Carlos Andreazza
O contrato de aluguel firmado entre Gustavo Bebianno e Luciano Bivar era claro: o presidente do PSL entregaria o partido ao bolsonarismo, com porteira fechada, durante o processo eleitoral, e o teria de volta, robusto, ao fim da eleição.
Era — para quem desconhece a natureza do fenômeno bolsonarista — um típico acordo de ganha-ganha. Jair Bolsonaro levaria a plataforma burocrática necessária ao pleito pela Presidência; e Bivar a retomaria adiante com, na pior das hipóteses, uma bancada parlamentar encorpada e maior valor no mercado dos fundos públicos partidários. Em tese, um baita negócio.
Nunca houve santos nesse trato; sendo a desqualificação partidária contida no business mais um golpe desferido pelo bolsonarismo contra a democracia representativa. Todos os que, filiando-se ao partido de aluguel, associaram-se ao projeto autoritário de poder bolsonarista —tanto os de boa vontade quanto os em busca de uma boquinha — são responsáveis pela depreciação político-institucional que o arranjo PSL/Bolsonaro desfecha. Entre os signatários do pacto vil, porém, foi Bivar quem cumpriu sua parte; decerto iludido sobre o caráter bolsonarista e a inevitabilidade de que, cedo ou tarde, para além do simples desrespeito a acordos, traísse.
Essa gente trai. Tema índole para o expurgo. Atrai e trai. Atrai, instrumentaliza, manipula, gasta, desgasta — e trai. Então, passada a eleição, com Bolsonaro consagrado presidente, e não sem rápidos indícios de que seu controle sobre o Estado pudesse se estender também à Polícia Federal, era questão de tempo até que a engenharia de intimidação bolsonarista se concentrasse em assaltar e tomar o partido; em rebaixá-lo para melhor capturá-lo segundo o interesse autocrático: uma mera estrutura sem identidade, para fins formais, mas com fundos par abancara contado projeto personalista de poder do bolso na ris mo.
Sob esse movimento reacionário populista, apenas os Bolsonaro terão vez; todos os demais a engordar, com cargos, influência e até votos, somente se submetidos à ordem familista, sem aspirações pessoais que extrapolem as do presidente e filhos. Quem, por exemplo, tiver visto o discurso leninista do assessor especial da Presidência Filipe Martins no tal CPAC Brasil, o piquenique de Eduardo Bolsonaro pago com dinheiro público, terá percebido que ele entendeu essa dinâmica; daí por que tenha falado, sem sombra de vergonha, em amor dos brasileiros a Carlos Bolsonaro e irmãos.
Martins vai tão longe por quão longe for o bolsonarismo. O mesmo não se pode dizer de Joice Hasselmann, degredada pela fátua bolsonarista ainda sem saber por quê. Ora, ela desejou ser prefeita de São Paulo; cultivou relações com João Doria e Rodrigo Maia; e ainda crê que os ataques de que é vítima, decorrentes de uma crise artificial forjada pelo próprio Bolsonaro e disparados por seus filhos e asseclas, ocorram sem o aval do presidente.
No universo do bolsonarismo, para que se meça a flexibilidade da República dos Emojis, Hasselmann é considerada independente em excesso.
Hoje me parece óbvio que um dos fatores decisivos para a queda de Bebianno tenha sido a pretensão de honrar o contrato com Luciano Bivar. Não porque símbolo da virtude, mas por conhecer a operação partidária levantada para eleger Bolsonaro e temer que a ruptura do acordo —considerados o nível indigente e o grau de ambição da bancada eleita pelo PSL — resultasse numa convulsão no baixo clero que ascendera surfando a onda bolsonarista e, pois, na multiplicação de franco-atiradores como delegado Waldir.
Todo mundo ali sabe o que se fez no verão passado. Esta é a razão por que, em resposta ao pedido bolsonarista para ter acesso às contas do PSL, venha a demanda dos aliados de Bivar para examinar os extratos do partido durante o período eleitoral. Pode isso acabar bem para uma administração ainda aos dez meses do primeiro de quatro anos? Que tenhamos uma certeza, contudo: o bolsonarismo esticará essa corda ao máximo da tensão, ainda que com prejuízos — a parca agenda travada no Congresso – para o governo.
Para a agenda revolucionária bolsonarista: tanto melhor. Apostando no peso da caneta do presidente e na musculatura de seus braços difamadores, o bolsonarismo sabe que terá o partido. Se não o PSL, outro.
Aqui, por fim, é necessário distinguir a primazia do projeto de poder bolsonarista sobre qualquer projeto de Brasil que franjas liberais do bolsonarismo possam tentar esboçar a partir da economia. Não importa o país real, o do desemprego. Somente uma abstração de um tal Brasil conservador cujos princípios vão longamente violados.
O governo Bolsonaro —apenas a chave que franqueia a máquina federal ao avanço de uma autocracia —não pode ser lido por olhos que busquem o valor republicano da estabilidade, da governabilidade. O projeto prospera no caos. O Brasil vai mal. Não tenhamos dúvida de que o bolsonarismo vai bem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário