar as linhas-mestras da política externa, falar sobre o nosso entorno sul-americano, propor pontes com o resto do mundo", afirma, reservadamente, um chefe de representação brasileira no exterior e que já chefiou diversas embaixadas. "É um discurso escutado com atenção pela comunidade diplomática lotada em Brasília, que transmite essa mensagem às suas capitais. Agora, imagina o embaixador do Japão tendo que relatar esse discurso a Tóquio."

A reação dos estrangeiros foi na mesma linha. Aos comentários jocosos de que diplomatas brasileiros pediriam exoneração do Itamaraty e asilo em seu país, um embaixador europeu apenas sorriu. "Make a reservation (faça uma reserva", brincou, dizendo que serão muitos pedidos. Outro ironizou: "Fiquem tranquilos que o presidente Bolsonaro certamente vai conter o radicalismo dele".

Brincadeiras, piadas e ironias à parte, a crítica girou em torno do fato de que não houve diretrizes em sua mensagem inicial. Qual será a postura do Itamaraty sobre o Mercosul? O Brasil continuará fazendo parte do G-4 com Índia, Japão e Alemanha para ampliar o conselho de segurança das Nações Unidas? Há planos para a África e para a Ásia? Temos alguma posição sobre a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou do Fundo Monetário Internacional? Nada foi tratado.

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