Veríssimo
Os chilenos se manifestam nas ruas contra o aumento de tarifas e do custo da sua vida em geral. Nada que não tenha mobilizado multidões em outras partes do mundo. Mas um milhão de manifestantes nas ruas do Chile não significa o mesmo que um milhão de manifestantes em outro lugar. Uma nova e inesperada causa entrou no elenco de reclamações dos chilenos. Uma causa não inédita — no fundo é a causa básica, o genérico, de todas as outras — mas que não costuma frequentar manifestações de rua. Os chilenos protestam contra a desigualdade.
Dirá o leitor que a desigualdade, a má distribuição de renda, a injustiça social ou que nome tenha a bandida está implícita em todo o discurso de esquerda e é tão óbvia que está à beira de ser uma abstração. É-se contra a injustiça social como se é contra a morte, a explosão de vulcões, a seborreia e a techno music. O leitor tem razão, mas a obviedade nunca foi dita com a clareza em que está sendo ouvida nas ruas do Chile. Os ricos ficam cada vez mais ricos, os pobres ficam cada vez mais miseráveis, e isto não é uma fatalidade como o rompimento de uma barragem da Vale. O cataclismo tem autores, tem defensores, tem teóricos, tem até filósofos.
O Chile também é diferente porque até hoje é cantado e decantado como o grande exemplo do neoliberalismo triunfante no continente. Paulo Guedes, que Bolsonaro & Filhos convocaram para imitar o Chile no Brasil, é da chamada Escola de Chicago, de discípulos de Milton Friedman. O neoliberalismo que Friedman receitava e Guedes tenta impor tem o dom mágico de sobreviver a seus grandes fracassos e supervalorizar suas pequenas vitórias, como na votação da Nova Previdência. A economia sob Guedes ainda não começou a andar, mas está fazendo um bom trabalho de remontar o proletariado brasileiro ao gosto do empresariado.
Não foi o neoliberalismo que levou a maioria de manifestantes às ruas no Chile, mas sim a consciência, finalmente explícita, de que desigualdade e neoliberalismo se completam. Óbvio.
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