quinta-feira, 3 de outubro de 2019

A herança de ódio e sangue da Lava Jato


Luis Nassif

Lava Jato não foi apenas a operação que arrebentou com a engenharia brasileira, deixou milhões de desempregados, atuou politicamente, destruindo o sistema político e permitindo a ascensão da ultradireita – da qual sempre foi parte integrante, ajudando a organizar as milícias digitais.

Foi responsável pela consolidação do fascismo no aparelho repressor, do qual o fruto mais ostensivo foi a Operação Ouvidos Moucos, que levou ao suicídio o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier.

Na Folha de hoje, o filho do reitor, Mikhail Cancellier, relata a perseguição de que está sendo alvo por parte do procurador André Bertuol e da juíza Janaína Cassol Machado.

Para a Operação, a delegada Erika Melena requisitou mais de uma centenas de policiais de todo o país. Apresentou números altissonantes da suposta corrupção, R$ 84 milhões, dos quais se soube, que era o valor total do programa investigado.

Valeu-se para trás de um funcionário desequilibrado da UFSC, indiciado por violência do transito, que a Controladoria Geral da União colocou como um quase interventor na UFSC. De perfil violento, passou a perseguir alunos que se manifestavam nas redes sociais, delatou o reitor por supostas irregularidades nos programas de educação à distancia.

No fim, a acusação na qual se baseou a Polícia Federal e o MPF foi que o reitor tinha conseguido um empréstimo de R$ 7 mil reais de um colega professor, para ajudar a bancar as despesas do filho, que estudava fora. E o professor ministrou aulas no curso. Foi o que bastou para que se fizessem as correlações, conforme ensinado por Sérgio Moro e Deltan Dallagnol na Lava Jato.

7 mil reais, um valor irrisório que se adequava muito mais à versão de empréstimo entre amigos, mas que foi transformado em lavagem de dinheiro por dois agentes da lei mergulhados na banalidade do mal. Foi o que bastou para que o reitor fosse levado preso, colocado nu, humilhado, deixando cicatrizes que o levaram ao suicídio.

Não apenas isso. Depois, os abusos continuaram na invasão da Universidade Federal de Minas Gerais, conduzida pela PF, ou na invasão pela Polícia Militar de mais de uma dezenas de campus universitário nas vésperas das eleições, em ação concatenada por juízes eleitorais, na Operação Carne Fraca. E todos eles têm a marca de Sérgio Moro, direta ou indiretamente.

Até agora as críticas têm se concentrado mais nos desastres macro conduzidos pelos procuradores, que atingiram políticos. Falta levantar os abusos da Polícia Federal contra seus próprios companheiros, que ousaram questionar a Lava Jato.

Durante algum tempo, a PF primou pelo profissionalismo. Há um corpo de delegados e policiais que prezam as investigações planejadas, a isenção, o profissionalismo, e que não se conformavam com o estilo rombudo da Lava Jato, valendo-se apenas de bancos de dados e de ilações vazias, em vez do trabalho de inteligência.

No Paraná, especificamente, os delegados que ousaram questionar os métodos da Lava Jato foram submetidos a perseguição implacável pelo time que Moro levou para Brasilia. Pressionou-se uma das prisioneiras para que delatasse um delegado crítico, que mostrara as vinculações da PF do Paraná com Aécio Neves. Outro delegado foi perseguido pelo relatório que produziu sobre o grampo na cela de Yousseff.

Eu mesmo depus como testemunha em um inquérito armado para apurar suposta “venda de dossiês”, na verdade reportagens sobre as relações de Rosangela Moro com a APAE do Paraná, que o GGN havia publicado em primeira mão.

Nomes como Erika Marena, Igor Romário de Paula, Maurício Moscardi Grilo, Márcio Anselmo, na verdade, se constituem em risco muito maior para a democracia do que procuradores deslumbrados. Eles investiram implacavelmente contra jornalistas, colegas e, especialmente, contra suspeitos, humilhados, apresentados à opinião pública algemados nas mãos e pés, produzindo autenticas farras com dinheiro público, para convocar centenas de policiais, fantasiados de guerreiros ninjas, para operações sem risco, na qual os suspeitos eram apenas professores universitários ou fiscais sanitários. Enquanto os verdadeiros policiais enfrentam os perigos reais, narcotraficantes, milícias, contrabandistas, sem reconhecimento e sem as facilidades desses heróis sem risco.

E é a eles que Moro conferiu o poder de conduzir a Polícia Federal.

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