quarta-feira, 2 de outubro de 2019

No livro de Janot, o marco inicial dos problemas da Lava-Jato


Janot mostrou o cenário chinfrim 

Elio Gaspari
Ex-procurador-geral exagerou na seletividade da própria memória
O livro “Nada menos que tudo”, do exprocurador-geral Rodrigo Janot, deseduca, desinforma e ofende o vernáculo. Traz mais revelações sobre o funcionamento do aparelho digestivo de sólidos e líquidos do doutor do que a respeito da máquina do Judiciário e do Ministério Público que chefiou por quatro anos. Conta dois episódios de vômito e um de gases. A certa altura, diz que o senador Renan Calheiros tinha uma “suposta namorada”, quando se sabe que ele teve uma filha com a senhora.

As memórias de Janot desencadearam um episódio chinfrim porque, numa entrevista a propósito do livro, ele revelou que foi armado ao Supremo Tribunal para matar Gilmar Mendes. (Essa cena, narrada com detalhes na entrevista, está contada no livro de forma críptica, sem identificar o ministro que levaria um tiro “na cabeça”.) A pedido do doutor Alexandre de Moraes, a Polícia Federal foi à casa do ex-procurador-geral numa operação de busca e apreensão e capturou sua pistola. Episódio desnecessário, acompanhou o estilo teatral das memórias do ex-procurador.

Sucederam-se manifestações de solidariedade e espanto, traduzidas pela professora Eloísa Machado de Almeida: “O episódio coroa a má relação entre procuradores da República e ministros do Supremo”. Aquilo que poderia ter sido um conflito em torno do Direito, virou um confronto de antropófagos com canibais. Como escreveu a professora: “O futuro da Lava-Jato sempre dependeu de sua própria integridade jurídica e de seus membros. A autoridade do Supremo vem da legitimidade constitucional de suas decisões. Por isso, agora, ambos naufragam abraçados.”

Mais preocupado em falar bem de si, Janot exagerou na seletividade da própria memória. Ainda assim, ele mostra o momento em que o conjunto da Lava-Jato começou a naufragar. Em 2014, quando a Procuradoria-Geral recebeu um lote de delações vindas de Curitiba, Janot teria comentado:

“Isso tá uma merda, não tem nada.” Ele se referia a acusações de Alberto Youssef contra Lula e Dilma Rousseff, “destituídas de valor jurídico”. Como procurador-geral, Janot poderia ter contribuído para ordenar os métodos e a qualidades das delações. Ele e os procuradores preferiam cavalgar a popularidade de seus espetáculos.

Três meses depois, em fevereiro de 2015, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, de Curitiba, dizia que “o procedimento da delação virou um caos. (...) O que vejo agora é um tipo de barganha onde se quer jogar para a plateia, dobrar demasiado o colaborador, submeter o advogado, sem realmente ir em frente. Não sei fazer negociação como se fosse um turco.” Acabou aprendendo, mas essa é outra história.

Em maio de 2015, o Ministério Público de Curitiba foi confrontado com duas delações conflitantes, na qual um dos colaboradores oferecia-se para uma acareação, um dos doutores disse que não se devia mexer no assunto: “Esse é o tipo de coisa que quanto mais mexeu pior fica.” Ao que um de seus colegas completou: “É igual bosta seca: mexeu, fede”.

Desde que os processos de Curitiba e da Procuradoria-Geral chegaram às Cortes Superiores, a fedentina tomou conta da Lava-Jato, pois não havia como deixar a bosta seca intocada.

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